O Método analítico-indutivo.
Se para a Filosofia e a Teologia a dedução partindo do todo, constitui-se no método mais apropriado, as Ciências Naturais pedem, pela própria natureza do seu objeto, o método analítico-indutivo como via de aproximação. Teilhard de Chardin chamou-o de “esse maravilhoso instrumento ao qual devemos todo o progresso de que desfrutamos”. Como aconteceu com o método sintético-dedutivo, o analítico-indutivo, fundamenta-se em última análise numa compreensão peculiar do universo, da natureza e do homem. O fato de alguém tentar entender e explicar as partes, a partir da unidade da qual fazem parte, ou de alguém procurar uma lógica e uma convergência partindo das partes, analisando-as, dissecando-as e decompondo-as, faz uma grande diferença.
Na medida em que as Ciências Naturais foram ocupando o seu espaço e consolidando seus campos do saber específico, fizeram com que o método analítico-indutivo, ocupasse cada vez mais espaço. Esse movimento começou a tomar corpo no final da Idade Média. Acelerou o ritmo e foi-se impondo durante a Renascença. Até então os fenômenos da natureza eram entendidos sob a ótica de princípios filosóficos e teológicos, via dedução. Não é que se desprezasse a observação empírica. Pelo contrário. A natureza foi sempre, como não podia deixar de ser, para o filósofo antigo, um cenário de observações múltiplas. Oferecia dados e experiências concretas, inspirando nelas uma boa fatia de suas especulações filosóficas. Trilharam, porém, o tradicional caminho indicado pelo método dedutivo. O que os preocupava era o essencial que conferia sentido e razão de ser para as realidades naturais. As leis empíricas responsáveis pela mecânica natural, situavam-se fora do horizonte das preocupações dos filósofos.
Mas já nos séculos finais da Idade Média sábios como Roberto Grosseteste (1175-1253), Alberto Magno (1206-1258), Nicolau de Oresme (nascido em 1306), mestres de Oxford, Paris, Colônia, Freiburg e outros, foram precursores do método analítico-indutivo. Mas é com a Renascença que acontece a sua entrada triunfal. A partir daí definiram-se os dois caminhos, os dois métodos que continuam polarizando os esforços para entrar na compreensão da essência da Natureza, objeto ontológico comum. Referindo-se a essa situação, isto é, o objeto ontológico, ele é susceptível a aproximação tanto pela dedução quanto pela indução, o Pe. Borrero observou.
Quem sabe a mútua compreensão dessa realidade tenha o poder de superar o confronto que se verifica hoje entre filósofos e cientistas, que deixa perplexo o político encarregado de decidir políticas científicas. Essa superação tem condições de tornar-se realidade a curto prazo com adoção do objetivo epistemológico da interdisciplinaridade. (cf. ASCUN, 1992, 20, p. 22)
Deixemos para mais tarde uma análise mais aprofundada do recurso à interdisciplinaridade como caminho para superar o impasse entre a Filosofia e a Ciência. Aproveitamos o momento par intercalar algumas considerações sobre a História da Ciência. Pelo que vínhamos falando poder-se-ia tirar a conclusão equivocada de que as Ciências Naturais entraram na História a partir do final da Idade Média. Entretanto, creio que se pode afirmar sem medo de errar, que a História da Ciência tem a duração da própria História do homem. A partir do momento, em que em alguma savana da África, ou em qualquer outro ponto do mundo, apareceram as primeiras criaturas dotadas de “inteligência reflexa”, de “racionalidade”, entrou em cena a “Noosfera” na terminologia de Teilahrd, um nível, uma esfera de vida, de todo inédita. Sem romper com o passado existencialmente enraizado na “Litosfera”, na “Biosfera” e na “Atmosfera”, o homem inauguraria um caminho novo de convivência e relacionamento com o mundo que o cercava. Sem romper e sem superar os condicionamentos que como animal o prendiam ao entorno geográfico, vem munido com as ferramentas capazes de fazer dele um ser superior a todos os demais. Pela inteligência reflexa, pela consciência do seu pertencimento ao mundo natural, o levaria à condição de formular perguntas e buscar respostas a fim de compreender-se a si mesmo e o mundo em que vive. Valendo-se da capacidade de observar, formular perguntas, buscar respostas, encontrar soluções alternativas, refletir sobre sentidos e significados, o homem há dezenas, centenas, quem sabe milhões de anos, foi acumulando conhecimentos de todo nível e natureza. De um lado observando, experimentando, selecionando, foi entendendo os fatos e realidades, descobrindo relações e correlações, identificando e compreendendo as leis que regem a natureza. De outro lado procurou entender e explicar os “porquês” e formular respostas para as incógnitas, os mistérios da natureza e da sua própria existência.
