O homem é um animal racional. Essa velha definição que nos foi passada quando arriscávamos as primeiras incursões nos meandros das incógnitas da nossa espécie, continua ainda hoje de grande utilidade para entendê-la. Na gênese, compreensão e evolução do conhecimento o “animal” e o “racional” no homem ocupam importância igual. Pela lógica da evolução, porém, nos estágios mais próximos ao “animal”, componentes não “racionais”, não “científicos”, predominam na natureza aparente do conhecimento. Nem poderia ser outra forma. Em primeiro lugar as realidades das quais procedem os estímulos e fornecem os elementos, a matéria prima para a construção do conhecimento, encontram-se no entorno ambiental em que homem vive. Em segundo lugar, o acesso e a apropriação a esta “matéria prima” acontece via sentidos e no primeiro momento é elaborada pela percepção instintiva peculiar dos receptores. No nível animal a possibilidade de conhecer, esgota-se nesse patamar. Por isso mesmo não se pode falar em conhecimento no verdadeiro sentido da palavra, quando se avalia o comportamento de espécies animais. Em se tratando, porém, do homem, entra a ação da reflexão. A relação interativa do homem com meio não se esgota em respostas instintivas, padronizadas para todos os indivíduos de uma espécie como reações que não ultrapassam o nível dos reflexos condicionados.
No caso do homem entram em ação simultaneamente os estímulos de natureza instintiva e o processamento pela capacidade reflexiva. Na medida em que entra em contato com as oportunidades, os desafios e as incógnitas que encontra, a inteligência reflexa entra em ação. A construção do conhecimento começa. Nesse processo em que o instintivo e o intuitivo se aliam ao racional para gerar o conhecimento, não se pode ignorar que o primeiro contribui com o “qualitativo”, o “substantivo” com que as coisas se apresentam, ou o valor em si das coisas, ou ainda a natureza das coisas. À qualidade de que as coisas vêm revestidas pela própria natureza, soma-se a qualidade que o homem atribui a elas. E é exatamente essa “qualidade atribuída”, que contribui de maneira decisiva na construção do conhecimento. E como as “qualidades atribuídas” diferem de indivíduo para indivíduo, de cultura para cultura, os perfis do conhecimento são tantos quantos os sistemas construídos. Como exemplo universal pode servir a água. Fazem parte das suas qualidades naturais a composição química e os estados físicos que assume em temperaturas diferentes, sua importância na manutenção de todos os tipos de vida, etc., independente da destinação dada pelo homem. Mas exatamente pela importância para a vida do homem, nas mais diversas épocas e situações culturais, este somou às qualidades naturais, “qualidades atribuídas”. A água de uma fonte brotando das entranhas da terra rejuvenesce, garante vida longa; a água benta nos rituais litúrgicos purifica, apaga pecados, cura enfermidades. Todos esses elementos e muitos mais entram na formação do corpo dos conhecimentos que os povos elaboraram nas mais diversas circunstâncias de espaço e tempo. Em termos as mesmas observações são válidas para o fogo, a luz, as estrelas, o sol, os cometas, florestas, montanhas, vulcões, animais e plantas. Tanto o “qualitativo” quanto o “quantitativo” não podem ser ignorados nem menosprezados ou diminuídos na sua importância, quando se pretende acompanhar a gênese do conhecimento e compreender a sua razão de ser, seja profana ou religiosa.
O “qualitativo” atribuído às realidades que compõem o cenário em que o homem vive a sua história representam, entretanto, uma face da mesma moeda que é o conhecimento. Não resta dúvida de que essa perspectiva predomina e é determinada na fase que poderíamos chamar de “infantil” na história do conhecimento. Carente ainda das indispensáveis observações, experimentações, métodos e equipamentos adequados, o homem valeu-se dos recursos com os quais a natureza o dotara: a observação, a comparação, a análise, a seleção, a experimentação, a curiosidade e a imaginação, a capacidade de intuir e atribuir significados, e assim, dar forma e coerência aos corpos do conhecimento, equivocadamente desqualificados como “primitivos”. Na medida, porém, em que o homem mergulhava nos meandros da natureza em sua volta e se dava conta da complexa incógnita que ele próprio era, crescia o desejo de entender o “como” funcionava, e dessa forma, minorar a insegurança perante tantas incógnitas, e ao mesmo tempo, assumir o comando do seu destino. Ora esse passo significou uma reviravolta de proporções difíceis de dimensionar. De dependente do entorno em quase tudo o homem passa a equipar-se com métodos e meios que o habilitaram gradativamente a entender, prever e controlar a situação. A partir daí o componente “quantitativo” assume importância cada vez maior na construção do conhecimento, até chegar ao ponto de o racionalismo científico desqualificar tudo o que não é experimentalmente aferível, como “não conhecimento”, como “não científico”. Os únicos caminhos para se chegar a um conhecimento que merece esse nome, são a Filosofia de um lado e Ciências Naturais do outro. Acontece que a exigência dos filósofos reclamando para si e seus métodos, a condição de únicos capazes de produzir um conhecimento digno desse nome, e do outro lado, os cientistas reivindicando o mesmo para si e seus métodos, deu no que deu. Uma disputa inútil, prejudicial, e em não poucos casos, irracional. A prejudicada maior foi a produção de autêntico conhecimento, acompanhado de um séquito de efeitos maléficos, tanto para as Ciências do Espírito quanto para as Ciências Naturais. Não é aqui o momento para entrarmos mais a fundo no detalhamento da situação criada com esse estado de coisas.
Mas para que as reflexões acima conduzidas a nível abstrato tornem a questão da produção do conhecimento mais palpável, permito-me recorrer a um exemplo que é tão antigo quanto a própria história do homem. A popularidade da Astrologia nunca perdeu o seu interesse. Mesmo todo o progresso da pesquisa científica e os resultados espetaculares no campo da astronomia, física, química, biologia, biogenética, não a ofuscaram. Pelo contrário. Sua cotação vem crescendo principalmente entre as camadas populares e seu prestígio entre as pessoas cultas e muito cultas está em alta. O termômetro são os horóscopos publicados nos veículos de comunicação, direcionados a todos os públicos. A Astrologia constitui-se num dos exemplos mais emblemáticos de com o ponto de partida, a raiz, a base do conhecimento alimenta-se na síntese entre os elementos dados pela natureza, no caso os astros, e as necessidades materiais a serem atendidas, as incógnitas a serem desvendadas e os desafios existenciais a serem vencidos. Tudo entregue à capacidade reflexiva do homem termina por consolidar o corpo dos conhecimentos da Astrologia. Como é fácil concluir, trata-se de um conhecimento que tem como preocupação central o elemento “qualitativo” na avaliação dos astros. A própria origem etimológica do termo sinaliza para esse sentido. “Astron” – astro e “Logos” – palavra, essência, natureza, qualidade.
Como o homem, entretanto, além de dotado de instinto, de tendências naturais, de percepções, intuições, emoções, sonhos e desejos, é portador de uma inteligência reflexa, a síntese do corpo de conhecimentos que vai elaborando, conta com o concurso decisivo desse componente. Mais. A razão e a lógica insistem cada vez mais em obter respostas para o “como”, o “quanto” e o “quando” e assim não deixar lacunas para a compreensão do todo que envolve o universo cósmico. À compreensão do “que” e o “para que”, elementos qualitativos, é preciso somar o “quantitativo” – o “quanto”, o “como” e o “quando”, objeto da Astronomia - termo composto pelas palavras “Astron” – astro e “Nomos” – “número e por extensão, medida, massa”.