O Acervo de Documentação e Pesquisa (ADOPE)
Em 2005, com 75 anos de idade encerrei definitivamente minhas atividades docentes formais na Unisinos. Meu contrato como professor titular com dedicação exclusiva foi encerrado de acordo com a liturgia obrigatória pelas leis trabalhistas. Em vez de esperar o tempo regulamentar a universidade propôs um novo contrato, desta vez sem dedicação exclusiva, sem obrigações letivas na condição de Pesquisador com um salário reduzido à metade, com o objetivo de coordenar a formação de um Acervo de Documentação e Pesquisa a partir das muitas fontes e publicações relativas à imigração alemã além de outros acervos particulares e institucionais que se tinham acumulado junto ao Núcleo de Estudos Teuto-brasileiros. Aceitei a proposta e com as leais e fiéis colaboradoras Isabel C. Arendt e Janaína Silva fomos ocupar as três salas reservadas no subsolo do pavilhão 5 do extinto Ciclo Básico.
Naquele espaço encontravam-se depositadas a biblioteca do prof. Kurt Walzer, já mencionada mais acima, meia dúzia de pequenas bibliotecas cedidas por famílias, todo acervo documental das Cooperativas do Rio Grande do Sul, o Acervo Documental da Sociedade União Popular. A esses vieram somar-se nos dois anos seguintes, o Acervo do Pe. Balduino Rambo, e acervo documental do Falido Frigorifico Vacariense confiado à Unisinos a título de “guarda judicial”. O primeiro passo consistiu em acomodar em estantes os acervos documentais e os livros avulsos para em seguida, passar a catalogar os livros de acordo com regras técnicas e organizar os acervos documentais do extinto Centro de Documentação e Pesquisas (CEDOPE), da Sociedade União Popular e do Pe. Rambo. À Janaína coube a catalogação dos livros e à Isabel coordenar a organização dos Acervos de acordo com as regras técnicas usuais nesses casos. A catalogação dos livros não implicava em recursos financeiros específicos, o que não vinha a ser o caso dos Acervos Documentais. Sem muita perda de tempo a Isabel e eu montamos três projetos para a captação de recursos. O do Pe. Rambo pedia recursos ao BNDES, o da Sociedade União Polpular, ao Programa de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura (Lei Rouanet) e o do CEDOPE, focado no cooperativismo, ao programa de incentivo da cultura da PETROBRAS. Os três foram aprovados. Acontece que somente dois foram de fato executados: o do Pe. Rambo e o do Cooperativismo. Para o da Sociedade União Popular aprovado pela Lei Rouanet não foi possível captar os recursos em tempo hábil por falta de interesse das não poucas empresas visitadas. O Acervo de Documentação e Pesquisa de que estamos falando foi na verdade o resultado da evolução do Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros, sob a jurisdição do Pós Graduação em História. Por ordem superior, entretanto, passou a ser incorporado na biblioteca central da universidade, mais especificamente no setor de livros raros e antigos e a biblioteca histórica que abrigava as muitas bibliotecas espalhadas pelas paróquias, seminários e casas de formação dos jesuítas no sul do Brasil, reunidas no terceiro e sexto andar da biblioteca. A história e características desse conjunto de incalculável valor, pretendo detalhar mais abaixo. Para encurtar. O acervo do ADOPE migrou para o sexto andar da biblioteca e passou a fazer parte do rico e precioso conjunto de obras reunidas pelos jesuítas alemães desde 1849. O cuidado dos acervos documentais ficou sob a responsabilidade da Isabel enquanto a acomodação dos livros e revistas em dezenas de prateleiras coube a Janaína. Por minha conta e responsabilidade ficou a tarefa de proceder a uma classificação prévia em grandes áreas, como geografia, história, filosofia etc. das cerca de 200.000 obras acumuladas em caixas de papelão que não deixavam de se multiplicar na medida em que chegavam mais e mais pequenas, médias e bibliotecas maiores com a do Colégio Cristo Rei, da sede antiga da Unisinos no centro de São Leopoldo e do Colégio Santo Inácio em Salvador do Sul.
