Da Enxada à Cátedra [ 12 ]

Currículo

Seguindo, dou uma ideia muito resumida do currículo executado na escola comunitária e com isso deixar claro que tipos de conhecimentos e qual o nível de formação que as comunidades do interior colonial esperavam que as novas gerações levassem para a vida. Não me alongo em detalhes pois, esses poderão ser encontrados no livro: “A Escola Comunitária Teuto-Brasileira”, acima lembrada. Vamos ao currículo. Sua composição constava de 5 grandes áreas: Religião – Língua – Aritmética e Cálculo – Realia – Canto. Resumindo agora os conteúdos: O ensino da Religião dividia-se em duas grandes áreas: o Catecismo e a História Sagrada, isto é, o Antigo e novo Testamento. O ensino da língua dividia-se em duas grandes áreas: o ensino da língua alemã e a portuguesa. Como o ensino se dava em língua alemã e o português figurava como disciplina curricular limitava-se a uma iniciação dessa língua já que as crianças do interior colonial de 90 anos passados só falavam e entendiam o alemão. Toda apropriação dos conhecimentos necessários para a vida prática costumavam ser ministrados na língua alemã. Para tanto dava-se uma importância especial ao aprendizado e fluidez da Leitura - Memorização - Gramática e Ortografia - Caligrafia - Composição (redigir cartas, e outros tipos de documentos). O complexo Aritmética e Cálculo compreendia evidentemente as 4 operações básicas - Raiz quadrada – Prova dos noves fora – Regra de três - Equações – Cálculos de juros, de superfícies, pesos e volumes. As crianças decoravam a pequena e grande tabuada. O professor costumava ser recebido em pé antes de começar a aula com recitação da Pequena Tabuada pelos alunos das duas primeiras séries e a Grande Tabuada pelos da terceira e quarta série. O grupo de conteúdos sob o título “Realia”, do latim “Realidades” incluía a Geografia, História, Estudos da Natureza, Elementos de História Natural. E o quinto conteúdo básico ocupava com ensino da “Música com ‘ênfase para o “Canto”.

A Religião.
Em se tratando de uma escola confessional, no caso católica, a Religião ocupava um lugar de destaque no currículo e na sua execução, porque, em primeiro lugar, nela a pessoa encontra a verdadeira felicidade e, em segundo lugar, porque a sociedade humana fundamenta-se, em último análise, na religião. A partir desses pressupostos previam-se para o ensino da religião duas finalidades principais. Em primeiro lugar, iniciar as crianças nos princípios doutrinários e disciplinares da religião, para servirem de orientação para o cumprimento dos deveres humanos e cristãos de forma consciente e convicta. Em segundo lugar, munir as crianças com os conhecimentos religiosos ao ponto de, mais tarde, estarem em condições de acompanhar e entender as instruções religiosas, as pregações e a reta compreensão dos livros de reza e leituras de conteúdo piedoso, além de serem capazes de não se deixar enganar pelos ataques à religião, evidentemente no nível apologético popular, não no nível mais elevado como o filosófico ou teológico.

O ensino religioso ocupava-se com dois temas: A História Sagrada do Antigo e Novo Testamento e o Catecismo. No ensino da Sagrada Escritura ministrava-se em cada ano um conteúdo formando um todo. As narrações do Novo Testamento corriam paralelas ao calendário litúrgico do ano do Advento à Páscoa. Nas duas primeiras séries as crianças familiarizavam-se com o Antigo e o Novo Testamento e na terceira e quarta série esses conteúdos eram aprofundados. Como suporte didático constava a Bíblia além de uma coleção de quadros representando cenas de maior significado. O ensino do Catecismo e da História Sagrada seguia toda uma dinâmica pedagógica de aprofundamento ascendente desde a primeira até a quarta série. Não é aqui o lugar para entrar mais a fundo nesse processo. Quem tiver interesse em mais detalhes recomendo a publicação do livro sobre a Escola Comunitária referido acima.

