Bicentenário da Imigração - 25

Contribuições dos imigrantes alemães

Neste capítulo pretendo resgatar algumas das principais contribuições dos imigrantes vindos da Europa Central e do Norte, que começaram a fixar-se no Brasil a partir da década de 1820. Na maioria das ocasiões, quando o assunto é tratado, concentra-se a atenção no projeto colonizador intencionado pelas autoridades brasileiras e confiado a imigrantes europeus não ibéricos. Essa imigração imprimiu contornos inconfundíveis em áreas significativas nos estados do sul. Com o assentamento dos agricultores alemães no rio Grande do Sul desde 1824, no leste de Santa Catarina a partir de 1850 e, desde 1870 poloneses e 1875 italianos, algo de inédito foi implantado no Pais. 

Entre as muitas contribuições quero destacar as seguintes: o novo modelo colonizador, a organização comunal, a educação, a religiosidade, o trabalho, o associativismo, o teuto-brasileirismo de hoje. 

Novo  Modelo colonizador
Percorrendo as áreas em que predominou e ainda predomina a presença alemã e sua descendência, constata-se que eles ostentam peculiaridades não encontráveis nas demais regiões do Brasil. Destacam-se, neste sentido,  de maneira mais evidente, no Rio Grande do Sul, as bacias fluviais do Sinos,  Cai, Taquari,  Pardo,  Jacuí, da região das Missões e do Alto Uruguai, além do leste  e do centro oeste de Santa Catarina e o oeste do Paraná. Transita-se por centenas e milhares de pequenos núcleos coloniais, vilas e pequenas cidades. Centros urbanos maiores formam as sedes dos municípios. Alguns deles, localizados em pontos estratégicos, evoluíram para polos regionais de importância crescente. Apopulação viveu e, em parte, vive ainda hoje, da agricultura fundamentada na pequena propriedade rural familiar. 

Os estabelecimentos rurais sobressaem todos por um perfil comum. Constituem-se em micro empresas familiares de produção agrícola. Resultaram historicamente de uma característica colonização de povoamento. Sob esse prisma e, sob muitos outros, inauguraram no Pais um modelo de ocupação territorial e um paradigma inédito de organização social e de atividade econômica. Comparando-os com o paradigma que orientou os grandes ciclos econômicos do algodão, da cana, da mineração, do café e do gado com seus latifúndios, suas fazendas, suas estâncias e sua escravaria, impõe-se a pequena propriedade familiar, dedicada à agricultura diversificada. 

Examinando o projeto colonizador, tanto da parte das autoridades brasileiras, quanto da parte dos imigrantes em foco, subjaz a ele uma filosofia de povoamento que conferiu à sociedade daí resultante, características que a distinguiam do restante do Pais.

Os imigrantes alemães  e os demais  grupos procedentes da Europa Central e do Norte encaminharam-se para o Novo Mundo, no caso para o Brasil, com o intuito de, como agricultores, aí se estabelecerem em caráter permanente, armar uma tenda definitiva  numa nova pátria, enfim, colocar as bases para que seus filhos e netos pudessem construir o futuro que as terras de origem já não tinham condições de oferecer. 

A mentalidade com que os espanhóis e portugueses desembarcaram na América ficou explícita na declaração de um dos conquistadores espanhóis: “Eu vim pelo ouro e não para lavrar a terra como um camponês!” Pois os alemães, italianos, poloneses e demais imigrantes vindos da Europa Central e do Norte vieram como camponeses, lavrar a terra,  organizar um lar seguro e uma Querência promissora para si e para os seus. Chegaram para, com todas as suas potencialidades e toda a sua obstinação de camponeses, contribuir com a edificação de uma nova pátria. Em relação à antiga, politicamente falando, tinham “queimado os navios” ou “cruzado o Rubicão.” Não desembarcaram em companhia de sócios de empreitada, para enriquecer  o mais rapidamente possível, “fazer o seu Brasil” e retornar abastados para as terras de origem. 

Esses imigrantes ao se estabelecerem como agricultores, não apenas obedeceram a uma tarefa que eles próprios se tinham imposto mas, simultaneamente, atenderam ao convite das autoridades brasileiras que se propunham incorporar na economia nacional produtiva as áreas de florestas devolutas do sul e garantir as fronteiras por meio de um povoamento sistemático e definitivo .