Antes de descrever a minha função específica de organizar os acervos da biblioteca histórica da Unisinos, parece oportuno refletir um pouco sobre a história da preservação da memória histórica a partir do momento que dispomos de “documentos” que a trouxeram até nós sem quebra de continuidade.
Memória histórica – Bibliotecas.
As tradições, a história, o patrimônio cultural de um povo constituem-se na sua própria razão de ser. Desde tempos imemoriais, desde a aurora da história, o homem viveu em hordas, bandos, tribos, parentelas, nômades ou seminômades, caçadores coletores de frutos e raízes, ou agricultores primitivos e criadores de animais. Uma das suas grandes preocupações foi a preservação da sua história e suas tradições, enfim sua memória. Recorreram aos mais variados instrumentos para que o fio da memória histórica não sofresse rupturas importantes e não se apagassem as trilhas que conectam o passado com o presente.
Dependendo das características circunstanciais que determinaram a direção e o ritmo da história, recorreu-se aos mais diversos recursos disponíveis para preservá-la. Desde que o homem se fez presente na terra, com portador de inteligência reflexa, preocupou-se com a memória individual e coletiva. “Recordar é um pouco percorrer novamente velhos caminhos, mas é também imaginar o ocorrido e construir sobre isso uma nova realidade” (Caldera, 2004, p.14). Sendo assim entende- se que o homem desde suas remotas origens, se tenha inspirado no passado para construir o presente e, ao construir o presente, consciente ou inconscientemente, colocar as bases para o futuro. A história ou as histórias dos povos, são obras da inteligência, fruto da capacidade criativa, do poder inventivo, sob o comando da capacidade reflexiva. Cada história é única em relação às demais e, ao mesmo tempo, embora a linha mestra, que lhe confere unidade para que não sofra quebra de continuidade, a sua encarnação no tempo está sujeita ao transitório de cada época. Em outras palavras. A trajetória da história tem o seu rumo traçado pelo perene e o transitório que constituem sua essência. E, em meio a essa dinâmica, em meio a essas vicissitudes históricas, a identidade cultural de cada povo adquire forma e rosto. É fundamental que nesse processo não aconteça quebra de continuidade o que resultará fatalmente em sérios prejuízos para a identidade e, em casos extremos, na sua perda. O indivíduo e mais ainda um povo como um todo, despojado de sua identidade fica à deriva, perde a dignidade, o amor próprio, o sadio orgulho e autoestima. Transforma-se em presa fácil dos seus inimigos e vende-se àquele que lhe oferece as maiores vantagens. Para evitar tamanha catástrofe o único meio eficaz é a preservação da memória histórica, custe o que custar.
Tanto os povos letrados quanto os ágrafos puseram a serviço da preservação da memória histórica, os meios mais diversos de que dispunham. Entre muitos povos a história e a tradição foram, e em não poucos casos são ainda hoje, transmitidos via oral, de geração em geração, pelas pessoas mais idosas. A elas cabe a tarefa de narrar às gerações mais novas, principalmente às crianças, a história dos antepassados. Agrupadas em volta de fogueiras, recolhidas no interior de tendas, no interior de cavernas ou abrigos rústicos, as crianças ouviam os anciãos e anciãs falarem dos antepassados, dos mitos, dos heróis, dos deuses, dos demônios. Pintados com cores vivas desfilavam diante dos seus olhos infantis curiosos os heróis fundadores. Tanto fazia se eram personagens reais ou imaginários. Lá estavam eles com toda a sua autenticidade e ninguém punha em dúvida a história que estava sendo narrada e que os punha em contato com suas raízes. E como esses anciãos e anciãs esquimós, índios das pradarias do Mississipi, tupis-guaranis, araucanos, maputches, incas, bantus, australianos, chineses, indianos, germanos, etc., etc., devem-se ter esmerado em retratar com as cores mais vivas possíveis, as sagas e os heróis dos seus povos. A esses anciãos e anciãs cabia ao mesmo tempo o papel dos livros, das bibliotecas, das escolas e dos mestres. Por encarnarem a memória viva gozavam de prestígio inconteste conforme os registros dos etnógrafos e etnólogos que se ocuparam com eles.