Ao aprendizado formal da doutrina católica pelo Catecismo e da História Sagrada do Antigo e do Novo Testamento, somava-se o aprendizado e a prática das Orações. No Catecismo e na Sagrada Escritura as orações a serem aprendidas seguiam uma dinâmica de complexidade ascendente da primeira até quarta série. Para a primeira série a programação previa: o sinal da cruz, o Pai Nosso, o Angelus, a oração da manhã, da noite, a oração ao Anjo da Guarda, a bênção da noite, o credo, os dez mandamentos, os sete sacramentos, o Glória ao Pai e a oração pelas almas. Para o segundo ano: os cinco mandamentos da Igreja, os quinze mistérios do Rosário, as quatro verdades últimas, o maior dos mandamentos, os sete pecados capitais, as três virtudes cardeais (fé, esperança e caridade), penitência e bom propósito, oração antes e depois da confissão, oração antes e depois da refeição. Para o terceiro ano constavam as oito bem aventuranças, as obras de caridade propostas pela bíblia e obras de caridade espirituais, a oração Salve Regina, a oração Memorare, a oração Sob Tua Proteção, os bons propósitos, os pecados contra o Espírito Santo. Para o quarto estavam previstos uma oração à Sagrada Família, a São José, oração para a quinta- feira, uma oração e memória da morte Cristo para sexta-feira, uma oração ao Sagrado Coração de Jesus, uma oração lembrando as cinco chagas, uma oração para todas as horas do dia, a prática da comunhão espiritual, expressas numa frase que podiam ser repetidas, a qualquer hora, mesmo trabalhando e, por fim alguns cantos religiosos tirados de algum livro. E, para complementar e consolidar a religiosidade somadas às práticas religiosas contava em primeiro lugar a assistência à missa nos domingos e dias santificados, três confissões por ano e quando adultos pelo menos uma confissão anual no período litúrgico da Páscoa que incluía a Quaresma, a Páscoa propriamente dita, e terminava na celebração da ascensão de Cristo, 50 dias depois da Páscoa. A instrução religiosa sistemática e intensiva resultou na prática em pessoas e comunidades em que os valores assimilados como crianças nos quatro anos obrigatórios da frequência da escolar, serviam de baliza e norte do comportamento individual, familiar e moldavam o perfil das próprias comunidades. Em resumo. Moldou o personagem dos homens, mulheres, jovens e adultos cuja vida, como já lembramos em outros momentos, resumia-se em percorrer dois caminhos: o diário de ida e volta à roça e o semanal de ida e volta à a igreja. Além desses dois caminhos é evidente que havia outros complementares e sem os quais uma autêntica comunidade não estaria completa, como visitas aos vizinhos e parentes, os rapazes solteiros visitando as namoradas e noivas nos domingos, os bailes nas datas importantes das comunidades, (os Kerb no meu caso), as visitas de solidariedade em momentos difíceis, mortes enfermidades e outros mais, aos vizinhos e parentes, etc., etc. Ao escrever essas lembranças com meus 94 anos tenho plena consciência e compreendo que toda essa insistência na formação religiosa na década de 1930, não deixa de causar arrepios espanto em 2024. Num momento em que a laicização da educação, por assim dizer, marca o passo para os conteúdos curriculares e na prática pedagógica, não há mais lugar para insistir no ensino religioso, embora ainda se façam ouvir vozes que reclamam espaço para tanto nas escolas. Aqui não é o lugar para entrar nessa polêmica pois, a minha intenção se resume em mostrar como o ensino religioso foi um dos instrumentos mais poderosos que marcaram o perfil das cinco ou seis primeiras gerações dos descendentes dos imigrantes alemães no sul do Brasil e, a seu modo, também dos descendentes dos italianos, poloneses e outra vertentes étnicas vindas da Europa central e do norte durante o século XIX e começos do século XX.