A intenção de que os imigrantes e seus descendentes se dedicassem exclusivamente à agricultura transformar-se-ia, a partir do final do século XIX, num dos primeiros motivos de desencontro entre eles e os luso-brasileiros. O crescimento numérico, a expansão e a dispersão geográfica, somados à crescente vontade de participação ativa no comércio, na indústria, nas profissões liberais, na política e na burocracia e administração pública, serviu de alerta para o segmento luso, detentor exclusivo do controle político-administrativo local, regional e nacional. Difundiu-se aos poucos uma tal ou qual preocupação por um suposto “perigo alemão”. Por motivos óbvios os momentos de maior efervescência que azedaram seriamente as relações mútuas entre luso-brasileiros e teuto-brasileiros, aconteceram durante as duas guerras mundiais, mais na segunda do que na primeira. 

A organização comunal.
Com a imigração alemã foi inaugurado no pais um novo paradigma de organização social e comunitária. A natureza mesma da colonização por povoamento e a tradição multissecular dos imigrantes convergiam para a formação de comunidades rurais bem integradas e sólidas. As dificuldades iniciais causadas por um contexto geográfico hostil, pelo entorno social e cultural luso-brasileiro, pela difícil comunicação com as autoridades em todos os  níveis, pelas promessas em parte não cumpridas, fizeram da cooperação comunal uma condição de sobrevivência no início, para a consolidação da colonização e, finalmente, para o êxito do empreendimento.

Na base dessa organização comunal encontramos os lotes coloniais de proporções modestas, considerando o restante do país, cerca de 70 hectares no começo e entre 25 a 30 mais tarde. Sobre essa base desenvolveu-se a colonização fundamentada na pequena propriedade familiar. A família funcionou como micro empresa ou micro unidade de produção agrícola. As unidades familiares organizaram-se em comunidades, delimitadas geograficamente por um vale, uma planície, uma várzea ou um planalto. Essas comunidades organizadas em forma de “linhas”, “picadas” ou “lajeados” formavam a base dessa colonização de povoamento. Cada comunidade  dessas formava uma unidade até certo ponto autônoma e auto suficiente pois, cada qual dispunha de uma infraestrutura mínima para garantir-lhe uma relativa independência, como ferrarias, sapatarias, carpintarias, alfaiatarias, moinhos. Em muitas delas havia alguém que entendia de doenças, remédios e tratamentos mais simples. As escolas, as igrejas, os cemitérios, as casas de comércio, as sociedades, os clubes  e associações, garantiam a coesão e a integração comunal. 

A autonomia de meios e estrutura asseguravam as condições  mínimas para uma relativa auto suficiência. É evidente que não se pretende atribuir a essas comunidades características de autonomia total. O que se quer afirmar é que os problemas, os desafios e os empreendimentos comuns, tinham perfeitas condições de gerenciamento pela própria comunidade. Cada uma delas  representava, por assim dizer, uma mini-república com sua igreja, sua escola, seu comércio local, sua produção agrícola e artesanal e dispondo de meios mínimos de governo e controle interno. Resumindo pode-se dizer que elas representavam uma réplica das aldeias das terras de origem adaptadas às circunstâncias locais. O que aconteceu foi um tal ou qual transplante  da Europa para o Brasil, sem que  houvesse uma ruptura, menos ainda uma desagregação cultural mais profunda. 

A estrutura implantada nessas comunidades, as estratégias postas a funcionar e o gerenciamento  comunal foram decisivos na construção desse projeto de colonização.

Escola e educação
Conscientes de que os interesses de uma comunidade pressupunham um nível cultural mínimo, os colonos alemães se uniram, por conta e risco próprios, a criarem os meios necessários. Assim, já na primeira década da imigração, implantaram as primeiras escolas, antes mesmo de construírem capelas e igrejas. No começo as escolas serviam também para a celebração dos cultos e missas aos domingos. Multiplicaram-se assim as “escolas-capela” tão características das primeiras décadas. Para esses imigrantes a escola e a educação figuravam entre os interesses prioritários ao se instalar uma nova picada nas fronteiras de colonização. A fim de entender  o valor dado à escola pelos colonizadores alemães, é preciso prestar atenção às várias funções que lhe cabiam.