Além da via oral, da boca dos anciãos ou de outras formas de transmissão oral, outras tornaram- se correntes. A história pode ser contada com o recurso às artes plásticas: desenho, pintura, estatuária, assim como com as tecnologias de fabricação de instrumentos e artefatos de todos os tipos e finalidades, da cestaria, vestimenta, monumentos fúnebres, vestígios de alimentos, e muitos mais.
Em resumo são esses os “livros”, os “documentos”, as “fontes”, que compõem as “bibliotecas” que guardam e preservam a memória dos povos ágrafos ou a fase ágrafa dos povos letrados, permitindo de alguma forma o acesso à sua história não escrita.
Obviamente os “documentos” guardados na memória dos anciãos e anciãs e nas “bibliotecas” dos povos sem escrita, oferecem uma compreensão permeada de idiossincrasias e lacunas. Os perfis da história dos povos tornam-se mais nítidos, são enriquecidos com detalhes, assumem contornos mais claros, a partir do momento em que o homem começou a usar a escrita sistemática, baseada em caracteres com simbolismos convencionados. Enquadram-se nessa linha a escrita cuneiforme, os hieróglifos, os sinais, os logogramas da China e do Japão e outros mais. Entalhados em pedra, nas paredes de cavernas e abrigos naturais, em placas de cerâmica, escritos em peles de animais, em papiros e sobre outros fundos, permitiram o armazenamento sistemático e para o futuro da memória histórica das civilizações em consolidação tanto no ocidente quanto no oriente. A interpretação da escrita cuneiforme franqueou o acesso ao conteúdo do Código de Hamurabi, o mais antigo compêndio de leis do ocidente e ao conteúdo do poema épico escrito em caracteres cuneiformes e em arcádico, permitindo o acesso ao significado da busca da imortalidade de Gilgamesh, rei de Uruk, entre 2700 e 2500 A.C. Da mesma forma a decifração dos hieróglifos, abriu as portas para os detalhes da história do Egito dos últimos milênios A.C. sobretudo o imaginário sobre a morte no Livro dos Mortos que permeia significativamente os textos do Antigo Testamento da tradição judaico cristã.
O passo decisivo para um registro compreensivo e cada vez mais exato, foi dado com a invenção dos diversos alfabetos. Somando menos de três dezenas de símbolos gráficos, agrupados numa infinidade de combinações, permitem na prática, registrar, os sons, os vocábulos e formular os conceitos, expressar o estado de alma, as aspirações, crenças etc., próprios das inúmeras tradições culturais históricas. Os documentos, as fontes, os livros, desde então oferecidos ao público, somados aos anteriores, desde o Código de Hamurabi, do poema de Gilgamesh, do Livro dos Mortos do Egito, foram reunidos em recintos apropriados, conhecidos desde tempos remotos como “bibliotecas”. A mais famosa delas, a Biblioteca de Alexandria abrigava, quanto se sabe, a linha mestra da história e do conhecimento da antiguidade remota do Ocidente. Desafortunadamente caiu vítima do espírito fanático e iconoclasta de conquistadores islâmicos que a incineraram por julgar o conteúdo herético e por isso inútil. Dados históricos registram que as chamas levaram semanas e meses, para reduzir a cinzas a história do norte da África, com destaque para o Egito, do Oriente próximo e médio e da bacia do Mediterrâneo. A história posterior desgraçadamente tem a registrar inúmeros exemplos semelhantes. Por razões políticas, religiosas, étnicas, ou simplesmente pela ignorância mais crassa, obras sem conta e bibliotecas inteiras foram impiedosamente destruídas e mutiladas e, infelizmente, o são ainda hoje. Aqui cabe uma observação. Os livros com encadernação de luxo, livros com encadernação simples, livros em forma de brochuras, periódicos, revistas, escritos avulsos, correspondências, partituras de música, registros de contabilidade, anotações em folhas avulsas, bilhetes impressos de toda natureza e conteúdo, guardam de alguma maneira uma parcela ou uma gota da memória do passado. Trata-los como inúteis, pior como lixo e vende-los para a reciclagem, não passa de ignorância para não falar em estupidez. Por isso é de fundamental importância que pessoas responsáveis para lidar com acervos e bibliotecas tenham um mínimo de consciência dos tesouros que lhes são confiados para a guarda. Posso estar exagerando, mas se dependesse de mim nenhuma linha anotada na orelha de um jornal ou de um bilhete qualquer, deveria ser descartado por serem fragmentos da memória que transmitem de alguma forma uma mensagem ou registram um momento, uma gota no oceano da história. Aliás, enquanto esvaziava as caixas guardei numa estante as folhas ou páginas soltas de jornais e revistas, rascunhos escritos a mão e, por isso, tive que ouvir da curadora dos acervos a observação pouco simpática chamando-me de “coletor de lixo”.
