[ Reflexões ]

Theodosius Dobzhansky, um dos geneticistas mais importantes e mais influentes do século XX, explicitou, com rara precisão, a interdependência entre instinto e racionalidade, quando da elaboração da cultura. Como a cultura em última análise é fruto do conhecimento, a afirmação que ele faz da gênese e evolução da cultura é, por extensão, válida também para o conhecimento.

O homem e só ele possui a capacidade de pensamento simbólico e ter consciência de si mesmo. O ser humano tem a capacidade de contemplar-se como objeto entre outros objetos. Como consequência é capaz de optar, de relacionar e controlar-se a si mesmo, da mesma forma como está em suas mãos dominar e controlar a natureza. Da mesma maneira como os demais seres vivos, a natureza fornece as impressões sensoriais. Os animais conhecem as circunstâncias que os rodeiam, mas o homem tem a consciência do seu conhecimento.  Todas as espécies de multicelulares morrem, mas o homem é o único animal que sabe que vai morrer. A espécie humana e outras espécies biológicas evoluíram e se encontram em plena evolução, mas só o homem descobriu o fato da evolução. Como consequência somente o homem, se assim o desejar, pode aceitar ou rejeitar a linha da evolução, imposta pelas forças cegas da natureza. Só ele tem condições de entender, controlar e orientar a sua própria evolução. (Dobzhansky, Theodosius, 1969,  pág. 152.)

A tentativa de descrever a gênese da construção do conhecimento desde o seu nascedouro, não pode ignorar os pressupostos formulados por Dobzhansky. Colocado na perspectiva da evolução o homem evoluiu em dois planos: no biológico e no cultural. No biológico o processo evolutivo fundamenta-se nas mesmas bases bioquímicas das demais milhões de espécies de seres vivos. A natureza biológica resume-se no mesmo DNA de uma ameba, de uma planta, de um vertebrado, de um mamífero ou do homem. Sob este aspecto, portanto, o homem comporta-se exatamente da mesma forma   como uma ave, um peixe ou um vegetal. As características condicionadas pelo DNA, são transmitidas de geração em geração. Não podem ser compartilhadas a não ser pelos descendentes diretos.

Mas o que faz a diferença entre o homem e demais espécies vivas é sua capacidade de reflexão e, por isso mesmo, ter consciência de si mesmo e das realidades em sua volta. Isto se chama conhecer, isso se chama desenvolver uma cultura. Acontece que a capacidade de conhecer, de desenvolver cultura, não se herda pelo DNA. Aprende-se e transmite-se via aprendizado individual e coletivo. Foi, novamente Dobzhansky que resumiu com rara propriedade a questão.

O sentido técnico em que o termo “cultura” está sendo empregado aqui, todos os povos modernos e antigos, avançados e primitivos o possuem. A cultura não consiste apenas naquilo que se aprende nos livros e nos bons manuais. Compreende muito mais do que isso.  Consiste na soma total de hábitos, crenças, costumes, linguagens, técnicas, de modo geral tudo aquilo que pensam e fazem as pessoas como resultado de um aprendizado anterior. A cultura é exclusivamente humana. Nas demais espécies zoológicas só se encontram os vestígios mais rudimentares de transmissão cultural, suficientes para convencer os evolucionistas de que nossos antepassados humanos possuíam elementos a partir dos quais evoluiu a capacidade cultural no decorrer da história. A linguagem humana constitui-se numa característica especialmente distintiva da cultura. Por meio dela a cultura é transmitida de geração em geração. As assim chamadas “linguagens animais”, os gritos, os cantos ou ruídos por meio dos quais uma ave ou um mamífero se comunica com seus semelhantes são, na realidade, fenômenos muito distintos da linguagem humana. As palavras que a compõem são símbolos convencionais que representam objetos, ações e relações. A linguagem humana é muito mais eficiente como meio de comunicação pois, revela a capacidade de pensamento simbólico e abstração, dos quais se percebem apenas rudimentos entre os animais. (Dobzhansky. Op. Cit. p. 153)

Na passagem que acabamos de citar Dobzhansky condensou com perfeição os elementos desencadeadores do conhecimento. Mesmo que não faça uso do termo “conhecimento”, todos os elementos que o envolvem, encontram-se no conceito de “cultura”. Afinal, tanto um quanto o outro, lidam com o mesmo objeto formal, isto é, a construção da história do homem através dos tempos. Tomadas essas precauções, estamos em condições de acompanhar a evolução do conhecimento. E, para não ficar patinando em reflexões teóricas e abstratas, tentemos acompanhar a trajetória da construção do pensamento em algumas áreas que se tornaram os pilares mestres de culturas e civilizações. Pretendemos emprestar atenção especial à evolução do conhecimento em algumas delas. 

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