A Língua alemã

Como já lembrei ao apresentar o esboço do currículo da escola comunitária, a língua alemã continuava como língua de ensino e o ensino do português como obrigatório a partir do terceiro ano. Comecemos pelo ensino da língua alemã. A alfabetização nessa língua iniciava evidentemente com o aprendizado da escrita e da leitura. Na escrita usava-se o sistema “Süterlin”, mais conhecido com escrita gótica. O aprendizado da língua alemã compreendia 5 conteúdos básicos: Leitura – Memorização – Composição – Ortografia - Caligrafia. A dinâmica do ensino da língua obedecia às peculiaridades do nível do ano em que a criança se encontrava. De qualquer maneira, o objetivo final resumia-se em: ler e escrever corretamente - reproduzir corretamente o entendido por palavras e/ou por escrito – familiarização com as regras da língua indispensáveis para uma correta interpretação e redação – A intelecção dos conteúdos tanto pela leitura quanto ouvindo outros falarem. Como se pode perceber o aprendizado visava a perfeita compreensão e o manejo correto da língua escrita e falada.

O caminho a percorrer para chegar a esse nível previa, no que se referia à leituraque as crianças chegassem no final do primeiro ano reconhecendo e distinguindo os conjunto de sons da língua alemã e, ao mesmo tempo fossem capazes de reproduzir e combinar os caracteres escritos e ler os caracteres impressos; que, ainda no final do primeiro ano, estivessem em condições de ler palavras e frases simples da língua alemã, tanto manuscritas quanto impressas. - Para o segundo previa-se o aprendizado dos caracteres latinos impressos. Neste ano, a par da leitura correta dos sons, insistia-se gradativamente na leitura de acordo com o sentido, com o propósito de que no final daquele ano os alunos fossem capazes de ler, observando a pontuação nos vocábulos e nas frases redigidas tanto em caracteres góticos quanto latinos. - No terceiro e no quarto anos os exercícios aconteciam em conjunto. Insistia-se de modo especial na pronúncia correta e na leitura conforme o sentido, com insistência especial na fluência da leitura evitando a “toada escolar”. Ao professor recomendava-se leitura de textos mais longos seguidos de comentários e explicações sobre o conteúdo.

Memorização.

Para a memorização entravam em questão textos versando sobre qualquer tipo de conteúdo: religião, história sagrada, catecismo, orações e outras mais. Havia contudo, uma preferência por poesias próprias para a declamação, textos literários ricos em sentidos e ensinamentos de todos os tipos. Na prática, o procedimento resumia-se em fixar a poesia ou o trecho de leitura escolhido, insistindo na compreensão do que foi fixado na memória. Recorria-se também à técnica de converter poesias em prosa, treinar a entonação das estrofes. No primeiro ano as crianças memorizavam provérbios e pelo fim do ano pequenas poesias. Do segundo ao quarto ano memorizavam-se textos mais amplos e selecionados, apresentados em viva voz de forma espontânea, com entonação correta e agradável e sem afetação. A finalidade da memorização, portanto, resumia-se na reprodução e na apresentação de trechos escolhidos em diversas áreas do currículo. Pela sua natureza não constava um horário ou espaço específico na programação semanal das atividades pois, permeava todas as demais disciplinas e tinha como finalidade principal o correto uso da língua com apropriação de um fraseado de bom nível, versatilidade no manejo da língua e interiorização de conteúdos úteis para a formação de uma mentalidade sadia.

Composição.

A composição visava capacitar os alunos a redigirem de forma coerente, clareza de ideias e de forma correta o que lhes era ensinado nos diversos conteúdos da programação como língua, realidades relativas ao dia a dia, história sagrada, história e geografia. Durante o primeiro ano não se faziam composições propriamente ditas. A escrita e a leitura praticadas combinadas ocupavam a maior parte do tempo. As crianças aprendiam também a conversão da escrita impressa em manuscrita. Ensaiavam-se pequenas composições que serviam de ponte para composições propriamente ditas.