Mesmo assim as bibliotecas foram-se multiplicando em número e aumentando a quantidade e valor das obras. Pelo menos o essencial da cultura clássica, suas linhas de pensamento, sua literatura, sua ciência, encontraram guarida nas bibliotecas dos grandes centros de cultura e do poder do ocidente, do oriente próximo e remoto. Nos séculos tumultuados, marcados pelas grandes migrações dos povos na Europa, as bibliotecas migraram para os mosteiros, onde encontraram uma relativa segurança. Os monges distantes e quase imunes às turbulências do século, lançaram-se à tarefa pela qual a história posterior lhes deveria ser eternamente grata. Puseram-se a copiar os textos com paciência e perseverança. As obras assim multiplicadas puderam ser guardadas em locais distintos, diminuindo em muito o risco da perda, extravio ou destruição pura e simples.
Embora nos séculos finais da Antiguidade e durante a Idade Média, a produção do conhecimento, as obras literárias e o avanço nas ciências, tivessem perdido muito do seu brilho e dinamismo, conta a seu favor o mérito de ter sido a fiel guardiã do legado do mundo antigo clássico. Estigmatizá-la pejorativamente com a “Idade das Trevas” não passa de um primarismo grosseiro de avaliação. Ao abrigo dos mosteiros a memória cultural da Antiguidade Clássica encontrou segurança durante séculos, aguardando o momento para servir de ponte e de combustível para alimentar o motor da Renascença.
Quando a Idade Média chegou ao seu final e o furacão da Renascença começou a varrer a Europa, a providencial invenção da imprensa por Johannes Gutenberg, ofereceu o pressuposto técnico para que a memória histórica guardada nos mosteiros e a avalanche da produção nova e inédita, pudesse ser fácil e rapidamente posta à disposição do grande público. Em meio a essa frenética agitação surgiram as primeiras universidades em Florença, Paris, Praga, Oxford, Cambridge, Heidelberg, Berlim. Essas e muitas outras que foram surgindo transformaram-se em centros de produção do conhecimento. Na sua origem essas instituições centravam seus interesses na Teologia, na Filosofia, Humanidades, Matemática, Medicina, Jurisprudência. A partir daí começou a migração para as universidades do conhecimento guardado nos mosteiros e o novo que vinha sendo produzido. O resultado natural dessa movimentação foi a instalação de bibliotecas e acervos documentais, como parte obrigatória integrante das universidades.
A partir desse momento as universidades tomaram o lugar dos mosteiros na preservação da memória histórica escrita. No mesmo ritmo em que o furacão da Renascença foi-se alastrando, avolumou-se a produção de novos conhecimentos. E foi nas universidades e no seu entorno sob sua influência direta e indireta, que a mente humana deu demonstrações dos seus fabulosos potenciais. Em meio a essa efervescência generalizada as universidades com suas bibliotecas e acervos documentais, ofereceram os estímulos e as inspirações que as transformaram no nascedouro de uma nova era da história. A concepção de novas ideias, a produção de novos conhecimentos, a moldagem de uma nova cosmovisão, não foram o produto de um “deus ex machina”. Resultaram da redescoberta dos conhecimentos cuidadosamente preservados na penumbra das bibliotecas dos mosteiros. E é nessa perspectiva que a Idade Média com seus mosteiros adquire sua verdadeira e inegável importância histórica. O fato de ter impedido que se interrompesse o canal de comunicação do Mundo Antigo Clássico com a história dos povos dos séculos XV e XVI, confere-lhe um significado de difícil avaliação. Medir o papel da Idade Média e seus mosteiros apenas pela ausência do espetacular, do barulho das invenções, pelo estrépito do embate das ideias em conflito, pela presença e influência onipresente da Igreja em todos os níveis da sociedade, certamente não chega a tocar naquilo que a tornou fundamental para a história.
