Bicentenário da Imigração - 37

A Velha Guarda dos Caixeiros Viajantes.

Na  raiz de uma história, seja ela de um povo, de uma instituição ou de uma atividade, encontram-se, invariavelmente os fundadores, aquelas personalidades que colocaram as bases sobre as quais  os seus continuadores puderam desenvolver o seu trabalho.Também os caixeiros viajantes contaram  no nascer e desenvolver da sua história com o seus “heróis fundadores”, personagens com características individuais  marcantes, personagens com traços épicos e românticos, empreendedores, honestos e de bem com a vida. No “Riograndenser Musterreiter” foram assim retratados. 

Um dos caixeiros viajantes mais antigos foi Hugo Emmermann. Nasceu em Dorneken e no ano de 1870 veio a Porto Alegre. A firma de ferragens  de Guilherme Bier ofereceu-lhe o primeiro emprego. Mais tarde fundou a Firma Ernesto Bemke & Cia, tendo como sócios Ernesto Bemke e  Hugo Lau. Em 1883 desligou-se desse empreendimento e começou a viajar para F. J. Friedrichs, dedicada ao mesmo ramo. Faleceu prematuramente no ano seguinte. Todos que o conheceram e com ele trabalharam guardam dele, mesmo depois do seu falecimento, a lembrança de um fiel cumpridor do dever e de um colaborador dedicado. 

Um dos representantes mais bem quistos dentre os caixeiros viajantes foi Allbrecht Lorenz. Nascido em Berlim, em 1847, emigrou, em 1871, primeiramente para Montevidéu e Buenos Aires. Passou aí por não poucas peripécias e sem sucesso empenhou-se de corpo e alma em construir alguma coisa de sólido. Quem escutasse seus relatos sobre aquele período ficava pasmo sobre as muitas maneiras com que Lorenz tentou conquistar a sorte para si, mas sem êxito. Em 1872 veio para Porto Alegre e encontrou colocação na Firma  F. A. Engel. Mais tarde empregou-se no estabelecimento de N. Lammers no ramo de tecidos. Não demorou para desligar-se por falta de rentabilidade do negocio e empregou-se como viajante na Firma de Bernhard Wahrlich. Alguns anos mais tarde abriu mão do posto de viajante para, durante algum tempo, tornar-se proprietário de terras no Caminho Novo. Depois tentou a sorte com um hotel. Tudo deu errado. Retornou então à profissão de caixeiro viajante. Por muitos anos percorreu a colônia a serviço de C. J. Schilling. Quando esa firma abriu uma filial em São Sebastião do Caí em 1891, com o nome de Otto Schilling & Cia, Lorenz assumiu a direção até o seu falecimento em 1893. 

Lorenz foi o primeiro presidente do Clube dos Caixeiros Viajantes em 26 de dezembro de 1885. Foi estimado como poucos pela população da colônia. Seu falecimento abriu uma dolorosa lacuna na pequena família dos seus companheiros de profissão. Eles ainda hoje se recordam com prazer  do seu inesgotável repertório de histórias e piadas, com as quais sabia temperar com muito bom humor qualquer encontro. Lembram seu nome também como um autêntico representantes dos bravos caixeiros viajantes alemães. 

Um outro veterano da velha guarda temos na pessoa de Heinrich Fuhrmeister. Faleceu em Wiesbaden em 1898, para onde se refugiara para descansar depois de longos anos de trabalho e de uma vida bem sucedida. Nasceu em Stöterlingen, perto de Osterwieck no Harz. Desembarcou em 1873 em Porto Alegre e empregou-se na Firma de Fazendas Hoffmann & Cia, localizada na Esquina  Caminho Novo e Doca. Mais tarde entrou em sociedade com Carl Pohlmann tocando o negócio sob a razão social de Firma Pohlmann & Cia. Em 1898 retirou-se da atividade comercial. Passou a firma a seus sucessores F. G. Bier e Emil Ullmann, atual presidente do clube dos Caixeiros Viajantes. Uma extraordinária consciência do dever e uma exatidão à toda a prova, marcaram todas as ações desse homem inteiramente dedicado ao trabalho. Infelizmente não lhe foi dado usufruir no final da vida os frutos dos seus esforços. Na cidade ou na colônia quem não conhecia o velho Fuhrmeister, um dos mais conhecidos dentre os caixeiros viajantes? Merece ser lembrado aqui. 