No segundo ano supunha-se que os alunos tivessem superado a fase da mera cópia do livro. Contudo treinava-se ainda a cópia, porém, na conversão da letra latina impressa para a grafia alemã manuscrita. Além disso, davam-se os primeiros passos na composição propriamente dita. Os primeiros exercícios nesse nível consistiam em descrições simples de animais e plantas. Os enfoques contemplavam de preferência abordagens que favoreciam a consolidação da cosmovisão. Dava-se uma importância toda especial ao conteúdo, ao estilo, à pontuação e à ortografia. Para orientar a composição palavras chave eram escritas no quadro negro como, por ex., o cavalo: um animal doméstico, belo, útil, que puxa, carrega, alimenta, não judiar. Num segundo momento as crianças aprendiam como cada palavra tinha um lugar específico na frase. A composição orientava-se por um modelo muito simples, porém, eficiente, como: o cavalo puxa a carroça; o cavalo é um animal doméstico; o cavalo é um belo animal; o cavalo é muito útil; o cavalo carrega o cavaleiro; o cavalo tem que ser bem alimentado; não se deve judiar o cavalo... Vocábulos mais difíceis também eram escritos no quadro, por ex., arado, cavaleiro. Uma vez redigida a composição, apagavam-se as palavras no quadro e repetia-se a escrita de memória. Finalmente a redação de memória era dada como tema de casa, podendo servir para o professor avaliar a proficiência do seu ensino.

No decorrer do terceiro ano, ao lado das descrições, ensaiavam-se narrações breves e fáceis. Usava-se a mesma técnica da primeira e segunda série. Nesse nível já se exigia o uso correto dos dois pontos e as aspas, quando de discurso direto. No quarto ano avançava-se com os temas mais diversos. Treinava-se a redação de cartas, redação de correspondência comercial entre outros. Insistia-se em frases curtas, simples e claras. Os alunos escreviam no caderno todos os meses uma composição sem rasuras, datada e numerada. O asseio e a limpeza faziam parte obrigatória dessas composições. Ao corrigir os temas, o professor apenas assinalava os erros pois, a correção cabia ao próprio aluno.

Ortografia.
A ortografia não era tratada como uma disciplina autônoma. As outras disciplinas forneciam a

base para o aprendizado e a prática de uma ortografia correta. Pela leitura exercitavam-se os ouvidos e olhos. A língua fornecia o suporte teórico, traduzido na prática pela composição. Durante o primeiro ano exercitava-se a redação das palavras de ortografia mais simples e fácil. Durante o segundo ano insistia-se na distinção dos principais adjetivos e verbos, entre consoantes suaves e ásperas. No terceiro e quarto anos treinava-se o emprego da pontuação: ponto, vírgula, dois pontos, sinal de interrogação e exclamação. Para fixar melhor a ortografia recomendava-se reunir vocábulos da mesma fonia. Recomendava-se ainda que a matéria decorada por ex., do catecismo fosse escrita somada a breves ditados.

Caligrafia.

Naquela época dava-se uma importância muito grande à caligrafia pois, a correspondência, e demais documentos eram todos redigidos à mão. Por isso ter “uma boa mão” como se dizia, fazia parte da bagagem das pessoas do nível de formação que se esperava da escola e do professor. A tarefa da caligrafia resumia-se, portanto, em que os alunos se apropriassem de uma escrita vigorosa, fluente e de agradável e fácil leitura. Nos três primeiros anos treinava-se a caligrafia ou com linhas duplas traçadas na lousa ou em cadernos com linhas duplas. As linhas simples começavam a ser usadas apenas no quarto ano. Valia o princípio que quanto menos adiantado o aluno maior a distância entre as linhas. Os principiantes treinavam a caligrafia nas lousas com uma distância grande entre as linhas. Na medida em que avançavam para o segundo e o terceiro ano o espaço entre as linhas diminuía e no quarto ano passava-se para as linhas simples. Paralelamente ao treino da caligrafia dava-se uma grande importância, principalmente nos dois primeiros anos, à uma postura correta do corpo, distância do rosto da lousa ou caderno de cerca de um palmo, forma correta de segurar o estilete, o lápis ou a caneta. No primeiro ano usava-se exclusivamente a lousa e o estilete. No segundo ano passava-se para o uso de cadernos, caneta e tinteiro.

