[ Reflexões ]

A riqueza, a consistência e a abrangência do Conhecimento, é, diretamente proporcional à quantidade, à diversidade, e principalmente, à qualidade dos estímulos que influíram na sua construção. O conhecimento construído por um físico que não dispõe de outras ferramentas conceituais, teóricas e metodológicas além das específicas do seu objeto de pesquisa, necessariamente será limitado e unilateral. A mesma afirmação vale para o historiador que ignora os dados das áreas complementares como, por ex., a geografia, o filósofo e o teólogo que desconsideram as conquistas das Ciências Naturais. Um grande número de especialistas, tanto no âmbito das Ciências Humanas quanto das Ciências Naturais, isolaram-se entre as quatro paredes dos seus laboratórios ou enclausuraram-se nos seus gabinetes herméticos e estagnaram a um nível deplorável de indigência na sua visão do mundo. Correm o risco real e iminente, cada qual à sua maneira, de engrossar as fileiras dos fundamentalistas e dogmáticos. São os donos da verdade que atormentam com suas posições inegociáveis os participantes de congressos, simpósios e seminários de estudo. Emitem juízos de valor sobre questões da competência de outros campos do conhecimento. Pior. Fecham as portas para um diálogo sem preconceitos, desarmado e humilde. Num clima desses não há condições mínimas para o “Conhecimento” em maiúsculo e, consequentemente, não há lugar para “Sábios” – “Weise”. O máximo que pode acontecer é o surgimento de “conhecedores” – “Kenner”, talvez de tamanho enciclopédico, que impressionam os menos avisados, mas não convencem as pessoas munidas de uma relativa capacidade crítica. 

Na Inglaterra as instituições de ensino fundamental, médio e superior, tiveram o mesmo cuidado com a formação. Empenhavam-se e municiar os alunos com um lastro de conhecimentos capazes de lhes franquear as portas para uma compreensão global do universo, da natureza e, principalmente, moldar um cidadão culto e cultivador dos valores humanos, sociais e cívicos. Como já foi destacado mais acima, neste tirocínio o elemento “pedagógico”, o elemento “educação”, fazia a diferença entre a escola inglesa e os ginásios alemães. A combinação feliz da preocupação pelo conhecimento como conhecimento das instituições alemãs e o compromisso com a formação do cidadão das escolas inglesas, resultou na marca registrada da formação no ensino fundamental, médio e superior norte americano. 

A consolidação do padrão de educação inglesa aconteceu principalmente com a reforma comandada por Newman nas universidades de Oxford e Cambridge. O modelo veio chamar-se “Oxbridge”. O conceito sugere a combinação da proposta mais humanística de Oxford com a mais voltada para Ciências Naturais de Cambridge. O perfil do cidadão modelado nesse figurino vem a ser um “gentelman”. Em princípio não tem muito a ver com o imaginário corrente, quando se caracteriza o inglês, diferenciando-o do alemão, do francês ou do italiano. O modelo “Oxbridge” forma o cidadão do qual se espera que seja, segundo o ideal romano, “vir bonus, peritus dicendi”, o que vem a significar um cidadão “bom, virtuoso, correto, educado, dotado de  conhecimentos sólidos e princípios éticos inegociáveis                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            “Essas virtudes aliadas ao “peritus dicendi”, isto é, dono de um saber sólido e abrangente aliado ao dom de se comunicar com maestria, resultam no autêntico “gentelman”. 

É um fato histórico que os fundadores e/ou refundadores das universidades americanas, foram inspirar-se em grande número na universidade alemã. Acontece que a universidade americana da primeira metade do século XIX tinha sido o resultado paradoxal do valor maior daquela nação: a liberdade. A criação e a condução das universidades entregue à iniciativa, à formação e à criatividade de quem estivesse disposto a bancar um projeto nessa área, terminou em anarquia. Ninguém se entendia. Falar em sistema universitário americano na época, não passava da enumeração de instituições, cada qual com sua proposta, não aro conflitante com as demais. O que menos interessava era a produção do conhecimento e a prática da pesquisa científica e a reflexão séria sobre os temas mais diversos. O estado puro resultante dessa situação, foi caracterizado em 1829, pelo estudante americano em Göttingen, Henry Wadsworth Longfellow. Conforme sua avaliação a universidade em seu país limitava-se a três grandes edifícios de tijolo, uma capela e um reitor rezando nela. O mesmo estudante contrapôs a esse cenário desanimador, o que acontecia em Göttingen. Os professores unidos no mesmo espírito, atraíam os estudantes capazes de os ensinar no regime de Seminário. Nele o professor estava em condições de aprender o que não sabia. Um outro estudante deslumbrado com a universidade que encontrou na Alemanha, descreveu os professores como “indescritíveis instrumentos aptos para todos os tipos de utilidades, dispostos a ensinar topografia e oratória latina”. O posterior fundador da universidade de Cornell estudou em Berlim e lá encontrou o ideal do seu sonho de universidade, não poupando louvores aos seus mestres. Ele mesmo confessou que foi na Alemanha que tomou a decisão de fazer algo em favor da educação na América.

De estudantes isolados na primeira metade do século XIX que buscavam a formação nas universidades alemãs, o número foi-se multiplicando a partir de 1850. Entre 1860 e 1870 cerca de 1000 estudantes partiram para a Alemanha. Na década seguinte foram 2000 e ao logo da segunda metade do século, nada menos do que 10000 americanos formaram-se naquele país. O crescimento do número foi ainda maior entre 1900 e 1914, quando pelas razões conhecidas, cessou por completo durante a Primeira Grande Guerra. Henry T. Tappan, autor do livro “University Education”, falando dos resultados benéficos dessa peregrinação em busca das universidades alemãs, resumiu assim a sua conclusão. A pesquisa científica começou a tomar fôlego e aos poucos a universidade foi-se assumindo como uma instituição na qual o professor, o investigador e o estudante, selavam uma aliança em busca do mesmo objetivo.  (cf. Um Sonho e uma Realidade, 2009, p. 95-96). 