Esperava-se, em primeiro lugar, que o aluno aprendesse a ler, a escrever e a apropriar-se das noções básicas do cálculo. Na escola os filhos dos colonos municiavam-se com os instrumentos essenciais para estabelecerem as relações intra e inter comunais e, ao mesmo tempo, administrar com segurança as propriedades e os negócios da família. 

Em segundo lugar a escola fazia o papel de instrumento  permanente da preservação dos valores  religiosos tanto entre os católicos quanto entre os protestantes. Como até 1850 a assistência religiosa prestada pelos pastores protestantes foi precária e entre os católicos inexistente, a escola supria os ensinamentos religiosos essenciais, prevenindo desta forma, uma perigosa decadência. E, de fato, a escola assegurou um nível mínimo à religiosidade e, fez com que não acontecesse uma degeneração mais séria, até que a assistência pastoral se tornasse regular e qualificada a partir de 1850, com a vinda de jesuítas para o atendimento aos católicos e os pastores ordenados para os protestantes. As associações e as diretorias das escolas responsáveis pela educação escolar, serviram de modelo para os sacerdotes católicos e os pastores protestantes organizarem as paróquias. Estabeleceu-se, desta forma uma íntima colaboração e uma complementariedade mútua entre a comunidade e diretoria da escola e a comunidade e diretoria da igreja, entre o professor e o sacerdote, entre o professor e pastor.

Em terceiro lugar a escola foi importante para a preservação dos valores culturais como a língua e a maneira de ser alemães.

Em quarto lugar a escola foi a incentivadora do despertar da consciência da cidadania brasileira. Tornara-se lugar comum, aceito sem a menor preocupação critica, que essa escola se transformara num dos focos mais renitentes à assimilação do imigrante alemão na sociedade nacional. Entretanto muitos documentos, testemunhos, declarações de princípios  e a própria maneira de proceder dos agentes da educação, apontam na direção oposta. Quando da implantação do currículo comum para as escolas católicas no começo do século XX, constavam nele como disciplinas obrigatórias o português, a história e a geografia do Brasil. 

A Religiosidade
Paralelamente  à preocupação com a escola e a educação, os colonos alemães e italianos cultivavam uma sincera e profunda religiosidade, que perpassava todos os momentos do seu quotidiano. Os sinos das igreja e capelas convidavam  para um momento de oração pela manhã e à hora do meio dia.  No entardecer chamavam para o “ângelus.” Sem constrangimento os colonos se católicos se descobriam, seguravam o cabo da enxada e cansados do trabalho do dia, recitavam três Ave Marias. Não poucos, principalmente mulheres e crianças, ajoelhavam-se sobre a terra fecunda que o arado acabara de sulcar. As orações da noite costumavam ser o último ato do dia. 

Para essa gente, o trabalho e a oração formavam uma simbiose perfeita. Uma dava sentido à outra. O trabalho sem a oração assumia as feições de um castigo. A oração sem o trabalho transformava-se num ato vazio e sem sentido. Fizeram do lema “reza e trabalha” o norte de suas vidas. 

Sendo assim, é evidente que a missa ou o culto aos domingos e dias santificados, assumisse um significado todo especial. Nessas ocasiões recebiam-se os sacramentos, revigorava-se  a fé e, ao mesmo tempo, renovava-se o ânimo para enfrentar mais uma semana de luta e de trabalho. Nas sua prédicas e nas suas homilias, sacerdotes e pastores encarregavam-se de manter acesa a chama da fé, recordar os princípios doutrinários e chamar a atenção para as  obrigações morais e disciplinares. 

Até um tempo que não vai muito longe, a igreja, além de propiciar  encontros estritamente religiosos, oferecia o espaço para reuniões comunitárias. Antes e depois dos  atos religiosos formais, acontecia o convívio comunitário tendo como foco preocupações profanas, trocas de ideias e experiências e até realização de negócios.