A língua Portuguesa

A língua portuguesa começava a ser ensinada no terceiro ano e ministrada tendo como suporte o livro “Sabe falar Português? O ensino do vernáculo consistia em exercícios de leitura, de escrita, de tradução, de conversação se possível com o objetivo para preparar a base para um futuro aprendizado para valer da língua nacional. O resultado dependia muito das circunstâncias e características das comunidades às quais cada escola servia.

Aritmética e Cálculo.

A aritmética e o cálculo completavam o trio de matérias centrais do currículo da escola comunitária, em pareceria com a religião e a língua. Durante o primeiro ano as crianças familiarizavam-se com as relações básicas entre os números e seu manejo de 1-10, mais a soma e substração nos limites da primeira dezena, contato com os números de 10-100, adição e substração com números pares de 10-100 e o exercício da pequena tabuada. Durante o segundo ano consolidava-se a pequena tabuada e partia-se para o cálculo escrito compreendendo as quatro operações fundamentais e ampliava-se o espetro dos números até milhões, começava-se a iniciação da multiplicação e divisão com multiplicadores e divisores compostos. No terceiro ano avançava-se com o cálculo de números dados, com sistemas métricos, pesos, medidas, sistema monetário com ênfase na sua aplicação prática. E no decorrer do quarto ano aprofundavam-se os cálculos mais complexos, incluindo o cálculo decimal, frações e formas mais simples de cálculo de juros.

Realia -Realidades

Realidades (do latim Realia, isto é, fatos objetivos, coisas reais). Na programação escolar da época compreendiam a história, a geografia e conhecimentos básicos das ciências naturais. A essa disciplina, além de sua utilidade prática no dia a dia cabia o papel de despertar e consolidar nos alunos uma cosmovisão (Anschauungsunterricht) em relação à sua inserção na natureza, na sociedade, na comunidade local, regional, nacional e internacional. Em outras palavras. Pretendia- se despertar nas crianças a consciência da relação dos fatos que as rodeavam, a relação entre elas e o homem, auxilia-las a se apropriarem de ideias claras em relação aos fatos objetivos e levá-las a se expressar e escrever corretamente sobre elas. O objetivo primeiro consistia em alerta sobre a importância das realidades com que conviviam no dia a dia como a escola, o lar, os animais domésticos, o lugar de moradia, o jardim, a roça, a mata, a água, a terra, o ar, o firmamento, o homem e outras mais. Esses conhecimentos terminavam por chamar a atenção para o pertencimento das pessoas a um lugar, uma família, uma comunidade local, uma comunidade regional e uma comunidade nacional, associada aos deveres e compromissos inerentes a cada um desses níveis de pertencimento. A lógica que fazia com que essa conscientização fosse tão importante para os responsáveis pela inclusão desses conteúdos na programação, pode ser resumida nos seguintes termos: uma criança comprometida com seu lar, sua escola, seu chão, sua comunidade, leva tudo para a vida para ser um bom cidadão, quando se trata de cumprir os deveres civis. Para ser um bom cidadão pressupõe-se que a pessoa cultive os valores e cumpra com as obrigações em todos esses níveis. De outra parte a disciplina em pauta ocupava um lugar determinante para deitar raízes existenciais que acompanhariam as crianças para o restante da vida, partissem para onde quer que fosse, numa “Heimat”, numa “Querência, conceito tão familiar e tão caro aos imigrantes alemães e seus descendentes. A introdução nesses conhecimentos começava no terceiro ano e o espaço a ele reservado ocupava meia hora por semana. O aprofundamento e a ampliação desses conhecimentos ficava a cargo das leituras que versavamsobre eles no famoso “Grünes Lesebuch” (Livro Verde de Leitura).

