Bertalanffy passa então a mencionar os campos do conhecimento e os diversos níveis em que se encontram esses campos, nos quais há possibilidade de aplicar o conceito de Sistema. Para tanto ele elaborou uma tabela na qual destaca o nível em que o conceito de sistema pode ser aplicado; a descrição do nível acompanhado com exemplos; a teoria e os respectivos modelos.
Primeiro nível: das estruturas estáticas. Compreende os átomos, moléculas, cristais, estruturas biológicas do nível da microscopia eletrônica até o nível macroscópico. Neste nível trabalha-se com as fórmulas estruturais da química, cristalografia e descrições anatômicas.
Segundo nível: da relojoaria. Compreende os relógios em todas as suas modalidades, todos os tipos de máquinas convencionais, sistema solar e cósmicos em geral. Neste nível lida-se com a física convencional, as leis da mecânica newtoniana, einsteiniana e outras mais.
Terceiro nível: mecanismos de controle. Compreende a auto-regulação por termostatos, servomecanismos, os mecanismos que regulam a homeostase nos organismos vivos. Corresponde ao nível da cibernética, retroação, informática com todos os seus desdobramentos, sistemas de informação, sistemas de comunicação ...
Quarto nível: sistemas abertos. Um exemplo típico é a chama, as células e organismos em geral. Não está clara a possibilidade de aplicar a teoria física em sistemas que se mantém em fluxo contínuo como é o caso do metabolismo ou a armazenagem de informações no código genético.
Quinto nível: os organismos inferiores: inclui todos os vegetais. Os sistemas vão se diferenciando tendo como base a “divisão do trabalho”. Entra em questão a diferença entre o indivíduo reprodutivo e o funcional, isto é entre reprodução da espécie e a estrutura e o funcionamento do “soma”, do organismo vegetal. Neste nível ressente-se da falta de teorias consistentes e modelos adequados.
Sexto nível: os animais. Os sistemas caracterizam-se neste nível pela crescente importância e aprimoramento da circulação de informações que dependem da evolução de receptores adequados, sistemas nervosos e, quem sabe outros, capazes de veicular a aprendizagem, condicionar o funcionamento dos instintos e explicar as formas incipientes de memória e consciência. Aplica-se aqui a teoria dos autômatos, fenômenos reguladores, retroação ... Neste nível começa a ficar evidente que cresce a dificuldade de reduzir simplesmente a modelos matemáticos, físicos, mecânicos a causalidade de manifestações tão complexas como são por ex., o instinto, a consciência e a memória.
Sétimo nível: o homem. No homem estão presentes de alguma forma os seis níveis anteriores. Na descrição desse nível Bertalannfy colocou o simbolismo, noção do passado e futuro, a individualidade e o mundo, autoconsciência e como consequência a comunicação pela linguagem, como diferenciais para o nível humano.
Sem a pretensão de querer diminuir a maneira como o autor formulou as características do nível humano, penso que se torna mais fácil de entender a diferença entre o nível animal e o do homem colocando como ponto de partida simplesmente aquilo que os diferencia de vez, isto é, a Inteligência Reflexa. A nível animal fala-se em instinto, inteligência e memória. No homem encontramos tudo isto também, mas o fosso que separa de vez os dois níveis está na Inteligência Reflexa. O homem sabe e conhece como o animal, o que, a rigor, é o que basta para que os instintos cumpram sem riscos de errar as suas funções, seguindo um caminho retilíneo que não admite desvios e alternativas. Pode-se afirmar que o animal sabe de fato o que lhe convém e o que lhe é prejudicial. Munido de Inteligência Reflexa o homem é capaz de saber o “Porque” do seu saber. Este diferencial faz com que seja capaz de analisar, de refletir, de comparar, de selecionar, de optar, de imaginar e seguir vias alternativas, de optar, de abstrair, etc. etc. Assim está de posse da percepção de um passado, presente e futuro, da consciência da individualidade original e inédita, da formulação de cosmovisões originais. E, para que esse potencial sem limites resulte na construção de sistemas culturais, sociais, políticos, econômicos, religiosos, requerem-se, permanecendo fiel ao mundo conceitual de Bertalanffy, sistemas simbólicos, sistemas de linguagem, sistemas lógicos, sistemas filosóficos, sistemas éticos, sistemas morais, sistemas teológicos. Com isso estão contemplados os níveis oitavo e nono do esquema original de Bertalanffy. O oitavo ocupa-se com os sistemas sócio-culturais e o nono com os sistemas simbólicos.