E as universidades, as grandes herdeiras das fontes do saber e do conhecimento, guardadas nos mosteiros, multiplicaram-se e espalharam-se com rapidez pela Europa toda. Transformaram-se no fórum em que uma nova era estava sendo gestada. Em meio ao embate das ideias em que a nova geração pensante da Renascença se envolveu nas “aulas magnas” das academias, o saberguardado por séculos, estimulou e amadureceu frutos espetaculares. A semente, fruto do espírito fecundo e, porque não dizê-lo, da genialidade dos antigos, depois de hibernar por mil anos nos mosteiros, germinou com todo o vigor, no chão fecundo da atmosfera propícia das universidades.
Em meio ao fervo da Renascença a produção do conhecimento vem acompanhado no mesmo ritmo, com florescimento das artes, das letras e das ciências. Novas tecnologias conheceram momentos de glória. Sem pretender diminuir as novas tecnologias em geral, destaco novamente pela sua importância a invenção da Imprensa por Johannes Gutenberg. Sem ela a popularização dos conhecimentos guardados nas bibliotecas e o novo que se produzia em profusão, dificilmente teria ultrapassado os recintos nos quais era produzido. Pela facilidade da reprodução dos textos atingiu e conquistou um número de leitores cada vez maior, e não tardou para atingir as classes sociais menos favorecidas. As consequências foram óbvias. As ideias novas e antigas, as mudanças acontecidas na cosmovisão, nos hábitos, nos costumes, nas crenças, passaram a fazer parte do dia a dia até das pessoas comuns. O desfecho era previsível. A história da humanidade enveredou por um rumo que ainda hoje decide sobre os caminhos a seguir. Outra consequência. Na esteira da dinâmica desse processo agiganta-se o volume de obras que saem das oficinas gráficas em constante multiplicação numérica, no mesmo ritmo em que as tecnologias de impressão vão-se aprimorando. O crescimento quantitativo e qualitativo enriqueceu e multiplicou as bibliotecas. O conceito “biblioteca” deixa de soar como algo “monacal” ou “acadêmico”, fora do alcance do comum dos mortais, para servir também como termômetro do nível cultural, até das comunidades do mundo rural.
Sendo assim entende-se que o homem desde suas remotas origens, se tenha inspirado no passado para construir o presente e, ao construir o presente, consciente ou inconscientemente, colocar as bases para o futuro. A história ou as histórias dos povos, são obras da inteligência, fruto da capacidade criativa, do poder inventivo, sob o comando da capacidade reflexiva. Cada história é única em relação às demais e, o mesmo tempo, embora a linha mestra, que lhe confere unidade e não sofra quebra de continuidade, a sua encarnação no tempo está sujeita ao aleatório de cada época. Em outras palavras. A trajetória da história tem o seu rumo traçado pelo perene e o transitório que constituem sua essência. E, em meio a essa dinâmica, em meio a essas vicissitudes históricas, a identidade cultural de cada povo adquire forma e rosto. É fundamental que nesse processo não aconteça quebra de continuidade o que resultaria fatalmente em sérios prejuízos para a identidade e, em casos extremos, na sua perda. O indivíduo e mais ainda um povo como um todo, despojado de sua identidade fica à deriva, perde a dignidade, o amor próprio, o sadio orgulho e autoestima. Transforma-se em presa fácil dos seus inimigos e vende-se àquele que lhe oferece as maiores vantagens. Para evitar tamanha catástrofe o único meio eficaz é a preservação da memória histórica, custe o que custar. E para resumir o que vínhamos refletindo é legítimo afirmar que “as bibliotecas deveriam se tratadas como santuários onde os mortos continuam vivendo e os mudos falando”.