A Natureza como Síntese - 38

O exemplo clássico neste particular é o transporte do oxigênio dos pulmões para todos os tecidos. Todo o processo resume-se  no restabelecimento do equilíbrio químico entre o oxigênio,  a hemoglobina e a oxihemoglobina. Em concentrações elevadas o oxigênio é transferido para o sangue e combina-se quimicamente com a hemoglobina. Por fim na baixa pressão do oxigênio nos tecidos, desfaz-se a oxihemoglobina e o oxigênio é liberado. Como se pode  verificar realiza-se neste particular um verdadeiro equilíbrio embora muito efêmero. O mesmo já não se pode afirmar do organismo como um todo. Os processos de troca  de elementos levam a um estado estacionário, não, porém, de equilíbrio no verdadeiro sentido da palavra. Apesar de aparentemente estacionário a afluência de elementos  novos e a eliminação dos resíduos, é ininterrupta em qualquer organismo vivo.

Conclui-se daí por uma evidente diferença de fundo entre um sistema em equilíbrio e um organismo. No primeiro caso tem-se um sistema de todo em todo estacionário. O equilíbrio é total no todo e entre as diversas partes. As partes componentes não reclamam o aporte de matérias primas novas e a eliminação de sobras e resíduos, simplesmente porque não os há. Nada entra e nada sai. O sistema em tais situações está fechado a qualquer exigência e o equilíbrio é perfeito. Os componentes de um sistema fechado dessa natureza permanecem sempre idênticos e imutáveis. No organismo vivo as coisas passam-se de maneira bem diferente. Mesmo que à primeira vista se pareça com um sistema estacionário acontecem nele atividades constantes. Os componentes  do organismo como sistema estacionário são renovados, substituídos, incorporados, oxidados e os resíduos eliminados, num fluxo contínuo enquanto a vida estiver presente. Trata-se, portanto, de um sistema estacionário aberto em oposição ao sistema estacionário fechado dos sistemas anorgânicos e orgânicos sem vida. Enquanto a entrada, a elaboração química, a incorporação e a eliminação se calibram e se equilibram mutuamente, estamos frente a um organismo vivo. “A vida, portanto, consiste na mudança automática de dupla face, ou no metabolismo automático”. (Bertalanffy, 1951, p. 50)

Todos os organismos vivos, a começar pelos unicelulares mais simples até os metazoários mais complexos, são sistemas abertos estacionários e cada qual, de acordo com seu modo peculiar de ser, realiza o auto-metabolismo. A partir dos mais diversos elementos  como carbono, oxigênio, nitrogênio, etc., cada espécie de organismo elabora e incorpora a quantidade e a qualidade exata de que necessita para continuar vivo.

Depois de definir e descrever o que vem a ser um sistema aberto von Bertalanffy avança para  mostrar que o organismo vivo vem a ser o produto de uma estruturação múltipla  de extrema complexidade.  Resulta do concurso harmonioso de milhares de subsistemas maiores ou menores, mais ou menos complexos, que calibram e ajustam sua participação no todo funcional que é um organismo vivo. Explicando. O organismo compõe-se de células, tecidos, órgãos, aparelhos e sistemas. Observando sob a ótica funcional a célula por si só já é um minúsculo e complexo sistema aberto. Sendo assim ela é capaz de vida própria quando se apresenta como protozoário, ameba, alga unicelular ou outro qualquer. O mesmo pode afirmar-se, ao menos em termos, das células embrionárias e células-tronco dos metazoários. Tratando-se, porém, de células especializadas, funcionalmente direcionados nos organismos vivos superiores, elas só desempenharão suas funções específicas quando incorporadas estrutural e funcionalmente no respectivo tecido, órgão, aparelho ou sistema. Um tecido  ou um órgão separado do organismo como um todo não tarda a perder todas as atividades próprias de um sistema aberto. Morre em pouco tempo e decompõe-se. Mesmo no caso de transplante de órgãos não muda o essencial dessa realidade. Acontece que o coração de alguém que morreu num acidente, mesmo parado, ainda dispõe de um prazo limitado, dentro do qual está em condições de retomar suas atividades e funções, sob a condição de ser incorporado por  transplante, num outro organismo similar.

O organismo, portanto, fundamenta-se  nas condições de sua construção sistêmica, mantém-se  em intercâmbio constante com suas partes. Von Bertalanffy afirma no segundo volume da sua “Theoretische Biologie”: “Todo o sistema orgânico vivo acha-se em constante troca  de elementos. Sua característica  básica  consiste no fato de que o sistema como um  todo  sustenta-se pela mudança ininterrupta de suas partes”. (Bertalanffy, 1951, p. 49)

A engenhosa arquitetura  do organismo faz prever  uma estreita dependência entre as diferentes  partes. Nenhuma delas, entretanto, se basta a si mesma. Suas peculiaridades só se manifestam quando em interação com as demais. Cada elemento em particular executa sua função pela interação com as outras, tendo como  finalidade a preservação o bem-estar  e harmonia do todo.

No sistema que é o organismo vivo, portanto, observa-se uma total hierarquia e harmonia de funções e competências. Reina uma perfeita coordenação entre todas as partes. O organismo é uma complexa e refinada e harmoniosa estrutura de sistemas abertos, começando pelos mais elementares que são as células aos mais complexos como são os órgãos, os aparelhos e os sistemas. Acontece que nenhum deles em particular se basta a si mesmo. Numa integração harmônica constituem o organismo vivo. Mas é importante ressaltar  outro viés dessa situação. O conceito e as particularidades do organismo não resultam da soma matemática das funções das partes e a compreensão dos processos de interação que ocorre entre elas. Percebe-se algo a mais. E é este “a mais” que faz a diferença entre um organismo vivo e um cadáver. O empiricamente constatável consiste no fato de que de um  sistema aberto de equilíbrio instável que caracteriza o ser vivo, passa-se para um sistema fechado de equilíbrio estável. Mas o diferencial mesmo observa-se nos efeitos que escapam às análises próprias das ciências chamadas exatas. Não é aqui o lugar e o momento de entrarmos mais  a fundo na análise de como e a partir de que “fator”, que “causa”, que “motor”, faz com que um sistema aberto de equilíbrio instável, passa à categoria de um organismo vivo que se reproduz, que mantém as funções vitais, que nos metazoários são garantidas pelas complexas estruturas e funções especializadas dos tecidos, órgãos,  aparelhos e sistemas, harmonicamente sincronizados, integrados e calibrados. E na medida em que se sobe na escala das categorias dos seres vivos ou organismos vivos, a complexificação das estruturas e funções orgânicas  condicionam manifestações que  se somam umas às outras. Começam com a vegetatividade, passam pela sensibilidade, por diversos estágios e graus de instinto, consciência e memória, ainda a nível pré-humano. E, finalmente, com o surgimento do homem, o vegetativo, o sensitivo, o instintivo, a consciência  e a memória, encontram a sua culminância na “Consciência Reflexa”.  

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