Flagro mais uma vez o Pe. Rambo numa caminhada solitária pela floresta das sequoias, dando vida e revestindo de símbolos os gigantes que o rodeiam e na penumbra dos quais dizia que se sentia pequenino e insignificante como um camundongo.
“Sem querer, a gente se vê em absoluto silêncio em meio à assembleia dos gigantes. Que cantos não teriam deixado os poetas e cantores do Velho Testamento, que nos falam com tanta empolgação dos cedros do Líbano e dos ciprestes do Monte Sião, se tivessem tido ocasião de escutar a voz de Deus nessas florestas. Quando Davi e Salomão cantavam seus salmos, quando Isaias anunciava a seu povo o advento do Filho do Homem; quando Ezequiel contemplava o Senhor dos Tempos sentado no seu trono, sobre muitas dessas árvores já pesavam mais de mil anos. Quando no Gólgota foi erguida aquela árvore da qual cantamos: verdadeira árvore da vida da qual pendeu o Senhor em angústia mortal. O canto de luto das árvores do Paraíso, o canto da árvore da mitologia germânica, o canto da vitória da árvore da Redenção, vêm à memória do forasteiro numa caminhada solitária pela floresta” (Rambo, 2015,)
O Pe. Rambo cultivava um autêntico “caso de amor” pelo planalto rio-grandense, especialmente pelos Aparados da Serra. Renato Dalto resumiu magistralmente essa paixão: “Aí o maior símbolo da floresta é a araucária. Vista de baixo para cima, os galhos parecem tocar o céu. Mas é só desviar o olhar em direção à terra para ver que há raízes fortes encravados no chão. Rambo costumava dizer que, nesse lugar, à sombra dessas árvores, era a sua pátria a terra. Talvez visse nos pinheirais a mediação entre o céu e a terra, um caminho próximo para entender Deus”. (Dalto – Tavares. Na Trilha do Pe. Rambo. 2007, p. 12.)
Parece que ficou claro de que na trilha da literatura, especialmente na poética, que o tema floresta aparece como fonte inspiradora rica e muito presente. Conclui-se daí que nela ocultam-se muito mais nuances e desdobram-se dimensões que o utilitarismo puro e simples, a percepção estática da curiosidade à procura de causas e efeitos, leis naturais, correlações e interdependências, estão em condições de perceber. Faz-se necessário aprofundar a reflexão sobre a floresta e, para começar, lembramos Thren von Uexkühl:
Embriagados pelo papel de senhores da natureza esquecemo-nos de que, mesmo que tudo fosse obra das nossas descobertas, da nossa criação, nossa tarefa na natureza não se resumiria na análise, nem em descobrir, nem em criar, mas que nós próprios somos descoberta e criação da natureza, a qual estamos em condição de usar mal, mas que somos tão pouco capazes de criar com as nossas condições físicas e o nosso espírito. (Horsmann, 1955, p. 7)
Wilhelm Mantel em sua obra: Wald und Forst – Wechselbeziehungen zwischen Natur und Wirtschaft, publicado em 1961, relembra o que Hans Carl von Carlowitz escreveu em 1708:
Escritores antigos e recentes dão testemunho que as belas florestas, também as grandes árvores excepcionalmente belas, sempre foram tratadas com grandes honras entre os nossos velhos alemães e seus vizinhos. Por isso não é de se admirar que a quantidade, a elegância e o tamanho de tantas árvores reunidas, além de reinar permanentemente silêncio profundo e sombra escura, fossem tomadas por um sagrado temor, atribuindo a esses lugares algo de divino. (...) Milhões de troncos semeiam-se a si mesmos sem serem ajudados. Plantam-se sem a ajuda do homem. Deus semeia, planta, multiplica e conserva apesar de todos os obstáculos, intempéries e prejuízos. (Mantel, 1961, p. 12)
E para fechar a série de manifestações que, quem sabe ajudam na tentativa de aproximação maior ao âmago complexo e misterioso do significado do conceito de floresta, lembramos Rosegger que afirma: “somente o homem solitário encontra a floresta. Onde muitos a procuram ela foge e deixa apenas árvores para trás”. Ewelk opina: “Pois, a floresta não representa nenhuma alienação da vida. A floresta é vida intensa. E, para concluir o que pensa Riehl: “Também quando já não precisamos da madeira, utilizaremos a floresta e a floresta nos será útil. E se não precisarmos mais a madeira seca par nos aquecer por fora, tanto mais indispensável será a verde, viva e cheia de seiva”. (cf. Mantel, 1961, p. 12-13).