Não é aqui nem o momento nem a oportunidade de entrar mais a fundo nos elementos estruturais e funcionais de um sistema como caminho que leva à compreensão dos fatos e fenômenos de natureza individual, coletiva ou global. As reflexões que viemos fazendo ao longo das páginas que precederam tiveram como objetivo analisar concepções integradoras da natureza. Na sua origem essa iniciativa teve como preocupação encontrar um contraponto à tendência generalizada à fragmentação, à compartimentação, à dispersão, ao exagero de especialização, à atomização que domina, para não dizer tiraniza, a produção do conhecimento em meio à atmosfera da pós-modernidade em que nos encontramos.
Uma observação mais atenta da “hierarquia dos sistemas” de Bertalanffy por ele adaptada de uma proposta de Boulding, faz perceber um paralelismo surpreendente com a visão integradora da natureza e universo de Teilhard de Chardin. Não há evidências mais explícitas de que este tenha influído na formulação sistêmica da natureza como um todo e nas partes individualizadas daquele. Considerando, porém, que Bertalanffy publicou o”Biologisches Weltbild” e “Theoretische Biologie” no final da década de 1940 e começos de 1950, na década final da vida de Teilhard de Chardin, é de supor que tenham tomado conhecimento mútuo das suas obras e das respectivas conclusões relativas à natureza. De qualquer forma a hierarquia dos sistemas a começar pelos mais simples ou as “estruturas estáticas” na base e terminando no homem com seus sistemas “sócio-culturais” e sistemas “simbólicos”, proposto por Bertalanffy, aproxima-se em muito de uma réplica do fio condutor que perpassa o “Fenômeno Humano” de Teilhard, polarizado pela “Pré-Vida”, a “Vida”, o “Pensamento” e a “Sobrevida”. Ampliando mais essa reflexão descobre-se que a coincidência de cosmovisão dos dois eminentes cientistas, não é original nem num nem no outro. Ainda na transição entre a Idade Média e a Renascença, ainda na fase pré-científica, Nicolau de Cusa formulou a sua concepção do mundo e da natureza no mesmo sentido ao propor com o seu “ex partibus omunibus ellucet totum” – “as partes denunciam o todo”. Nicolau de Cusa não dispondo de evidências científicas teve o acerto de suas conclusões confirmado por von Bertalanffy e Teilahrd de Chardin, em dados obtidos pelas Ciências Naturais. Teilhard partiu dos seus sólidos conhecimentos científicos em geral e, principalmente, dos conhecimentos especializados em paleoantropologia, arqueologia, etnografia, etnologia e outras áreas afins e valendo-se de instrumentos conceituais como “complexificação”, “ponto alfa e ponto ômega”, “consciência”, “interioridade”, “árvore da vida”, “cefalização”, “cerebralização”, “litosfera”, “biosfera”, noosfera” e outros mais, concluiu pela unidade estrutural, funcional e teleológica da Natureza. Von Bertalanffy, tirou a mesma conclusão valendo-se dos seus conhecimentos especializados em Biologia e áreas complementares como a química, a física, modelos matemáticos, etc. Construiu a base teórica da sua concepção em torno dos conceitos de “organismo e sistema”. Condensou tudo nas duas obras de referência: “Biologisches Weltbild” e “General Theory of Systems”. A Natureza, incluindo o homem, vem a constituir-se numa grande unidade, num “Sistema”, fruto da integração e interação de subsistemas dos mais simples aos mais complexos.
Assim existe um arranjo de modelos de sistemas, mais ou menos avançados e complexos. Certos conceitos, modelos e princípios da teoria geral dos sistemas, tais como ordem hierárquica, diferenciação progressiva, retroação, características dos sistemas definidas pela teoria dos conjuntos e dos gráficos, etc., são largamente aplicáveis aos sistemas materiais, psicológicos e sócio-culturais. Outros conceitos, tais como os do sistema aberto, definidos pela troca de matéria, limitam-se a certas subclasses. A prática da análise aplicada aos sistemas mostra que é preciso aplicar diversos modelos de sistemas, de acordo com a natureza do caso e os critérios opcionais. (Bertalanffy, 2009, p. 50)
Esse quadro dos sistemas classificado em hierarquias um tanto modificado e adaptado pelo autor encontra-se nas pág. 50-51 da “Teoria Geral dos Sistemas de Bertalanffy.