Não menos popular foi Albert Deistel, nascido em 12 de dezembro de 1852 em Klostermannsfeld. Imigrou para o Brasil em 1877 encontrando sua primeira colocação na firma Carlos Daudt. Nos longos anos que viajou pela colônia a serviço deste estabelecimento, conquistou muitas simpatias com sua jovialidade. Mais tarde estabeleceu-se por conta própria no ramo do comércio de ferro bruto. Também ele tinha chegado ao ponto de, após o sacrificado período de caixeiro viajante, permitir-se uma vida mais sossegada. Um mal latente, entretanto, manifestou-se de repente e de forma aguda, levando-o ao leito do qual não se ergueu mais. Seus numerosos  colegas e amigos, que, ou viajaram em sua companhia, ou mais tarde privaram sob seu telhado e em companhia da sua família, nunca esquecerão o velho e jovial camarada, a quem devem não poucas e agradáveis  iniciativas. 

A esta altura queremos lembrar o nome de outros que a morte  subtraiu do nosso meio. Infelizmente não dispomos de maiores informações sobre as suas vidas e suas atividades. São eles Jacob Sehl, Paul Meinhardt e Johann Ostmann. 

É sabido por todos que também Carl von Kosertiz há tempo cerrou os olhos. Ele que foi um homem corajoso, de visão clara e coração aberto, desapareceu prematuramente  deixando uma lacuna para o todo da germanidade no Rio Grande do Sul. Com espírito perspicaz acompanhou todos os grandes movimentos da germanidade em nosso Estado confiados à sua vigilância. Realizou muito, tanto no campo social como no político. Não se furtou em empenhar a sua liderança marcadamente germânica, mesmo que fossem iniciativas de pequeno porte. Procurava imprimir um espírito, uma forma de conduzir as coisas com objetivo de preserva-las. Um exemplo do seu empenho foi por ex., o Clube dos Caixeiros Viajantes de Porto Alegre. Como pessoa foi uma personalidade  cativante, uma figura que se impunha pela inteligência e pela bondade, sabendo influenciar no bom sentido e sabendo exercer sua liderança sem se fazer notar, sobre todas as camadas e todas as classes  da população. Os caixeiros viajantes o consideravam como um modelo em tudo, a tal ponto  que ainda hoje guardam um alto conceito deste grande batalhador. Todos sem exceção passariam pelo fogo por ele. A proa da cordialidade recíproca foi o apreço entre o tribuno popular e a “velha guarda”. 

Otto Drügg nasceu em Porto Alegre em 1853. Sua primeira atividade como viajante foi para a Casa C. J. Schilling. Depois da morte do cunhado W. Hamann, liquidou o negocio de porcelanas deste pois, sua personalidade de ferro sentia mais afinidade com ferragens. Entrou então para a Firma B. Wahrlich, percorrendo para ela a colônia durante longos anos. Mais tarde trabalhou na mesma condição pra F. O. Friedrichs. Além disso desenvolveu como sócio  a sua  atividade na Firma A. Ribeiro & Cia Sucessores e quando a firma passou para as mãos do seu irmão C. A. Drügg ou Carlos Daudt & Cia, associou-se a elas. Acreditamos não estarmos errando ao afirmar que esse veterano caixeiro viajante, ainda hoje, após longos anos, olha com orgulho para essa classe por todos respeitada e cujos quadros integra. E não são apenas seus numerosos amigos na mata virgem, como também seus colegas que demonstram a mais espontânea das alegrias quando cruzam com a figura por todos conhecida, vestindo suas roupas coloridas e montado numa soberba mula. 

Alfred Schrunk é outro desses caixeiros viajantes típicos da velha guarda. Neste meio tempo preferiu aposentar a vida de caixeiro viajante da ativa para mandar outros viajar a seu serviço. Tanto então como agora o Clube dos Caixeiros Viajantes o considera, com muita satisfação, como um dos seus associados. Também ele preservou a fidelidade e a dedicação à profissão que lhe foi tão cara. Nasceu em 1860 em Rivera no Uruguai. Teve a sua formação na Alemanha, transferindo-se em 1876 para o Rio de Janeiro e  em 1877 para Porto Alegre. Começou como funcionário da diretoria dos transportes de imigrantes para a recém começada  colonização de Garibaldi e Bento Gonçalves. Conquistou o apreço de todos os imigrantes a ele confiados, numa época em que nem  sempre recebiam tratamento humano por parte dos funcionários do governo. Prova é o fato de que quando muitos anos depois o autor dessas linhas viajou para aquela região, em especial no alto Forromeco, muitos colonos perguntavam por notícias e num tom de indisfarçável amizade  recordavam-se do seu “gordo Schrunk” e nunca se esqueciam de mandar-lhe saudações. 