Depois do registro dessas opiniões, observações e interpretações, tentemos uma aproximação maior do conceito de floresta. Dependendo da perspectiva de que se olha e o interesse que move a análise, a compreensão que se tem da floresta e do conceito que se formula, vai de uma visão utilitária e mecanicista, até aproximar-se de uma concepção panteísta do mundo e da natureza. A magnitude do desafio que nos espera, aparece na teorização do problema por Dengels:
A floresta é uma comunidade viva composta por todas as formas e graus imagináveis de interdependências recíprocas, somadas à competição e à ajuda mútua sob todos os aspectos. Comandado pelo princípio do equilíbrio, o qual, sob a influência dos mais variados condicionamentos externos, incorpora constantemente formas mais ou menos definidas, para as quais, após perturbações e oscilações, a biocinose se orienta sempre de novo. (Wolfarth, E. 1953, p. 13)
Este tipo de comunidade de vida é tecnicamente definido como “biocinose”. No contexto em que o conceito foi criado e está sendo empregado, mostra que o significado é limitado. Restringe-se na sua versão inicial, à relação mútua que prospera entre os seres vivos no seio de uma comunidade desse tipo. Oferece, sem dúvida, uma compreensão muito mais abrangente e muito mais completa do que floresta como fábrica de madeira, refúgio de animais, abrigo do homem, como fator de equilíbrio climático e edafológico, ou de preservação de mananciais de água. Uma análise mais atenta deixa claro que algumas questões reclamam um aprofundamento maior. O conceito de “biocinose”, comunidade de vida é, por certo, útil e pode-se dizer até certo ponto fundamental. Oferece como que uma macro visão de ordem, de arquitetura integrada, de funcionalidade interna e complementar entre os inúmeros elementos que integram uma floresta. Contudo, apesar de todas as vantagens vem acompanhado de riscos e armadilhas nada desprezíveis.
Em primeiro lugar silencia ou desconsidera o lugar fundamental que, no caso, cabe, por ex., ao solo, ao ar, à temperatura, à topografia, à região climática, à regularidade e à definição bem demarcada das estações do ano, à composição, estrutura e disposição das rochas. Em segundo lugar atribui um peso demasiado à noção de “comunidade viva”. Além dessas há ainda as restrições à origem do conceito pois, foi emprestado da Sociologia e, por isso mesmo, pede precaução quando aplicado a floresta. Neste nível não poucos fatos e fenômenos acontecem à margem, senão apesar do conceito de “comunidade de vida”. Já em 1943 Fabricius alertou que o conceito é capaz de induzir ao equívoco.
Trata-se de uma definição de floresta que preocupa, porque cada membro dessa comunidade, exceto poucos casos de uma verdadeira vida em comunidade e alguns casos de parasitismo, cada integrante da comunidade está em perfeitas condições de levar vida autônoma e, conforme cada caso, associar-se a outros seres vivos. Acontece que acepção alemã do conceito de que cada membro de uma comunidade faz livremente sacrifícios pelo outro e lhe presta serviços, coisas que, em se tratando da floresta, não passam de um grande equívoco. Se o conceito não tivesse sido apresentado com o nome de “biocinose”, provavelmente não teria significado uma grande descoberta. Conclui-se daí que a floresta significa algo a mais, e como fato objetivo, situa-se além de uma simples comunidade de vida. Não poucos estudiosos tentam valer-se do conceito de “organismo” na tentativa de uma compreensão mais objetiva e mais completa da natureza da floresta. Lemmel fez a seguinte consideração: O que fica evidente na comunidade de vida, é o que aprece como somatória dos indivíduos justapostos. Mas as relações biológicas íntimas e a interdependência funcional, escapam de todo da percepção e são passíveis apenas de especulação. (Wolfarth, 1953, p. 13)