Os resultados concretos não se fizeram esperar. Em todo o território dos Estados Unidos foram surgindo dezenas de instituições de ensino fundamental, médio e superior alimentadas pelo mesmo ideal de excelência, com um acento forte na educação. O MIT – Instituto de Tecnologia de Massachussets, representa um dos exemplos emblemáticos do transplante do modelo da universidade alemã, ajustado às circunstâncias americanas. Voltaremos a esse instituto mais abaixo. 

O Pe. Alfonso Borrero, um dos maiores conhecedores da história da Universidade, resumiu a influência da universidade alemã sobre a americana: “Ainda não foi escrita a verdadeira história dos contatos havidos entre a universidade norte-americana e a universidade alemã, durante o século XIX, afirma Walter P. Metzger. Olhado o fato mais de perto, este fluxo é de uma via só, da Alemanha em direção aos Estados Unidos. (Ascun, 1992,  p. 46)

E o que os norte-americanos procuravam nas universidades alemãs? A resposta também é do Pe. Borrero: Aprender a arte da investigação atuava como um poderoso ímã. Os estudantes dirigiam-se às faculdades de Filosofia, depositárias do saber puro, atraídos pelas disciplinas científicas, para aprender a ensiná-las de forma diferente como se costumava fazer nas faculdades profissionais de Direito, Medicina e Teologia. Procuravam com avidez e de preferência a psicologia, a economia, a física, a química, biologia e as matemáticas. A universidade mais procurada foi a de Berlim (Cf. Ascun – p. 46-47)

E a história da formação superior norte-americana provou o acerto da peregrinação, durante mais de meio século, dos estudantes daquele país para a Alemanha. Contam-se hoje, sem exagerar, às dúzias nos Estados Unidos as universidades com seus centros de produção de conhecimento e institutos de pesquisa de alto nível e desenvolvimento de tecnologias de ponta. Na sua concepção, implantação e consolidação tiveram papel decisivo professores e pesquisadores formados em universidades alemãs. Evidentemente não se tratou de um transplante puro e simples do modelo alemão para a América do Norte. Com a transferência   aconteceu uma inevitável adaptação às novas circunstâncias. Aqui não é nem o lugar nem a ocasião para uma análise mais aprofundada dessa questão. Como exemplo bem-sucedido e representativo merece destaque o famoso “M.I.T – Massachussets Institute of Tecnology”. Trata-se na verdade de um complexo universitário que produz conhecimento de alto nível em todas as áreas, realiza pesquisas científicas pioneiras e desenvolve tecnologias de ponta. Dos seus gabinetes de investigação, laboratórios de pesquisa saíram dezenas de prêmios Nobel. E o segredo? Encontra-se na concepção institucional e acadêmica, materializado inclusive no projeto arquitetônico e localização espacial dos prédios. Tudo começou há mais cem anos, em 1916, com a construção do complexo de prédios, que não sofreu nenhuma alteração até hoje   que afetasse a sua essência. Tanto assim que o “State Center” inaugurado em 2004, reforçou a ideia da colaboração, da interdependência e da interdisciplinariedade das diversas áreas do conhecimento. Numa ponta abriga um laboratório de Inteligência artificial e na outra um departamento de Linguística e Filosofia. O Instituto, embora seja conhecido como de “Tecnologia”, realiza uma proposta curricular interdisciplinar tal que os alunos de todas as áreas e diversas especialidades, são estimulados e de fato têm condições, de apropriar-se de uma formação básica generalista. Preocupado em oferecer aos estudantes uma sólida formação científica, humana e técnica, o Instituto exige que todos absolvam um mínimo de disciplinas de cada uma das grandes áreas. Aliás o próprio projeto arquitetônico de 1916, foi desenhado e executado de tal forma que permite e estimula a circulação e o contato entre as cinco escolas centrais: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia, Humanidades, Artes e Ciências Sociais, Administração e Ciência e o complexo da Saúde e Tecnologia.

O modelo da formação a nível médio nos “Gymnasia” e o superior nas “Universidades” alemãs no começo do século XIX, privilegiou dois elementos. Primeiro a apropriação de um conhecimento amplo e genérico no qual as Artes, Letras, Humanidades e Ciências Naturais, participavam numa dosagem equilibrada. Todas gozavam de igual importância e de igual necessidade para a vida. Numa perspectiva interdisciplinar oferecia-se ao estudante ocasião para apropriar-se de uma formação que o preparava, em primeiro lugar, para uma compreensão abrangente e integrada do saber. Em segundo lugar, e principalmente pelo sistema de Seminário, familiarizava-se com as ferramentas teóricas e o aparato crítico indispensável, para aventurar-se na construção de um conhecimento próprio e autônomo. Esse modelo alimentava-se implicitamente na ideia de que o tirocínio na universidade não visa a utilidade prática imediata do conhecimento. Nos Seminários predominava a convicção de que o saber, o conhecimento em si, sem um direcionamento prático, preparava melhor os egressos para a atividade   profissional. Essa mesma convicção aparece no modelo das universidades clássicas inglesas, especialmente de Oxford e Cambridge, que acima tivemos ocasião de conhecer com o modelo “Oxbridge”. Tinham como ideal formar o “gentelman”, o “vir bonus peritus dicendi” do ideal romano.

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