Rigorosamente falando, os primeiros coletores de frutos e sementes, os primeiros caçadores e pescadores, valeram-se dos mesmos meios e métodos do homem de hoje, ao lidar com os desafios do quotidiano. Observando, comparando, selecionando, testando, descartando, concluindo, aprenderam a compreender e organizar o mundo. Tanto a nível material, quanto psicológico, imaginário, religioso foi organizando os dados acumulados e com eles, dando forma a um corpo de conhecimentos. Situando a Filosofia e a Ciência nessa perspectiva histórica global estão presentes verdadeiras práticas científicas e filosóficas desde que o homem se fez homem. Mais ainda. As práticas e os métodos não se distinguem essencialmente dos formulados por Francis Bacon (1561-1626) e que hoje fundamentam a produção do conhecimento. Observando a natureza os homens de então valiam-se da “análise” como ferramenta para a identificação e compreensão dos fatos e fenômenos. Num segundo momento recorreram à indução com o propósito de dar significados ao que observavam. Gradativamente os conhecimentos hauridos das mais diversas fontes consolidaram-se num corpo coerente e legítimo de conhecimento.
Situando a Filosofia e a Ciência nessa perspectiva histórica, verdadeiras práticas filosóficas e científicas estiveram sempre presentes. A cosmovisão ou as cosmovisões que daí resultaram terminaram por consolidar o imaginário no qual o componente mágico-religioso ocupou um lugar privilegiado. Sobre essa base, pois, estava preparado o terreno para prosperarem filosofias e religiões. A partir delas e num passo adiante, o homem consolidou um universo conceitual de sínteses e invertendo a perspectiva, começou a interpretar a realidade que o cercava. Foi tomando forma a segunda via de aproximação teórico-metodológica. Francis Bacon a definiria com via “sintético-dedutiva”. Ambora não chegassem até os nossos dias provas materiais para afirmar essa lógica dos acontecimentos, não deixa de ser legítima. Legítimo então é concluir também que os seres humanos daqueles tempos remotos já praticavam ciência no sentido rigoroso do termo e, consequentemente, produziam conhecimento digno desse nome. Também aqui vale a sentença: “Nihil novi sub luna” – “nada de novo abaixo da lua”.
Diversificaram-se as observações, aperfeiçoaram-se os métodos e técnicas, sofisticaram-se e apuraram-se os instrumentos de investigação e respectivas tecnologias e assim ampliaram-se e aprofundaram-se os conhecimentos. A razão de ser desse estado de coisas, a explicação última, a condição “sine qua non”, deve ser buscada na inteligência racional que acompanha a humanidade desde a sua mais remota origem. As Ciências foram cultivadas desde há muitos séculos e milênios. As investigações científicas e a construção do conhecimento veem desde a antiguidade mais remota. Bacon ao formular sistematicamente os métodos básicos, o analítico-indutivo e sintético-dedutivo, deu um significativo impulso ao que já vinha sendo feito nesse campo. Galilleo contribuiu decididamente para o “boom” científico nos últimos séculos com seu “Arrazoado Experimental”, em outras palavras, a análise do fenômeno a partir da decomposição em seus elementos quantificáveis e passíveis de expressões algébricas funcionais. O que presenciamos hoje em termos de avanços tanto quantitativos quanto qualitativos nas ciências empíricas, foi possível aos pesquisadores valendo-se dos princípios e bases teórico-metodológicas, formuladas por Bacon e Galileo. O fascínio pelos resultados é tamanho que se tornou convicção corrente de que o único conhecimento válido é o científico. O Positivismo de Conte levou ao exagero a via experimental e “positiva” e o Neo-Positivismo com seu “método-empírico-lógico”, prega que, o que não for redutível a esses parâmetros, simplesmente não faz sentido.
