A Natureza como Síntese - 73

A nova linguagem interdisciplinar. A partir do momento em que as Ciência Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas as Letras e Artes celebram um pacto para, solidários e mutuamente comprometidos, entender cada vez melhor o nosso maravilhoso mundo e seus inquilinos com destaque para o homem, um novo  vocabulário conceitual começou a circular nos meios acadêmicos empenhados em produzir um conhecimento fundado numa perspectiva interdisciplinar. É fundamental que os especialistas dos mais variados  campos, intercambiem experiências, se sirvam de conceitos a que as partes atribuam o mesmo sentido. Em outras palavras, é indispensável que se fale a mesma língua nesse esforço que visa o entendimento entre os muitos segmentos do saber, um discurso honesto, desarmado, sincero. Vão nesse sentido os dois conceitos, “Weldbild e Weldauffassung – o retrato, a imagem do mundo e o significado do mundo ou a cosmovisão” formulados por Erich Wassmann. Cabe ao cientista desenhar o retrato tangível, visível e material, com os dados fornecidos pelos  métodos e técnicas de investigação empírica, o “Weldbild”. Ao filósofo e ou teólogo compete identificar o “donde, o como e o porque” do retrato do mundo desenhado pelo cientista. Em outras palavras, o sentido que lhe confere razão de ser, isto é, os significados que lhe garantem vida, sentido  e identidade, para a compreensão do mundo, ou a cosmovisão. Se a cosmovisão, a compreensão do universo e da natureza, a “Weldauffassung”, não for legitimada pelos dados que a ciência oferece, ela será “cega”. O retrato do mundo, o “Weldbild” é “manco” se não passar de um volume maior ou menor de informações aleatórias detectadas pela ciência.

Um outro conceito que vem fazendo parte cada vez mais frequente da linguagem dos cientistas que se ocupam com a natureza como um todo, a natureza como síntese e, de modo especial preocupados com a saúde do planeta, é a Ética. Apelam para a Ética como como argumento mais convincente. Note-se que o conceito na sua origem   é   próprio do linguajar da Filosofia e a Moral, sua versão religiosa, da Teologia. Como outros conceitos, o Darwinismo, por ex., a ética foi incorporada no  mundo conceitual de outros campos do conhecimento. Conquistou um lugar obrigatório nas mais diversas áreas dos conhecimentos aplicados, com a finalidade de disciplinar o comportamento dos respectivos profissionais. Fala-se muito em ética médica, ética no exercício da advocacia, ética na atividade econômica, ética social e por aí vai. 

Com cada vez maior frequência e mais insistência cientistas de renome como Edward Wilson, Francis Collins, Dobzhansky, para ficar com três cuja concepção da natureza foram analisados mais acima, terminam em colocar a ética, a capacidade de o homem distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado como terreno comum para a diálogo interdisciplinar. É óbvio que isso não acontece quando se debatem questões exclusivamente científicas e especializadas. Num encontro entre botânicos ou zoólogos sistematas, geólogos à procura de minérios ou campos de petróleo, entre outros, não é o lugar para falar em Ética. 

 Mas é na compreensão e no convívio do homem com a  natureza que,  cada dia que passa, essa relação ganha mais importância. Toda uma área de conhecimento a “Bioética”, vem se tornando mais popular e os que a ela se dedicam gozam cada vez de mais respeito e suas opiniões em questões ambientais são levadas em conta com muita seriedade. E é no plano das preocupações ecológicas que a Ética, mais especificamente o conceito de Bioética, assumiu um papel chave, como plataforma comum,  sobre a qual cientistas, filósofos, geógrafos, economistas, juristas, ecologistas sérios, têm condições de se entender, falando a mesma linguagem. A razão que subjaz aos esforços de qualquer profissional sério e ativista digno deste nome, consiste em tratar “a natureza como um bem comum”. Relembramos a máxima que colocamos como motivação  para escrever essas reflexões: “A natureza vive e sobrevive sem o homem, mas o homem não vive nem sobrevive sem a natureza”. Os motivos, os dados e argumentos que validam essa afirmação já foram exaustivamente confirmados pelas autoridades científicas que forneceram as informações que nortearam as reflexões que registramos até aqui. Cabe repetir mais uma vez chamar a atenção para o significado mais profundo que se esconde atrás da ideia chave que nos vem orientando até aqui. A espécie humana está existencialmente inserida na natureza. Sobrevive nela e dela em todos os níveis da sua identidade. Portanto, a natureza representa um bem comum e como tal, todo e qualquer ser humano tem o direito de usufruir dos seus benefícios. Por isso mesmo, o comprometimento com o equilíbrio da natureza se constitui num  dever ético, que deve ser sobreposto a qualquer outro interesse, quando a questão ambiental entra em discussão. 

