A Natureza como Síntese - 36

Ludwig von Bertalanffy (1900-1972)

O perfil de Ludwig von Bertalanffy.  Nas páginas acima  as nossas  reflexões tiveram como linha orientadora as conclusões sobre a natureza de cientistas que também foram religiosos. Como não podia deixar de ser, suas conclusões sobre a origem, a evolução e o destino final do universo ao alcance dos métodos das ciências experimentais, tiveram como fio condutor subliminar, o compromisso com postulados filosóficos e teológicos inegociáveis. Fizeram de tudo para que a seriedade e a credibilidade da pesquisa dos objetos específicos de cada um não fosse viciado pela filiação doutrinária. Na formulação das sínteses parciais e, de modo especial, nas globais esse comprometimento teve uma importância decisiva, na condição de pano de fundo, que serviu de moldura. Foi assim com Erich Wassmann, Teilhard de Chardin e de maneira mais flagrante com Balduino Rambo. Discreta ou  declaradamente adeptos do criacionismo, a lógica dos dados científicos que foram identificando em suas especialidades, foram-se alinhando para uma concepção holística, unitária e sintética da natureza.  Nas páginas que seguem pretendemos identificar a partir de resultados obtidos por autoridades, de referência mundial  em suas especialidades, como também eles concluíram pela unidade da natureza, possível somente quando as Ciências Naturais, as Ciências Humanas e as Letras e as  Artes se complementam mutuamente. Selecionamos os nomes dentre as maiores autoridades em Biologia: Ludwig von Bertalanffy, em Genética: Thedosius Dobschansky e Francis Collins, em Zoologia: Edward Wilson. Somamos aos cientistas o Filósofo da Esperança: Ernst Bloch.

Ludwig von Bertalanffy é mais um desses representantes emblemáticos que empenharam o melhor dos seus esforços e talentos no sentido de encontrar na natureza algo mais do que elementos  justapostos, leis  físicas e processos biológicos atuando fortuitamente, sem vinculações a nível de causas e efeitos. Nasceu na época em que as Leis de Mendel foram por assim dizer redescobertas e fizeram sua entrada triunfal na galeria das descobertas mais revolucionárias da biologia. A sua entrada no mundo das Ciências Naturais e da Filosofia como adolescente na universidade de Innsbruck, coincidiu com os famosos debates que se travavam entre Ernst Haeckel e seus admiradores, os profetas do monismo materialistas e Hans Driesch, Erich Wassamnn, Carl von Baer, Oscar Hertwig, Teilhard de Chardin, defensores de uma compreensão holística da natureza. Ludwig von Bertalanffy consolidou e formulou a sua proposta organísmico-sistêmica do mundo e da natureza, na mesma época, nas décadas de 1920 a 1950, em que Teilhard de Chardin concebeu  a sua grandiosa visão do universo, da natureza e do homem e Balduino Rambo deixou em seu diário os fundamentos para  uma síntese não menos ousada entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Mas as coincidências não se limitam ao período cronológico em que os nomes citados consolidaram as suas concepções. Identificam-se também pela formação que lhes serviu de plataforma para ousarem enfrentar tamanhos desafios. 

É supérfluo insistir que Nicolau de Cusa dispunha de excelente formação filosófica e teológica e, a partir dessas perspectivas formulou a sua cosmovisão do mundo, sintetizada  na afirmação “ex partibus omnibus  ellucet totum”. Na mesma linha situa-se Erich Wassmann ao dar forma à sua visão científico-filosófica do universo e da natureza. Na condição de padre jesuíta vinha munido com a formação clássica, filosófica e teológica que a ordem exigia dos seus membros na época, isto é, segunda metade do século XIX e primeira do século XX. Sobre esse pano de fundo soube harmonizar perfeitamente sólidos conhecimentos de Ciências Naturais em suas pesquisas pioneiras sobre a vida nas colônias de formigas e térmites. Somente uma formação tão abrangente habilitou-o a propor uma ponte, à primeira vista talvez muito simples, mas, de tão simples, supunha uma compreensão na qual as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, tem condições reais de celebrar um encontro que leva a compreender a unidade na pluralidade de formas e a origem e natureza da complexidade dos processos que operam na natureza. Wassmann ensina que cabe ao Cientista, munido com seus instrumentos de trabalho e os métodos apropriados, as abordagens empíricas, apresentar o “Weltbild”, o retrato, a representação do mundo. Este vai sendo retocado, redesenhado e atualizado na medida e no ritmo em que os cientistas e a ciência descobrem novos dados. Munidos com eles  reformulam ou abandonam afirmações ultrapassadas e atropeladas por novas descobertas que levam à proposição de novas teorias e hipóteses. Por natureza, portanto, o “Weltbild” é tão dinâmico quanto é dinâmica a própria Ciência. 

