A programação acadêmica.
O subtítulo pode parecer pomposo demais para introduzir a reflexão sobre a minha formação no nível que hoje corresponde ao fundamental e médio. Na época usavam-se os conceitos “Primário” e “Ginasial”. Começo pelo “Primário”. Acima já lembrei que fui classificado para começar meus estudos no terceiro ano do primário. Concluído esse ano, passei para o quarto ano do primário eno fim prestei o exame “de admissão” para o ginásio. Tive que provar conhecimentos básicos de português: gramática, leitura, conversação, aritmética, cálculo; história e geografia. Passado no exame de admissão fui matriculado no primeiro ano do ginásio para o ano de 1944.
Com o primeiro ano do ginásio começou para valer a formação no nível médio. Não vou me demorar em muitos detalhes sobre o método nem os conteúdos para não me tornar demasiadamente longo. No primeiro ano deparei-me com a grande novidade da iniciação na língua latina, que abriria progressivamente as portas para me apropriar da cultura clássica e, mais tarde, seria a língua de comunicação diária ao entrar na Ordem dos jesuítas além de as aulas de Filosofia e Teologia serem ministradas em latim. Para começar tínhamos todos os dias aulas de latim, começando pelas conjugações e declinações, gramática, leitura, redação, conversação e uma imersão para valer na literatura e o estudo dos principais poetas, escritores, oradores e características da cultura greco-romana. Paralelo em importância ao latim caminhava o estudo da língua portuguesa: gramática, ortografia, redação, literatura portuguesa e brasileira, os principais representantes das duas vertentes. O latim e o português constituíram-se, ao lado da aritmética e matemática, por assim dizer, no tripé que garantia a solidez para toda a formação ginasial prevista no currículo. Por isso ocupavam o maior espaço em número de aulas em todos os cinco anos do ginásio. Paralelo ao português, o latim e a matemática caminhava o aprofundamento na História e Geografia Universal e do Brasil. Aliás, e só por curiosidade, a História e a Geografia foram, até aqui, sempre as minhas disciplinas favoritas às quais somar-se-iam, na terceira série, as Ciências Naturais. A novidade no currículo previsto para o segundo ano foi a língua francesa e a Álgebra na rubrica da matemática. Na terceira série entraram duas novas disciplinas: a Língua Inglesa e as Ciências Naturais e na Matemática a Geometria. Mais abaixo vou detalhar porque as Ciências Naturais ocupariam um espaço privilegiado na minha formação acadêmica posterior a ponto de me bacharelar em História Natural e Geologia pela UFRGS em 1959. Na quarta série além de um aprofundamento de todas as disciplinas já em andamento, a matemática avançou mais um grau com a trigonometria e logaritmos e a novidade foi a língua alemã oferecida para os descendentes dos alemães que falavam o dialeto ou, como eu, foram ainda alfabetizados naquela língua. No quinto e último ano a iniciação à língua grega veio a ser a última disciplina completando o currículo do ginásio. Com a disponibilidade de apenas um ano não foi possível passar muito da familiarização com o alfabeto, noções básicas de gramática e a leitura e compreensão de textos mais simples. Condensado em poucas páginas foi essa a minha formação no nível médio. Na nomenclatura de hoje diríamos: “fundamental e médio”. Acontece que essa formação não terminou resumindo-se ao cumprimento formal do currículo. Paralelamente a ele e nas circunstâncias em que aconteceu, na década de 1940, proporcionou-me um enriquecimento da minha formação integral que ainda hoje não consigo dimensionar em toda a sua amplitude e significado.
Em primeiro lugar não posso deixar de destacar o que para mim significou para o resto da minha vida aquele período de internato entre 1942 e 1949. Ao detalhá-lo mais acima pode dar a impressão que vivíamos num quartel, pior talvez, num presídio. É verdade que os internatos da segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, são hoje vistos pelos educadores encantados por um Paulo Freire, Pyaget, Noam Chomski e outras vacas sagradas de plantão da pedagogia, como fantasmas de uma formação humana que merece todos os adjetivos, menos o de politicamente corretos e alinhados com a cultura errática, despida dos valores mais elementares do humano no homem, empurrados criminosamente goela abaixo às gerações do começo do terceiro milênio. Podem classificar-me de romântico saudosista, de fóssil vivo, de dinossauro da academia ou qualquer outro adjetivo que acharem para me definir. Nada disso me importa. Com mais de nove décadas de vida no lombo, seis décadas de magistério no meu currículo, 4 bacharelados, uma licenciatura, uma livre docência, um doutorado em filosofia, um pós doutorado em Paris, dois títulos de professor titular emérito, um pela UFRGS e outro pela Unisinos, não tenho nenhuma dúvida em creditar em grande parte essa trajetória à disciplina “prussiana”, ao currículo acadêmico e ao método pedagógico da “Ratio Studiorum” dos jesuítas, aplicado no internato do Colégio Santo Inácio em Salvador do Sul. A outra parte cabe à educação que minha família e a escolinha primária do Morro da Manteiga me proporcionaram.
Acontece que o Colégio Santo Inácio oferecia espaço para complementar a formação obrigatória. Bastava interessar-se e a direção da instituição não só autorizava com incentivava iniciativas ao gosto de cada estudante. Foi assim que acumulei e enriqueci minha formação formal com atividades complementares cujo significado não tenho como avaliar. Só sei que naquele caldo de experiências e oportunidades aproveitadas, encontro as raízes das quais se alimentaram em grande parte as etapas posteriores da minha formação e a atividade acadêmica assim como a minha personalidade. A seguir detalho algumas delas.