Da Enxada à Cátedra [ 27 ]

Como em muitos outros níveis, também entre o clero secular e regular a Campanha de Nacionalização teve sequelas no mínimo discutíveis. Vou-me limitar ao caso dos jesuítas que me é mais familiar e conhecido. A partir do período que é nosso foco aqui começou-se a falar com sempre maior frequência na “Velha Guarda”. Pergunta-se: quem pertencia à “Velha Guarda”, quais seus protagonistas e qual foi o legado que deixaram para as futuras gerações de jesuítas e para a história da consolidação religiosa e sócio econômica do sul do Brasil como um todo. Não é aqui o lugar para entrar em detalhes pois, esses podem ser encontrados nos meus três livros que publiquei sobre a temática, todos pela Ed. da Universidade do Vale do Rio dos Sinos: “Um sonho e uma Realidade – 0 Projeto Educacional dos Jesuítas; Somando Forças – O Projeto Social dos Jesuítas; Os Jesuítas no sul do Brasil – O Projeto Pastoral. A justiça manda creditar esses três projetos à “Velha guarda”. Em termos históricos os últimos personagens e protagonistas dessa “Velha Guarda” saíram do cenário no decorrer da década de 1950, quando foram substituídos pelos irmãos de Ordem nativos. O período de transição e transferência do bastão de comando da Velha Guarda” para seus herdeiros nascidos no Brasil, não foi de todo tranquila. Como eu fui jesuíta dos 20 aos 41 anos, isto é, entre 1950 e 1971, suponho que tenha credenciais para opinar com conhecimento de causa. Olhando para trás mas, sempre com a precaução de que “as coisas não são como as vemos mas como as recordamos” (Caldera , 2004, p. 14), fica claro que a “Velha Guarda” incarnou o que poderíamos chamar de brigada de assalto na missão de conquista e consolidação das novas fronteiras para o Reino de Deus no sul do Brasil. Seus nomes, suas façanhas e sus obras estão registradas nos livros que citei mais acima. Tive a felicidade de conhecer e conviver entre 1942 e 1946 com o Pe. Johannes Rick, um dos personagens mais emblemáticos dessa brigada da velha guarda. Desgastado pelos 40 anos como pregador de missões populares, catequese aos ferroviários, consolidação da fronteira de colonização do oeste de Santa Catarina, secretário itinerante da Sociedade União Popular, além de especialista de renome internacional na pesquisa de fungos, passou os últimos anos no Colégio Santo Inácio. Por algum tempo ainda ministrou aulas de Ciências Naturais. Os últimos anos dedicou-se inteiramente à coleta e classificação de fungos que seriam enviados para especialistas principalmente nos Estados Unidos. Inúmeras vezes observei aquele homem de perto de 2 metros de altura, um tanto curvado pela idade, saindo do mato do colégio carregando a coleta do dia e recolher-se ao seu quarto no primeiro andar da ala onde moravam os padres professores. Já lembrei em outro lugar mais acima que o Pe. Rick foi meu confessor por um par de anos. Ele próprio definiu em poucas palavras o perfil da sua personalidade: “Se eu tivesse nascido na Renascença não me teria feito jesuíta mas, um Condottieri Italiano”, ou ainda “A minha vida se parece com uma tabuleiro de xadrez, sobre o qual cada lance deve ser atentamente calculado para chegar ao Xeque Mate”. Suas últimas palavras revelam o cerne de sua personalidade: “Nemo Pater nisi Deus” – “Ninguém é Pai senão Deus!E como o Pe. Rick todos da “velha guarda”, cada qual à sua maneira, arregimentados no Tirol do Sul e do Norte, nos cantões da Suíça alemã, na Baviera, na Renânia, no Palatinado, na Vestfália, na Áustria, na Boêmia, na Pomerânia e demais territórios de fala alemã, cumpriram bem ao estilo inaciano a grande missão de fazer do sul do Brasil uma terra economicamente próspera, social, cultural e religiosamente de um nível invejável. Cabe aqui um inciso de natureza pessoal. Ao decidir fazer-me jesuíta meus modelos, meus inspiradores, meus “ídolos”, foram representantes dessas “velha guarda” que me foram familiares desde que me conheci como gente. Na medida em que os últimos sobreviventes saíram de cena e em seu lugar entrou a nova geração de jesuítas que foi tomando um rumo divergente tácito, muitas vezes nem tanto, de questionamento e até de condenação da obra dos pais fundadores, comecei a perder o chão sob os pés e terminei me desligando da ordem depois de 21 anos. Mas, não é aqui o lugar para entrar em detalhes dessa transição penosa e sofrida da minha vida.

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