Bicentenário da Imigração - 28

O Sul Muda de Fisionomia

Da América Latina, o Brasil é o pais que ostenta o quadro étnico-cultural mais heterogêneo e mais diversificado. Encontram-se presentes  grupos significativos, representando diversas raças e culturas. Embora uns se concentrem mais numa região e outros em outra, encontramo-los em todo o território nacional. Para onde quer que se viaje, topa-se com o negro, com o asiático, com o branco e com todos os matizes de cor da pele e de cabelos que a miscigenação foi capaz de engendrar. Formas de vida as mais diversificadas, costumes e cosmovisões divergentes, filosofias de vida às vezes exóticas, encontraram guarida  em solo brasileiro e ao mesmo tempo clima favorável para se manifestarem livremente.

O que todos possuem em comum é a esperança de que aqui, apesar de todas as dificuldades momentâneas, existem condições reais e objetivas para construir um futuro melhor. E como objetivo de  construir um porvir mais promissor do que o oferecido pelas terras de origem, afluíram para o Brasil  representantes dos povos e das culturas mais diversas. Foi essa perspectiva que atraiu  portugueses,  açorianos,  alemães,  italianos,  europeus em geral,  japoneses e  todos os outros orientais. A grande presença negra infelizmente acha-se ligada à escravatura. Mesmo assim, embora a duras penas, o negro está começando a conquistar o seu espaço neste pais imenso e heterogêneo. 

A presença alemã nos estados do Sul seguiu em grandes linhas a mesma lógica. A partir do começo do século XIX, a administração colonial e depois a imperial, decidiu garantir  a soberania sobre as províncias do Sul. Esparsamente habitadas por estancieiros e alguns bolsões de colonos açorianos, esses territórios representavam uma tentação constante para as repúblicas castelhanas vizinhas. Por falta absoluta de súditos da Coroa portuguesa que pudessem povoar essas regiões vazias, o Conselho Ultramarino decidiu convidar europeus  do Centro e do Norte do continente. A preferência incidiu sobre alemães e italianos. Os motivos dessa preferência foram vários. Em poucas palavras, os mais importantes  parecem ter sido o fato de, tanto uns como os outros, terem praticado durante séculos a agricultura familiar em pequenas propriedades; de nunca terem criado problemas com a Coroa de Portugal, como fora o caso  dos franceses, ingleses e holandeses; de não terem representado perigo imediato para as fronteiras  do Sul, como os espanhóis. No caso específico dos alemães pesou o casamento de D. Pedro I com a princesa austríaca Dona Leopoldina. Um motivo adicional foi a disponibilidade  de colonos alemães em número suficiente, já que as províncias donde procediam achavam-se superpovoadas. As terras esgotadas já não ofereciam  grandes perspectivas e a incipiente industrialização, não tinha condições de absorver os agricultores empobrecidos. Para eles, a emigração significava a única saída  promissora para a situação. Para o Brasil, resolveria o problema da ocupação dos espaços vazios no Sul, motivo de contínuas  disputas e escaramuças de fronteira com os castelhanos do Paraguai, da Argentina e do Uruguai. 

Um outro pormenor  importante não pode ser esquecido. Até então os estados do Centro e do Norte haviam sido incorporados  à base do latifúndio  escravocrata. Foi assim na atividade canavieira, nas plantações  de algodão e nas fazendas de café. Para os estados do Sul foi projetado  uma outra modalidade de faze-los produtivos, implantando neles  uma agricultura diversificada, fundamentada na pequena propriedade de caráter familiar. A concretização desse modelo fora tentado durante a segunda metade do  século dezoito, com famílias de agricultores emigrados dos Açores. O número de casais açorianos disponíveis, entretanto,  foi muito pequeno para povoar  os espaços disponíveis no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A solução veio com os imigrantes alemães, italianos e poloneses principalmente. 