Encontramo-nos, portanto, frente a um cenário no qual, de um lado, as conquistas e avanços são indiscutíveis. Do outro, entretanto, corre-se o risco de ignorar e ou desqualificar na construção do conhecimento o valor e a importância da contribuição da Filosofia e das Ciências do Espírito em geral. A questão assume proporções ainda mais polêmicas, quando se procura a possibilidade de incluir no corpo dos conhecimentos aceitos como legítimos, aqueles acumulados no decorrer da história. As dificuldades são respeitáveis. De saída não se escapa do poder do preconceito de muitos cientistas, de que só é conhecimento digno desse nome, aquele que tem como base provas empíricas, ou “positivas”. Mas deixemos para mais adiante a discussão, relativa à legitimidade “científica” dos conhecimentos elaborados desde a pré-história remota.
O que interessa nesse momento resume-se em um cenário teórico-metodológico favorável para a troca sem preconceitos de informações entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Trata-se do passo inicial para começar um diálogo honesto do que cada um dos campos tem a oferecer para o enriquecimento do conhecimento em si. Espera-se que desse diálogo nasça o reconhecimento mútuo da validade e importância daquilo que cada qual tem a oferecer. E por fim é lícito esperar que as Ciências tanto Naturais quanto as Humanas e do Espírito, aliem-se e comprometam-se, num esforço sincero em busca de uma síntese elaborada a partir de muitos saberes; para que as “muitas doutrinas”, inclusive à primeira vista conflitantes, se harmonizem em busca de um ponto de encontro comum. Em outras palavras. Que a partir da “multiplicidade das doutrinas”, se encontre a “verdade que é uma só” – “Doctrina multiplex – Veritas una”.
Uma vez acertado o diálogo é fundamental decidir pelo caminho a percorrer e as ferramentas a serem utilizadas. Em outras palavras. Como e a que nível deverá acontecer esse diálogo para autorizar a perspectiva de um resultado que satisfaça a ambos os lados.
O ponto de partida parece consistir em que os interlocutores falem a mesma língua ou pelo menos línguas que ambos entendam. Isso significa que os conceitos emitidos de parte a parte, expressem sentidos que sejam corretamente inteligíveis por ambos os lados. Isso implica no fato de que o filósofo ou o teólogo tenham um mínimo de familiaridade e compreensão com os conceitos emitidos por um geneticista, um biólogo, um astrônomo, um físico ou um geólogo. De outra parte algum especialista em qualquer ramo das Ciências Naturais, precisa estar consciente que sentido o filósofo atribui, por ex., ao conceito “princípio de causalidade”, “causalidade primeira, causalidade secundária”, “lógica dos processos”, etc. conceitos e significados que não fazem parte do mundo conceitual do cientista. Com isso não se pretende insinuar que o astrônomo ou geneticista, tenha que ser filósofo ou teólogo no sentido corrente do termo. Significa, isso sim, que ambos, filósofos e cientistas, filosofem e pesquisem com um mínimo de sensibilidade, compreensão e respeito mútuo. Como já tentamos mostrar mais acima, este é um dos maiores, senão o maior dos obstáculos que precisa ser superado para consolidar o diálogo entre os dois arraiais.