Segundo Wassmann, a tarefa do Filósofo consiste em, a partir dos dados fornecidos pela Ciência e a forma  peculiar de processá-los do ponto de vista das reflexões intelectuais que sugerem, conceber a “Weltauffassung”,  a cosmovisão. Fica claro, portanto, que para entender cada variável em particular que entra na composição da natureza e o conjunto delas formando um todo, requer-se o esforço solidário do cientista e do filósofo. Não há condições de, a partir de uma abordagem unilateral oferecer respostas conclusivas sobre a natureza dos fenômenos naturais, as leis e os processos que os comandam e, de modo especial, que tipo de totalidade, de todo ou unidade que   formam, além das causas  que explicam a sua origem e a teleologia que determina o seu rumo. Conclui-se que  o caminho para a compreensão do universo e da natureza precisa ser trilhado num esforço  solidário pelas Ciências  Naturais e as Ciências do Espírito. Trata-se de uma missão a ser cumprida a muitas  mãos sob pena de deixar para trás graves lacunas que prejudicam tanto um quanto o outro lado. Conclui-se ainda que é de uma vantagem difícil de avaliar se o cientista vem munido com uma sólida bagagem de conhecimentos humanísticos com destaque para a Filosofia e o filósofo de posse de informações científicas amplas e profundas. Sob este aspecto Ludwig von Bertalanffy vem a ser um exemplo clássico. Começou a sua formação em História da Arte e Filosofia na universidade de Innsbruck concluindo-a na universidade de Viena. Os conhecimentos de matemática, física, química, ciências naturais e humanas, indispensáveis para a sua visão organísmica e sistêmica da natureza, adquiriu-as sobre essa base. Mas tentemos condensar a cosmovisão de Bertalanffy.  

Bertalanffy  conquistou definitivamente um nome respeitado entre os pensadores e cientistas do século XX por apontar ao cientista, ao filósofo e ao teólogo um caminho para superar as dificuldades de diálogo que se tinham instalado entre essas diversas áreas do conhecimento. Na evolução do pensamento de Bertalanffy observam-se dois momentos de amadurecimento. O primeiro aconteceu no final da década de 1940 e princípios de 1950. Em 1949 saiu pela Edit. Franke o “Biologisches Weltbild” e em 1951 pela mesma editora a obra em dois volumes da “Theoretische Biologie”. No primeiro, um volume relativamente modesto, o autor expõe a concepção “organísmica” do ser vivo. “Theoretische Biologie” em dois alentados volumes, reúne por assim dizer, os dados empíricos que forneceram as bases científicas para o “Biologisches Weltbild.” O segundo momento  do amadurecimento e consolidação do pensamento de von Bertalanffy, situa-se no final da década de 1960. Culmina com a publicação da “General Theory of Systems”, publicado em 1968, traduzida para o português  com o titulo “Teoria Geral dos Sistemas”, editado pela “Vozes de Petrópolis”. 

Entre a publicação do “Biologisches Weltbild” e “General Theory of Systems”, passaram-se 20 anos. Von Bertalanffy como pensador e cientista incansável foi ampliando e aprofundando as bases empíricas sobre as quais e a partir das quais terminaria formulando a “Teoria Geral dos Sistemas”. Essa obra por assim dizer, resume a caminhada científica e filosófica do autor, falecido em 1972. O fio condutor, o “Leitmotiv”, do esforço de três décadas de rigorosas investigações científicas, complementadas por reflexões de não menor profundidade, resultaram numa obra que não pode passar despercebida para aqueles que lidam com questões de fronteira entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. O ponto de partida parece ter sido uma aproximação da questão mais pelo lado filosófico do que pelo científico no sentido rigoroso do termo, pois, uma conferência de von Bertalanffy publicada em Viena em 1947, leva o titulo: “Vom Sinn und der Einheit der Naturwissenchaften” – “O Sentido e a Unidade das Ciências Naturais”. Dois anos mais tarde veio à luz o “Biolgisches Weltbild” no qual, apoiado em observações  empíricas, o organismo vivo é visto e descrito como um “sistema aberto”, que não pode ser entendido como simples soma das estruturas e funções  que o integram. Mas este é um assunto a ser aprofundado mais abaixo. 

Estamos, portanto, diante de um filósofo-cientista que vai procurar na matemática, na física, na química e nos diversos campos da biologia, elementos e argumentos capazes de dar solidez ao seu edifício organísmico-sistêmico. Observa-se neste particular um parentesco não declarado entre o paradigma conceitual e o caminho para implementá-lo entre Bertalanffy e Erich Wassmann. Este atribui às Ciências Naturais o papel de desenhar o “Weltbild”, o quadro, o estado da arte momentâneo da natureza, sugerido pelos dados científicos disponíveis num determinado momento.  Bertalanffy vale-se do mesmo conceito com o mesmo sentido no livro “Biologisches Weltbild e o faz permear as páginas da “Teoria Geral dos Sistemas”. Não se vale do conceito de “Weltauffassung” com o destaque que lhe dá Wassmann, mas no último parágrafo da obra conclui com uma declaração inequívoca neste sentido.
A concepção mecanicista do mundo dominante no século passado relacionava-se estreitamente com o predomínio da máquina, a concepção teórica dos seres vivos como máquinas e a mecanização do próprio homem. Os conceitos cunhados pelos modernos  progressos científicos têm porém sua mais evidente exemplificação na própria vida. Assim há a esperança  de que o novo conceito do mundo estabelecido pela ciência seja a expressão de um progresso dirigido para um novo estágio da cultura humana. (Bertalanffy. Teoria Geral dos Sistemas. Op. Cit. p.333)

Depois dessas considerações  introdutórias sobre Ludwig von Bertalanffy, vamos dedicar aos conceitos de “Organismo e Sistema” o espaço necessário para entender o que o autor entende quando os enuncia. 

This entry was posted on segunda-feira, 27 de dezembro de 2021. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.