A religião perpassava todos os acontecimentos e neles, não raro, se confundia, ao ponto de se tornar difícil estabelecer a fronteira entre o profano e o sagrado. Na verdade, a religião e suas manifestações individuais e coletivas, representavam uma das faces e, as atividades profanas, a outra face da mesma realidade: a vida do colono com suas lutas, alegrias, sofrimentos, sucessos e frustrações. E como produto final forjou  uma estirpe de homens e mulheres dotados de fé inabalável, de uma indômita vontade de progredir, levando na maioria dos casos uma vida frugal, mas condimentada com frequentes intervalos, em que a alegria de viver irrompia com vigor e espontaneidade. 

Nas proximidades das igrejas encontrava-se invariavelmente o cemitério. Nesse local, envolto numa atmosfera de solene tranquilidade, a memória e a veneração dos antepassados assumia as proporções do sagrado. Em longas fileiras, em túmulos bem cuidados, descansavam as gerações de homens e mulheres que haviam precedido no vitorioso empreendimento colonizador. Com suas virtudes, com seu  amor à família, sua dedicação constante, com seu trabalho duro, sua perseverança e obstinação, colocaram as pedras do fundamento de uma modalidade de civilização nova em terras brasileiras. Foram autênticos pioneiros, protagonistas de uma saga heróica, cuja história até hoje só foi contada em fragmentos. O anonimato em que costumavam viver e lutar, avessos ao barulho e à retórica vazia, fez com que levassem para a sepultura as provas do heroísmo do quotidiano e os lances, por vezes épicos, que cá e lá marcaram a aparente singeleza dessa história. 

O que essa gente pensava de Deus, do mundo e dos homens, encontra-se perpetuado em fragmentos e expresso nos epitáfios entalhados nas cruzes de seus túmulos.

O exemplo dos antepassados em todas as dimensões  existenciais motivava essa veneração. Não se tratava de um culto apenas nostálgico. Significava, isto sim, uma tomada de posição, uma reafirmação de sua história pessoal e um juramento de fidelidade às raízes. 

O trabalho
Se  a organização comunal, se a escola e a educação e sua prática foram marcas registradas dos imigrantes alemães, um outro fator igualmente decisivo para o êxito  do projeto colonizador foi o trabalho. O trabalho aqui entendido no seu sentido mais amplo. Os imigrantes, tanto os alemães quanto italianos e outros, não refugavam tarefa de espécie alguma, quando se tratava de conquistar o sucesso e melhorar as condições de vida. Porque o trabalho se constituía na condição sem a qual o êxito e o progresso estariam comprometidos. Ele se transformou num dos valores mais caros, embora trajasse muitas vezes as  roupas da dureza, da persistência, da luta sem trégua. Entre os colonizadores a execução de qualquer tipo de trabalho, por mais ingrato, humilde e desprezível que pudesse parecer, transformava-se em motivo de orgulho. A certeza de que o trabalho significava a via obrigatória rumo ao sucesso, fez dele motivo de satisfação, de enobrecimento e lhe conferia as características de um postulado ético e de um mandamento de vida. Ao trabalhador incansável, à mulher atarefada desde o amanhecer até a noite, prometia-se  a prosperidade, assegurava-se o respeito dos homens e a certeza das bênçãos dos céus.

Neste ponto os imigrantes alemães, italianos e poloneses e outros distinguiram-se em muito dos seus vizinhos lusos. Para esses últimos o trabalho braçal, as lides domésticas e  similares eram desprezíveis. Quem se prezava tratava de ficar longe delas. Para executá-las recorriam aos escravos ou peões. O senhor do engenho não comprometia as mãos operando a parafernália destinada à fabricação do açúcar. O estancieiro não criava bolhas nas mãos plantando postes de cerca e não se arriscava rasgá-las esticando arame farpado. Ficava à distancia. Ele supervisionava, o capataz comandava e os peões  pegavam no pesado.

Não fora essa a concepção e a valorização do trabalho, os imigrantes com certeza teriam naufragado em meio aos inúmeros e ingentes obstáculos que encontraram. Tomando ao pé da letra o mandamento bíblico: “comerás  o pão de cada dia com o suor do teu rosto”, enfrentaram a floresta prenhe de surpresas. E o resultado não se fez esperar. Em questão de poucas décadas, a paisagem que até então acoitara foragidos e bandoleiros, abrigara tribos indígenas dispersas e servira de covil para as feras, cedera lugar a centenas  de núcleos agrícolas nos quais labutava, de sol a sol, uma linhagem de homens e mulheres, dispostos a tudo, quando a meta era progredir.