A disciplina “Realia” trabalhava um outro conteúdo de fundamental importância para as crianças das comunidades do interior colonial: a familiarização com o seu entorno natural, seu habitat, o seu significado para a sua subsistência física e, de modo especial, sobre o seu pertencimento ao mundo e a partir dai a moldagem da sua cosmovisão. Em outro momento já me demorei ao insistir no significado para uma pessoa daquele meio colonial do “bem morar” resumido nos “4 Hs”: Haus – Heim - Hof – Heimat (a casa, o lar, o pátio, a querência). Neste momento julgo importante chamar a atenção a mais alguns aspetos importantes para a formação do futuro colono para o qual o currículo da escola comunitária foi projetado e implementado pela Associação dos Professores e o que os pais e a comunidade esperavam que seus filhos aprendessem. No convívio com os pais e irmãos mais velhos lidando no diário com as realidades e a dinâmica da agricultura familiar mais o reforço, vamos dizer mais científico oferecido pela escola e o professor, o egresso estava em condições de movimentar-se com desenvoltura nas mais diversas eventualidades a serem enfrentadas. Entrando na mata virgem identificavam as espécies de árvores de maior porte como também a vegetação secundária. Pela textura da casca, as folhas, o tipo de ramificação, pela copa, enfim, pelo perfil da árvore, qualquer um distinguia um cedro, de uma cangerana, de uma cabriúva, de uma figueira do mato, de um mata-olho, de um angico, de uma guajuíra, dum louro, duma canela imbuía, duma canela pinho e por aí vai. O mesmo acontecia com os animais selvagens com seu habitat e hábitos nas manchas de mata virgem nas encostas dos morros: os bandos de micos saltando de uma copa de árvore para a outra, os bugios mais ariscos anunciando com seus roncos inconfundíveis a aproximação de chuva, os coatis, os cachorros do mato, gambás, etc., etc. Na minha infância já não havia mais vestígios da presença de onças e pumas frequentes nas primeiras décadas da ocupação daquelas encostas. Nesse contexto aprendia-se pela tradição da família e pela insistência na escola, distinguir entre as madeiras próprias para construção e/ou lenha, as ervas úteis, as frutas silvestres comestíveis e outras que deveriam ser evitadas. Não poucos desses hábitos e ensinamentos vinham acompanhados de uma boa dose de imaginação e alguns de flagrante viés mágico. Na mesma linha iam as informações sobre animais e aves. Além dos micos, bugios, coatis e cachorros do mato (raposas), gambás, tatus, pacas, cutias e roedores de pequeno porte, a fauna não oferecia grandes surpresas.

O Canto

Ao canto cabe uma grande importância na vida e história dos povos. Dificilmente algo sensibiliza mais a alma das pessoas do que o canto. Para as crianças e adultos das colônias alemãs o canto fazia parte do dia a dia. Não raro podiam-se ouvir homens, mulheres, rapazes e moças cantando enquanto capinavam ou lavravam a roça ou davam conta das suas tarefas domésticas. Os professores com formação em escola normal aprendiam a tocar violino e harmônio. Ao ensinarem os cantos em sala de aula costumavam valer-se do violino e quando ensaiavam cantos religiosos na capela ou igreja o harmônio tomava o lugar do violino. Recomendava-se que fossem reservadas duas horas por mês para o ensaio de cantos novos, a metade profanos e a metade religiosos. Ao concluir, depois de 4 anos o período escolar, esperava-se que as crianças levassem para a vida 24 cantos profanos e 24 cantos religiosos.

Em resumo. Foi essa a formação que se esperava de qualquer criança de uma comunidade do interior colonial tanto católica quanto protestante. O resultado foi uma população dotada de um nível cultural bem além e acima da alfabetização formal. Mais acima, quando me referi à minha família destaquei que meu pai, minha, mãe e meus irmãos liam e entendiam perfeitamente a leitura de jornais, periódicos e almanaques e mantinham-se a par dos principais acontecimentos até internacionais e emitiam juízos de valor sobre assuntos de natureza, política, social, econômica e religiosa. Relembrando o dado também já citado, na década de 1930 a alfabetização da população saída dessa escola chegava aos 90%, quando no restante do País oscilava em torno dos 10%.

This entry was posted on quarta-feira, 4 de setembro de 2024. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.