Nosso velho amigo Emil Both  é do grupo daqueles que há muito descobriram que é mais cômodo deixar  que o caixeiro desbrave o caminho do que ele próprio se encarregar  da tarefa. Há anos trocou a vida de caixeiro viajante pela de um comerciante-modelo e como tal cultiva com seus ex-colegas o antigo e bom relacionamento que lhe ficou tão caro desde que, em 1870, começou a carreira na condição de empregado de Friedrichs e Birnfeld. Nasceu em Hamburgo em 1844. Em 1870 deixou Waterkant para trás e procurou a sorte em Porto Alegre. Em 1880 abriu uma loja de “delicadezas” no Caminho Novo. Não passava, na verdade, de uma máscara  da verdadeira identidade de todas as tavernas. Nas suas dependências encontravam-se constantemente, nas horas convenientes e não convenientes, os corifeus da vizinhança. Discutiam, como manda o figurino, sob o efeito de “substâncias” nobres, os males e as boas coisas da pátria e deles próprios, sem se importar com o crescente nervosismo do dono da taberna com a sua eterna conversa  fiada. Não poucas  idéias excelentes  vieram à luz sob a vigilância do tranqüilo senhor. Os companheiros de mesa assistiram com pesar a sua retirada para a sossegada contemplação de uma casa de comércio da colônia. Se hoje alguém passar por São Sebastião do Caí e não tiver idéia do que fazer com a noite, certamente não perde nada em bater na aconchegante salinha dos fundos do “tio-viajante”, onde se reúne constantemente uma alegre companhia. 

Não é a qualquer um que é reservado viajar como caixeiro durante vinte anos. Heinrich Techner realizou essa façanha. Nascido em 1852, em Wagestadt na Silésia austríaca , desembarcou em Porto Alegre em 1874. Empregou-se na casa de  comércio de fazendas de C. J. Schilling, Viajou para a firma até transferir-se para Bastian & Meyer e mais tarde para Bastian & Cia. Faleceu em 1901 depois de ter-se tornado sócio  e trabalhado 21 anos na mesma casa. 

Leopold Bastian trabalhou com Teschner na Firma Bastian &  Neyer. Nasceu em São Leopoldo em 1854 e em 1871 transferiu-se para Porto Alegre  e começou a percorrer a colônia como caixeiro viajante a serviço de H. Born. Em 1874 passou para Barbedo & Bastian e em seguida  tornou-se sócio de B & M. Muitos anos se passaram desde que encilhou pela última vez a sua mula para, de botas e esporas, apresentar aos filhos da mata virgem as maravilhas da sua firma. Seria conhecê-lo pouco se achássemos que ele não se recorda com prazer das suas atividades como jovem, que lhe serviram como escola preparatória completa para a sua condição de comerciante estabelecido por conta própria. 

J. G, Magnus foi o colega de Bastian  na Firma Barbedo Bastian. Nasceu em Torres e com 24  anos veio a Porto Alegre, em 1875. Na condição de  caixeiro viajante a serviço da citada firma, percorreu a região do mato e do campo. Passou depois para a Firma Chaves & Almeida onde exerceu a mesma função. Já em 1883 estava em condições de estabelecer-se  com firma própria. 

Philipp Becker dedicou-se durante vinte anos à profissão de  caixeiro viajante para no fim trabalhar como procurador no mesmo estabelecimento. Conhecido na praça 15 de novembro como homem de ferro, foi o único que ousou deixar-se fotografar com um chapéu pouco condizente com um caixeiro viajante. Nasceu aqui em 1853 e iniciou sua carreira no ramo das ferragens na Firma Böhmer & Dörken.

O homem que  de forma alguma conseguiu, ou melhor, não quis deixar de viajar, foi o moselano Ernst Schneiders, nascido em Cron em 1851. Desembarcou nas nossas praias  em 1871 e encontrou colocação na casa de ferragens de Th. Friedrichs & Birnfeld. Mais tarde administrou um negocio em comissão, estabelecendo-se em 1880 por conta própria em com uma firma de porcelanas, ferragens e miudezas, com ênfase especial às últimas. Costumava-se dizer: O que não se encontra em lugar nenhum em Porto Alegre, acha-se em algum lugar no Schneiders. 

Grande é o nùmero daqueles que aprenderam com mais ou menos proveito a cartilha de caixeiro viajante, na escola do Schneiders. Quem lidou durante anos com a diversidade de sortimentos, a começar pelas imensas torradeiras para preparar farinha, até as pulseiras para senhoras, podia ter certeza que aprendeu alguma coisa e encontrava colocação em algum lugar. 

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