O trabalho aliado a outras virtudes e outros valores impulsionou essa gente sempre para frente. Como um rolo compressor a que nada resistia, ultrapassaram a primeira região de colonização no Sinos, no Caí, no Taquari, no Pardo e no Jacuí, para, no final do século XIX, tomarem de assalto a Serra, as Missões e o Alto Uruguai. Entre 1925 e 1960, passaram o rio Uruguai para colonizar o centro-oeste de Santa Catarina e, entre 1960 e 1980, desbravar também o oeste do Paraná. E o avanço dos descendentes desses imigrantes não parou no Paraná. Hoje é possível encontrar descendentes remotos deles no Mato Grossos do Sul, no Mato Grosso do Norte, em Rondônia, no Acre, no Cerrado do Brasil Central, na Bahia, no Maranhão, no Amapá, em  Roraima e, não em último lugar, nas repúblicas vizinhas da Argentina e do Paraguai. Onde chegaram e armaram acampamento brotaram, de um ano para outro, nas circunstâncias mais difíceis, lavouras de milho, mandioca, soja, arroz e trigo.

Não foi por acaso que as coisas se deram e ainda continuam acontecendo dessa maneira. É que, apesar da distância de tempo e  espaço que separava  os descendentes dos imigrantes das suas raízes europeias, souberam guardar e transmitir esse fantástico valor que é o trabalho e com toda a mística e motivação ética que o envolve.

Associativismo
O associativismo praticado pelos teuto e ítalo brasileiros coloca-nos frente a mais uma das grandes contribuições que eles legaram. Demonstraram uma capacidade incomum de  criar formas associativas e uma inesgotável versatilidade em praticá-las. A imagem bíblica do feixe de varas que a tudo resiste, o lema do mutuo engajamento. “viribus unitis” – “unindo forças”, aliado ao apelo cristão “omnibus omnia” – “ tudo para todos”, alimentaram a filosofia, os meios e estratégias do sucesso. 

O associativismo sob suas mais diversas formas, transformou-se no meio mais eficaz de os imigrantes praticarem o lazer, cultivarem a arte, desenvolverem o esporte, manterem-se fieis ao espírito religioso, promoverem a educação e a cultura, de dinamizarem, enfim, a atividade econômica. A capacidade de se associarem e a facilidade de se engajarem em empreendimentos comuns foram de importância decisiva na conquista do sucesso. É nisso que consiste um dos legados mais importantes e uma das contribuições mais valiosas. 

NB - Informações exaustivas sobre o Associativismo encontra-s em duas obras do autor desses “Flagrantes”; “O Associativismo Teuto-Brasileiro e os Primórdios do Cooperativismo no Brasil” e “Somando Forças – O projeto social dos jesuítas no sul do Brasil”. Ambas essas obras foram publicadas pela Editora da Unisinos, o primeiro em 1988 e o segundo em 2011.

O Teuto-Brasileiro de hoje
No período entre as duas guerras mundiais operou-se entre os alemães do sul do Brasil, um fenômeno de grande importância. Correu paralelo e, até certo ponto, em direção oposta ao desejo dos imigrantes de aprenderem a língua portuguesa e firmarem-se como cidadãos. Pode-se dizer que funcionou em muitos casos como freio, baixando aparentemente o ritmo da integração definitiva. Falamos da fidelidade que  mantiveram aos seus dialetos e às tradições dos seus antepassados. A incapacidade de as autoridades estaduais e federais entender somado à recusa de aceitar esse aparente paradoxo, terminou por gerar no final dos anos de 1930, a Campanha de Nacionalização de  triste memória. 

