O Mapa Mundi redesenhado. Depois de terminada a segunda guerra mundial a história da humanidade enveredou, por assim dizer, para uma adaptação às novas realidades, consequências do conflito de dimensões planetárias. O mapa do mundo foi redesenhado pelos acordos dos vencedores Estados Unidos, Inglaterra, França e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Países foram repartidos e tratados como troféus de guerra, como a Alemanha, metade sob o domínio soviético e a outra sob o dos demais vencedores. Berlim foi zoneada em quatro partes, províncias inteiras foram arbitrariamente incorporados em estados fronteiriços. Não é aqui o lugar para entrar em detalhes do que aconteceu em outros países e continentes. O exemplo da Alemanha vem a ser emblemático para inúmeras outras situações. Neste contexto em que evidentemente as razões geoestratégicas ditaram os acordos, as populações, culturas e etnias derrotadas envolvidas nesse jogo de xadrez, não tiveram voz. Para encurtar. Nesse caldo de interesses e conveniências dos “donos do mundo” ficou aos poucos evidente que aqueles senhores tinham celebrado alianças com a finalidade de por de joelhos o Nacional Socialismo e varrer da Europa a ditadura perversa de Hitler e seus comparsas. Não demorou que interesses geopolíticos, geoeconômicos e geoestratégicos subjacentes fizessem valer seus postulados. Ficou evidente que a União Soviética comandada pela voracidade insaciável em ampliar o mais possível o espaço de sua dominação e influência, abocanharia o maior número possível de países e territórios localizados nas suas fronteiras ou próximos a elas. Ao definir-se a linha “Oder-Neisse” como delimitadora entre o ocidente inglês, americano e francês e o oriente soviético, a Alemanha foi cortada ao meio, Áustria, Iugoslávia, Hungria, Bulgária, Romênia, Polônia, a República Theca e as Repúblicas do Báltico: Letônia, Estônia e Lituânia passaram para o domínio soviético. Nesse nível estagnou a aliança entre essas grandes potências ao derrotarem a Alemanha nazista. No fundo no fundo a visão do mundo soviético e a visão dos países do mundo ocidental não passava de água e óleo que até podem servir para encher um recipiente comum, porém, jamais se misturam. Essa animosidade, melhor, incompatibilidade estrategicamente posta de lado durante a guerra, subliminarmente vinha à tona em determinadas ocasiões. Lembro duas que não deixam dúvidas. Ambas contaram como personagem emblemático o general americano Jorge Paton. Consta que ao alcançar a margem esquerda do Reno na ponte de Remaghen, recebeu ordem superior de não atravessar o rio porque os russos já ocupavam margem direita. Paton teria reagido à ordem com a observação: “já que chegamos até aqui com todo nosso poderio militar em homens, blindados e artilharia, porque estamos perdendo tempo e não avançamos para fazer recuar o verdadeiro inimigo que são as tropas russas?”. O mesmo ânimo oposto ficou evidente num banquete do alto comando dos aliados para comemorar a vitória. Novamente coube a Paton deixar claro o conceito que tinha dos comandantes russos. O marechal Jukov propôs um brinde à vitória. Paton negou-se com a frase “Não brindo com um f. p.” Jukov respondeu: “És um f. p. também”. Paton respondeu: “Nesses termos aceito brindar”. Não me lembro em que publicação tive conhecimento desse episódio. Mas, gravei na memória a foto que ilustrava a reportagem Paton e Jukov em pé erguendo a taça do brinde.
Não vou me alongar em lembrar o que aconteceu nas décadas que se seguiram. A criação da ONU, o mundo literalmente partido em dois. O ocidente sob a influência e a tutela dos Estados Unidos, Europa Ocidental e no Oriente Remoto e Pacífico: Japão, Coreia, Filipinas, Indonésia, a revolução comunista de Mao Tse Tung na China continental e a implantação da República da China Nacionalista na ilha de Formosa comandada por Chiang Kai-Shek. Simultaneamente celebraram-se os pactos militares do Atlântico Norte (NATO), em contraposição ao Pacto de Varsóvia sob o comando da União Soviética. Não é minha intenção escrever uma história do final da segunda guerra mundial e suas consequências pelo mundo afora. Historiadores muito mais credenciados já se ocuparam com o tema. O objetivo resume-se aqui no desenho de um panorama de fundo, para entender o turbilhão que se abateu, junto com resto do mundo, também sobre o Brasil. Mais, acima já lembrei que o término da guerra marcou também o final da ditadura de Vargas e do Estado Novo com todas as suas aberrações. A redemocratização consolidada pela eleição pelo voto popular do marechal Eurico Gaspar Dutra e a proclamação da Constituição em 20 de setembro de 1946, ditou o rumo político do País até a intervenção militar em 1964. Minha formação acadêmica incluindo os quatro últimos anos do ensino do ginásio, o bacharelado em Línguas e Literaturas clássicas, o bacharelado em Filosofia, o bacharelado em História Natural e Geologia e, finalmente, a licenciatura em Teologia concluída em 1963, aconteceu nesse período. Paralelamente a partir de 1960 comecei a lecionar Antropologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Geologia na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Leopoldo. Não entro em maiores detalhes pois, já foram contemplados mais acima. Nesse período de menos de duas décadas começaram a desenhar-se no horizonte da história os prenúncios do “temporal”, conceito que serviu de título para o capítulo em pauta.
Enumero alguns dos fatores que considero mais relevantes nessa guinada histórica cujas consequências terminaram em moldar em ritmo sempre mais acelerado a civilização do começo do terceiro milênio. E, pelo visto, seu potencial “revolucionário” não dá sinais de arrefecimento a curto e médio prazo. Lembrando a metáfora inspirada em Nietzche que a história da humanidade vem a ser igual à travessia de um abismo equilibrando-se sobre uma corda, pode-se afirmar que no momento histórico em que vivemos, o balançar da corda assumiu uma intensidade preocupante. As raízes desse fenômeno remontam ao ano de 1922 e foram-se consolidando aqui no Brasil, de forma sutil nos 10 ou quinze anos do após guerra, para irromper como um temporal a partir do começo da década de 1960. De tão sutil foi esse fenômeno que os nascidos há 80 ou mais anos falam de 1950 como “a década dos anos de ouro”. Não nos passava pela cabeça que, na verdade, vivíamos numa calmaria que prenunciava uma tempestade na qual se gestava uma nova era histórica. Ainda é cedo para afirmar se melhor ou pior. Embora o fenômeno fosse de proporções planetárias em linhas gerais, nessas minhas recordações pretendo dar ênfase ao reflexo sobre minha trajetória de 60 anos para cá e sobre o entorno histórico cultural em que atuei com docente em duas universidades, sobre a evolução da minha personalidade, sobre a minha visão do mundo e sobre a minha produção como pesquisador e escritor. Vamos aos fatores que considero de maior impacto nesse autêntico terremoto em que a humanidade se debate.