O propósito desta contribuição resume-se  em mostrar o que os imigrantes alemães, com sua identidade peculiar, trouxeram contribuições novas e diferentes e que marcaram indelevelmente grandes extensões da fisionomia humano do Brasil Meridional. Pretende, de outra parte, acompanhar de alguma forma a trajetória da integração deles e dos seus descendentes na sociedade nacional. 

Falemos em primeiro lugar da fisionomia humana peculiar que os colonizadores alemães imprimiram na paisagem das regiões em que se  estabeleceram no sul do Brasil. O elemento mais significativo, em termos de estrutura agrária, foi o regime da pequena propriedade de terra. Nos primeiros anos os lotes coloniais mediam em torno de 70 hectares. Mais tarde essa media foi diminuindo para 50, para 40, fixando-se entre 25 e 30 hectares, nas últimas fronteiras de colonização no centro oeste de Santa Catarina e no oeste do Paraná. É fácil  imaginar que em módulos tão reduzidos o máximo que se podia instalar e fazer render não passava os limites do sustento de uma família e, na melhor das hipóteses, a produção de alguns excedentes. 

Essa realidade leva a uma segunda constatação. Se a ocupação das pequenas propriedades se resumia, em última análise, numa empresa familiar com o objetivo principal de assegurar a subsistência  dessas famílias, a agricultura praticada tinha que ser diversificada. E foi o que ocorreu. Para suprir as necessidades diárias cultivava-se milho, feijão, batata, arroz, mandioca, aipim, amendoim, etc. Havendo excedentes esses eram comercializados. E, após os primeiros anos, superadas as dificuldades do começo, o feijão comercializado nas praças de São Paulo e do Rio de Janeiro, procedia na sua quase totalidade do Rio Grande do Sul. Ao lado dos produtos agrícolas os colonos  criavam suínos, bovinos, eqüinos, galináceos, ovelhas e outros. A banha de porco rendia bons ganhos adicionais e não faltava espaço para a colocação nos principais mercados do país. 

No Rio Grande do Sul, centro e oeste de Santa Catarina e oeste do Paraná, o regime da pequena propriedade  e a economia baseada na policultura transformaram vastas regiões  numa paisagem humanizada inconfundível. As terras tinham sido repartidas sempre de acordo com o mesmo esquema. Um rio, um arroio, um dorso de morro, serviam como referência para alinhar os lotes. Uma trilha no mato no início, um caminho depois e muitas vezes uma estrada no final, permitiam a circulação de pessoas, animais e produtos. As moradias dos agricultores costumavam ser  construídas perto das estradas, cada qual no respectivo lote. No centro de um espaço geográfico desses, a igreja, a escola, o cemitério, a casa de comércio tinham o seu  lugar garantido. Dessa forma tem-se uma idéia de como se formaram as unidades comunais na região de imigração alemã, italiana, polonesa e outras. 

A configuração topográfica e a superfície  do espaço comunal variavam de acordo com as características locais. Quando um vale ou um altiplano oferecia uma área suficiente para um número maior de módulos rurais locais, abrigava mais moradores,  servia de sede para a formação de uma comunidade também maior. Se a área disponível era menor, as comunidades compunham-se de um número pequeno de unidades familiares. É lógico que se exigiam áreas mínimas. Nas menores organizava-se, além da escola uma capela. Um número menor ou maior de capelas reuniam-se em volta da sede paroquial, situada na comunidade mais ampla e com maior número de moradores. Com o correr do tempo essas sedes paroquiais eram contempladas  com a infraestrutura necessária para o funcionamento regular da burocracia local, como subprefeitura, subdelegacia de polícia, agência do correio, cartório de registros, etc. A grande maioria das sedes paroquiais  do começo da colonização, evoluíram com o tempo para sedes  de municípios. Assim, designações essencialmente  geográficas na sua origem, transformaram-se, com o correr do tempo, em conceitos mais abrangentes. 

This entry was posted on sábado, 14 de maio de 2022. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.