Essa atitude, contraditória e conflitante na aparência, foi o resultado das próprias peculiaridades históricas em que se plasmou a identidade germânica. Auto definir-se como alemão não significava referenciar-se a fronteiras nacionais. Não significava servir a um regime político ou filiar-se a uma ideologia. O elemento síntese estava na unidade étnico-cultural, real ou presumida. Tanto podia alguém ser alemão e cidadão do estado alemão, como também cidadão austríaco, suíço ou russo. O que antes de mais nada os unia, eram os laços de sangue, de etnia e de cultura. Para todos os efeitos práticos eram alemães aqueles que tinham emigrado de algum dos territórios em que predominava a “ordem alemã”. Neles fora gerada a germanidade - o “Deutschtum”. Aí  encontravam-se suas raízes e se consolidara a sua identidade. A cidadania jurídica e as fronteiras nacionais, por mais importantes que fossem, não passavam, em última análise, de eventualidades históricas. Podiam mudar e, de fato, mudavam, no ritmo em que mudavam os regimes políticos e se alternavam os governos. O que permanecia, apesar de tudo, era o fato de serem “alemães”. 

Ora, esse elemento iria necessariamente entrar como fator decisivo, quando da sua inserção definitiva como cidadãos na nacionalidade brasileira. Para eles era a coisa mais óbvia e mais  coerente assumir essa cidadania com todas as consequências legais, permanecendo, contudo, alemães como seus antepassados o haviam feito na Alsácia, em Luxemburgo, na Hungria ou na Rússia. Esse entendimento do conceito de cidadania, desvinculada da raça, da etnia, da cultura, para muitos foi e é ainda difícil de entender. Coerentes consigo mesmos e fieis à sua história, trataram de pôr em prática essa concepção também no Brasil. 

Da atitude diária somada  ao atendimento dos requisitos formais do exercício da cidadania, os teuto-brasileiros souberam também recorrer à retórica, ao discurso para expressar  as suas intenções. Falando a um plateia de lideranças teuto-brasileiras em Santa Cruz do Sul, em 1936, Franz Metzler deixou o seguinte testemunho:

Sou brasileiro. Eu me confesso fiel a minha pátria. Amo-a com todo o ardor do meu coração e com toda a força da minha personalidade, não menos que qualquer outro, a quem a pátria é sagrada, ama e deve amar a sua.

Entretanto  declaro-me fiel à etnia alemã, aos hábitos alemães e à maneira de ser alemã.

Todos conhecem a afirmação: mantemo-nos fieis à cultura alemã, à maneira de  ser alemã, porque desta maneira serviremos melhor ao Brasil. Ouvimos  este depoimento em qualquer discurso festivo e em qualquer declaração de princípios por parte de teuto-brasileiros. Eu o subscrevo com todas as letras no sentido de que permanecendo fiéis à germanidade temos condições de desenvolver plenamente a nossa personalidade para desta forma nos transformarmos em membros úteis da sociedade nacional ( ... ).  (Metzler , 1836, p. 8)

Desde as primeiras horas em que aqui chegaram,  os  alemães prepararam  a nova terra para ajusta-la à sua maneira de encarar esse desafio. Organizaram suas comunidades, seus serviços, sua infraestrutura, seus negócios e o lazer de acordo com a tradição. Como alemães haviam embarcado para o Brasil e como alemães pretendiam continuar ao indefinido, no tocante à cultura sem, entretanto deixar de agir como cidadãos brasileiros. Assim continuaram procedendo sem imaginar que, algum dia, alguém pudesse julga-los menos brasileiros por isso.  Não suspeitaram que os  dialetos que falavam e os costumes que praticavam, pudessem  servir de motivo para suspeitar da  autenticidade  das suas reais intenções aqui no Brasil.

Continuaram, portanto, agindo como o fizeram nos primeiros setenta ou oitenta anos. A diferença que foi-se impondo com o correr dos anos, resumiu-se no aprendizado da língua vernácula, na tomada definitiva da consciência que eram cidadãos brasileiros e na adaptação às peculiaridades circunstanciais daqui. E o resultado foi e é, ainda em grande parte, o personagem conhecido como teuto-brasileiro. 

Essa atitude resultou em episódios curiosos, mas certamente muito significativos. Alguns antigos escravos negros que haviam  convivido durante anos com os colonos alemães, não falavam português mas o dialeto dos colonos. No período mais agudo da Campanha de Nacionalização, em plena segunda guerra mundial, um deles chegou a declarar com muita convicção: “Nós alemães temos que nos unir”. 

This entry was posted on domingo, 8 de maio de 2022. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.