“Sistema” é mais um  conceito que faz parte do dicionário interdisciplinar quando se procura entender  a natureza na sua globalidade. Foi popularizado por Ludwig von Bertalanfy, e amplamente e consistentemente formulado na sua obra clássica: “Teoria Geral dos Sistemas” (trad. port. Vozes, 2008). Salvo melhor juízo trata-se da formulação de uma síntese global que contempla todos os níveis e áreas do conhecimento, a começar pelas Ciências Naturais, passando pelas Humanas, as Letras, Artes e Filosofia. Como tal oferece, senão o melhor, certamente uma das fundamentações teóricas mais consistentes, para as iniciativas sérias de qualquer natureza e procedência, em favor da saúde do nosso planeta. Se no parágrafo anterior argumentamos com o sentido ético da natureza, como justificativa para o interesse pela saúde do meio ambiente, a Teoria Geral dos Sistemas, contribui com a fundamentação científica e até técnica para justificar o mesmo propósito. O conceito de sistema segundo Bertalanffy não resume a natureza a uma máquina, um relógio que funciona perfeita e automaticamente. A montagem do sistema como o defendido pelo autor citado, tem a sua razão de ser amarrada a uma teleologia, ou se quisermos, destinado a produzir resultados que não se resumem na soma do desempenho das partes e funções de cada peça. Há uma tarefa a cumprir um objetivo a alcançar. Esse fato implica de um lado que a participação de cada peça, cada componente do sistema tem razão de ser em função em relação ao que lhe compete contribuir para o bom funcionamento do todo em vista do fim para que existe. Do outro lado a contribuição de cada um é indispensável na proporção e no nível  que lhe compete no sistema como um todo. A lógica da conclusão não deixa dúvidas.  por mais insignificante que pode parecer um componente ele cumpre uma tarefa indispensável. No caso de não comprometer o funcionamento essencial diminui de alguma forma a sua qualidade e os seus resultados.   
Um bom exemplo é um organismo vivo superior como o do homem. Na base da sua estrutural e funcional estão as células. Organizadas em tecidos, órgãos, aparelhos e sistemas formam o organismo. A destruição de um número menor de células por alguma lesão, obviamente não ameaça a  viabilidade do todo, mas de alguma forma, mesmo imperceptível, afeta o todo. O avanço das pesquisas científicas  somadas às conquistas da medicina  comprovam que a destruição de certos órgãos não compromete organismo como um todo, mas reduz a qualidade de vida da pessoa e limita de igual forma seu desempenho na razão direta da função afetada. A solução para órgãos como o coração, o fígado,  pulmões,  rins, etc., quando comprometidos no seu funcionamento,  soluciona-se até certo ponto com o transplante. Mesmo nesses casos o risco da rejeição prova que a natureza caibrou as células,  órgãos,  sistemas e  aparelhos,  em função de cada indivíduo. 

Da mesma forma como um organismo vivo funciona como um sistema, ressalvadas as peculiaridades, a natureza é um “organismo” à sua maneira, um mega sistema. O conceito compreende, em última análise, o universo e a natureza com todos os seres vivos que integram a biosfera. É nessa percepção da Natureza que se  encontra o argumento que justifica as ações de qualquer natureza a serviço de qualquer causa. Mas vamos restringir-nos à Natureza como sistema e a morada imediata de todas as espécies vivas conhecidas e, ao mesmo tempo, o cenário na qual evoluíram, prosperaram ou se extinguiram. Perguntamos: o que  afinal é a Natureza?. Edward Wilson assim a define: “A Natureza é  aquela parte do ambiente original e de suas formas de vida que permanece depois do impacto humano, Natureza é tudo aquilo que no planeta Terra não necessita de nós e pode existir por si”. (Wilson, 2006, p. 23)

Wilson pondera que para muitos essa definição não tem valor prático, porque não há recanto no planeta que não sofreu com a presença do homem. Todos os espaços disponíveis já foram tão humanizados e, por isso mesmo, descaracterizados ao ponte de se duvidar da existência de ecossistemas  que conservam a sua identidade original. Subsistem poucos quilômetros quadrados que nunca foram pisados pelo homem. Somos obrigados a dar parcialmente razão a essa visão pessimista. Poluentes industriais de tudo que é procedência e natureza, sobrecarregam anualmente a atmosfera e carregadas pelas correntes aéreas e marítima até além dos círculos polares, ameaçando inclusive o equilíbrio das calotas perenemente congeladas dos polos. O efeito estufa  agravado por esse processo fazendo subir gradativamente a temperatura média da terra põe em xeque a vida em espaços cada vez maiores. O autor observa ainda  que a maior parte da megafauna terrestre, que compreende animais que pesam de quilos ou mais, já foi caçada até a extinção. A fauna das planícies e florestas do mundo contemporâneo tem pouca semelhança com o majestoso desfile de gigantescos mamíferos e ave que foram levados à extinção pelos habilidosos caçadores do Paleolítico Boa parte dos animais sobreviventes está na lista dos ameaçados. Há 12 mil anos, a fauna das planícies americanas era mais rica do que a hoje existente na África. (Wilson, 2006, p. 24).

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