[ Reflexões ]

Conhecimento por Intuição e Criatividade

Até aqui vínhamos fazendo considerações sobre os métodos sintético-dedutivo e analítico-indutivo, tão populares quando se fala em construção do conhecimento. Constatamos também que esses dois métodos, melhor quem sabe, duas vias que levam ao conhecimento, desde a Renascença, gozam da flagrante preferência dos cientistas de um lado e dos filósofos do outro. O sintético-dedutivo é uma herança que vem consolidada desde a Idade Média. Impôs-se como o instrumento metodológico mais conhecido e popular quando o assunto era produzir conhecimento. Relegou para um lugar secundário o Platonismo e seus adeptos. Depois que Tomás de Aquino e demais pensadores e intelectuais da sua linha, digamos assim, tiraram o pó da obra do Estagirita e a “cristianizaram”, ele veio a ser a estrada real sobre a qual se movimentava o conhecimento, até o advento das Ciências Naturais. Platão e o Platonismo movimentavam-se à margem do caudal principal. A concepção sintética-dedutiva-lógica de Aristóteles, ditava a moda para organizar o universo do conhecimento. Sem dúvida esse caminho percorrido com o auxílio de um aparato teórico-metodológico que deixava a sensação de muita segurança, levava uma evidente vantagem sobre o Platonismo. Neste o componente “intuição”, garantia de um lado liberdade muito maior do que a fria lógica aristotélica. Do outro, entretanto, suas demonstrações e conclusões, ressentiam-se da certeza, por assim dizer matemática, “do preto sobre o branco”, da racionalidade da lógica.  

A hegemonia do conhecimento produzido a partir da abordagem sintético-dedutiva começou a ser disputada na medida em que as Ciências Naturais se consolidavam, como fonte de conhecimento. Até então o que se sabia sobre a natureza em todos os sentidos, fora obtido pela via sintético-dedutiva. O mundo natural, a geografia, a botânica, a zoologia, eram vistas e pensadas como objetos da Filosofia e ou da Teologia. Não demorou, porém, o crescente interesse pelas realidades, fatos e fenômenos naturais. Constatou-se que se tratava de um conhecimento de natureza essencialmente diferente do universo da especulação filosófica, o que levou à busca de um caminho próprio para o estudo da natureza. Dito de outra forma. Buscou-se o método adequado, pois, as explicações à base de categorias especulativas, vistas a partir de uma perspectiva sintético-dedutiva, já não satisfaziam. As evidências reveladas pela observação empírica imediata, deixava evidente as limitações do método tradicional. 

Não demorou para impor-se a convicção de que no campo das Ciências Naturais, era forçoso inverter a direção na qual deveria ser conduzida a investigação. Em vez de começar partindo do todo para explicar as partes, da síntese, via dedução, deveria começar-se explicando as partes para, pela via analítico-indutiva chegar ao todo. Estavam assim definidas as bases teórico-metodológicas que polarizaram no último meio milênio a construção do conhecimento no campo das Ciências do Espírito, das Ciências Naturais e das Ciências Humanas. A Francis Bacon cabe o mérito da formulação teórica das bases da produção do conhecimento em Método Sintético-Dedutivo e Analítico- Indutivo.

Mas por mais abrangentes, compreensivos e conclusivos que fossem esses métodos, eles deixaram à margem a “intuição” como via legítima de chegar ao conhecimento. Essa via e o conhecimento que dela resulta, são vistos com desconfiança tanto pelo racionalismo filosófico quanto pelo racionalismo científico. Costuma-se afirmar que a esse tipo de conhecimento falta a legitimidade dos dados empíricos das Ciências Naturais assim como da lógica racional   retilínea e sem brechas para a contestação. Nas últimas décadas a via intuitiva para a construção do conhecimento, vem conquistando adeptos e espaço. O curioso é que a iniciativa não parte nem do lado da Filosofia, nem tão pouco das Ciências Naturais. Essa preciosa e oportuna redescoberta da intuição como método de produzir conhecimento vem da sua utilidade pedagógica no processo da aprendizagem. O Pe. Alfonso Borrero chama a atenção para essa singularidade.

Especialíssima importância se dá na Pedagogia moderna ao exercício da criatividade, que não supõe a indução e a dedução lógicas a partir de elementos conhecidos, mas que tem como base principal a intuição, um salto da mente humana ao encontro de algo, partindo de elementos prévios e, por assim dizer, cria algo novo, que mais adiante é passível de aprimoramento posterior e procedimentos racionais, utilizando o raciocínio metodológico da indução e da dedução.
Por isso, no exercício da criatividade que se vale da intuição da mente, não se  deixam de todo de lado, os métodos que conferem rigor ao pensamento racional. Adestram-se, isso sim, estratagemas novos, úteis para movimentar-se  nas fronteiras do saber adquirido, passando pelas percepções intuitivas à construção do conhecimento. (ASCUN. 1992, nº 20, p. 15-16)

À legitimação da intuição acresce a percepção do homem comum dos fatos e fenômenos que o cercam e enriquece sobremodo o conhecimento. De modo especial ganha em qualidade. O conhecimento intuitivo credencia-se assim como conhecimento legítimo, no mesmo nível do analítico-indutivo e do sintético-dedutivo. Goza da mesma legitimidade tanto dos conhecimentos chamados pré-científicos, quanto os populares próprios das pessoas comuns. Justifica-se reservar um espaço conveniente para uma reflexão mais demorada, devido à importância de cada um deles em particular. Mais ainda se contamos com a possibilidade de riscos a que nos expomos. Acontece, porém, que o fracasso nessas circunstâncias, pode até ser bem-vindo, pois aplicando correções e caminhos alternativos, chega-se a resultados positivos.

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