Observando com um pouco mais de atenção constata-se que a construção do conhecimento a partir do método analítico-indutivo avança maravilhosamente bem até um determinado ponto. O mesmo observa-se com o recurso ao método sintético-dedutivo. Comparado à construção do conhecimento um arco ele começa sendo erguido, de um lado, sobre os resultados obtidos pelo método analítico e, do outro, pelo método sintético. Acontece que, ao aproximarem-se para fechar o arco ou a cúpula, nem um, nem outro, está em condições de oferecer a peça necessária para fazer o papel de pedra de fecho. Resultado. Dois mundos de conhecimentos de origem e natureza paralelos, mas complementares não conseguem amalgamar-se, melhor talvez, consumar a síntese sem a qual o conhecimento não se consolida a um nível qualitativamente superior. A pedra de fechamento do arco ou da cúpula, sem a qual nem o arco, nem a cúpula são possíveis e a sustentam, assim a pedra de fecho do conhecimento superior, chama-se “intuição”. A pedra de fecho em forma de cunha de duas faces num arco ou de quatro ou mais numa cúpula, representa o esforço solidário de dar um sentido superior comum aos dados obtidos por vias diferentes na construção do conhecimento. É a peça-síntese que permite um resultado de outro nível do que é um arco ou uma cúpula quando isolados. E esse nível que transcende o significado dos arcos convergentes em busca de um arco ou de uma cúpula, sugere uma reflexão complementar. O significado de um arco e ou cúpula não se esgota na sua concepção arquitetônica e na perfeição dos cálculos de engenharia, na qualidade do material empregado e na maestria do contramestre e na habilidade dos pedreiros. Sua realização foi invariavelmente motivada por alguma razão superior. Um arco de triunfo perpetua a memória de feitos heroicos na história de um povo. O arco de um portal de entrada de uma catedral, pelo seu acabamento e sua grandeza, alerta para os que por ele passam, que estão entrando num recinto de significado religioso importante ou de acesso a lugares onde se decidem os negócios púbicos ou se guarda a memória de um povo. O mesmo pode-se afirmar de uma cúpula. Assinala os lugares da realização de cultos nas igrejas e catedrais. Encimam os locais onde os poderes do estado governam os cidadãos, administram os recursos públicos, elaboram as leis que disciplinam a vida dos cidadãos e se julgam e emitem os veredictos em questões relativas à justiça.
A lógica que nos vem orientando até aqui leva à conclusão de que os conhecimentos formais, as realizações concretas e os materiais que deles resultam, somente então têm valor como conhecimento quando dotados de significados. Acontece que os significados são resultados da elaboração e consolidação do conhecimento popular, que por sua vez é essencialmente intuitivo e concretiza-se num contexto histórico-cultural determinado, temperado pela forma peculiar com que cada indivíduo o expressa. É por meio da intuição que os fatos e realidades adquirem sentido e qualidade. Ao fazer ciência o verdadeiro pesquisador não se limita em identificar a natureza física, química, as leis que regem os processos naturais, a interdependência entre eles, a sequência em que acontecem e o proveito teórico e prático que oferecem. Move-o o desejo de avançar até deparar-se com a identificação daquele “misterioso motor” que de fato explica de forma convincente e definitiva a existência, o funcionamento e a razão de ser da natureza e o seu personagem maior, o homem. As hipóteses, as teorias e os modelos matmetmáticos que servem de orientação à pesquisa científica tem muito mais motivação de natureza intuitiva do que muitos se dispõem a admitir. Tomemos como exemplo o fenômeno conhecido como “genialidade”. O que faz com que um “gênio” se distingua de um cientista ou filósofo comum? O gênio, salvo melhor caracterização, pode ser definido como uma pessoa que, observando atentamente o que acontece em sua volta e pelo mundo afora, percebe, intui, o que se esconde de revolucionário, de potencial inovador, de explosivo numa determinada conjuntura, realidade ou descoberta. Poderíamos dizer que a intuição o leva a “farejar” o que o “olfato” do comum dos mortais não percebe. No momento em que me dedico a esta reflexão a grande mídia reservou um espaço privilegiado à confirmação da existência do “Bóson de Higgs”. Há quase cinquenta anos o físico inglês Peter Higgs, seguindo as pegadas do astrofísico belga Georges Lemaitre, que deu origem à teoria do Big Bang, propôs a teoria da existência do “bóson” como responsável pela mecânica que deflagrou o começo do universo. É claro que há uma diferença significativa entre o grau de intuição de um pastor do neolítico que interpretava a passagem de um cometa como prenúncio de catástrofes e Peter Higgs de posse dos dados empíricos da física moderna. Mas no essencial o pastor de ovelhas de dez mil anos passados e o físico de metade do século vinte coincidem. Observando o mundo que os rodeia, o primeiro o firmamento estrelado numa noite de vigília e o segundo tendo em mãos as informações oferecidas pelos laboratórios, intuem, “farejam” algo que se encontra para além do que vêm e observam. No fundo, no fundo, não faz diferença se a intuição do primeiro foi equivocada e a do segundo, pelo menos, confirmada na sua essência. O que é importante é que em ambos os casos e em inúmeros outros, senão em todos, está presente como fator desencadeador do conhecimento, a percepção intuitiva como “motor subliminar” que deu partida para posteriores comprovações. Peter Higgs não participou da comprovação experimental da sua teoria de cinco décadas passadas, mas passou a ser, ainda em vida, um exemplo paradigmático de como funciona a gênese e a construção do conhecimento.
O raciocínio que estamos desenvolvendo leva à conclusão de que tanto os dados obtidos a partir de bases analítico-indutivas quanto sintético-dedutivas, não tem condições de amalgamar-se na forma de uma síntese superior de conhecimento. Nenhum dos dois oferece em seu arsenal teórico-metodológico o potencial de moldar a peça de fechamento da cúpula ou do arco sem a qual, aliás, não se pode falar nem em arco nem em cúpula.
O Pe. Balduino Rambo diante da dificuldade de harmonizar, de amalgamar o progresso das Ciências Naturais com o sistema Aristotélico-Tomista, pergunta se não seria oportuno abandonar as vias convencionais da produção do conhecimento, ou pelo menos chamar em socorro o velho Platonismo com sua linha de pensamento e aproveitar das Escolas convencionais somente aquilo que se enquadra nas leis perenes do Pensamento Humano, porque,
Entre a Ciência e a Fé (entre as Ciências Naturais, a Filosofia, a Teologia, as Ciências Humanas, as Letras e Artes. (inciso do autor), estende-se o vasto campo da intuição, que não é outra coisa senão um conhecimento condensado. Não se trata ali tanto do significado e da expressão imediata da palavra, como do som subliminar que emite e da ressonância que desperta. A essa melodia concomitante da linguagem humana até hoje se prestou muito pouca atenção. Bem considerada ela não é um som secundário, e sim a nota dominante no concerto musical do espírito dinâmico do homem. (Rambo, Balduino. 1994.)