A Natureza como Síntese - 28

A produção literária e científica

O  volume mais significativo dos escritos do Pe. Rambo são de natureza científica, tendo como cenário de fundo a taxonomia botânica. E foi a botânica sistemática que lhe garantiu nome nacional e internacional. É óbvio que na descrição de um gênero, uma família ou uma variedade de fanerógamos, não há espaço para grandes voos poéticos e estéticos. O estilo dessa produção deve ser por natureza enxuto, técnico e preciso, como manda  que sejam textos com objetivos  científicos. 

Entre os escritos propriamente dito literários e científicos  o legado do Pe. Rambo conta com um volume impressionante de outros textos, na maioria inéditos. Situam-se num patamar intermediário e ocupam a maior parte do diário, descrições de excursões científicas, relatos de viagem, alguns contos em alemão erudito, além da sua obre de referência: “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”. Nesses textos não falta o rigor científico. Os dados são reais e objetivos, mas os recursos literários e o estilo preferido pelo autor, vem carregados de descrições e reflexões que mexem com a mente, alimentam a fantasia e fazem com que o leitor viaje na imaginação por uma paisagem viva, povoada de personagens, de dramas, de mistérios, de simbolismos, de significados, de misticismo. Em outras palavras. A forma de apresentar uma caminhada pelos campos de Cambará, por ex., não se resume numa sucessão mecânica de atos de coletar o maior número possível de espécies de plantas. As reflexões que acompanham e complementam a tarefa, refletem a preocupação pelo lugar, de um modo mais amplo e os simbolismos de que os mínimos detalhes são portadores. Ao mesmo tempo seus escritos sugerem e fazem vislumbrar, em meio à infinita multiplicidade de detalhes, a convergência harmônica para uma unidade, que confere sentido a tudo. Renato Dalto, autor do texto da obra comemorativa do centenário do nascimento do Pe. Rambo, resumiu com rara precisão, o que vínhamos tentando dizer.

O Pe. Balduino Rambo nasceu, viveu, pesquisou e se expressou na natureza. Quando menino, ainda no pátio da casa paterna, em Tupandi, região de colonização alemã no vale do Caí, onde nasceu no ano de 1905, considerava as árvores no fundo da casa seu brinquedo predileto. Quando foi estudar na Escola Apostólica, em Pareci Novo, em 1917, o passeio pelas matas dos arredores lhe aguçou o gosto pela botânica e a geografia. Isto foi determinante na sua vida de pesquisador. Seus relatos da natureza são grandes mapas descritivos – o conceito de  fisionomia, no qual  primeiramente enxerga o todo para depois entrar nos detalhes. O detalhe é visão do botânico, mas há também a busca da síntese entre ciência e religião, os questionamentos da alma, o vigor literário e a construção poética de ver couraça revestindo pedras, atribuir memória a acidentes geológicos, escutar a canção das águas, ouvir o murmúrio do divino  em meio à névoa da noite. (Tavares, Eduardo – Dalto Renato.  2007. p. 12)

Foi exatamente essa forma peculiar de apresentar dados isolados, paisagens locais ou fisionomias globais, que fizeram do Pe. Rambo um sábio de reconhecimento perene. Seus ex-alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Colégio Anchieta ainda vivos, intelectuais que privaram  com ele ou vieram a conhecê-lo pela obra que deixou, lembram-se dele com sincera veneração. Guardam dele a memória de um especialista e sábio que soube aliar como poucos, o rigor científico à sensibilidade de um poeta, às reflexões de um filósofo, e jesuíta que foi, perceber na paisagem natural as marcas da presença do Criador, como concluiu Renato Dalto: “Talvez visse nos pinheirais a mediação entre o céu e a terra, um caminho próximo para entender Deus” (Tavares, Eduardo – Dalto, Renato. 2007. p. 12). Assim como para Francis Collins o código genético é a “Linguagem de Deus”, para o Pe. Rambo Deus fala uma linguagem eloquente, para quem tem olhos para enxergar e ouvidos para escutar a natureza, nas suas macro micro e nano manifestações. 

Tomando em conta os múltiplos campos do conhecimento em que o Pe. Rambo se movimentou, entende-se que sua obra encontre  dificuldades para ser avaliada no todo e nos diversos enfoques. A começar pelas diversas especialidades às quais se dedicou e sobre as quais deixou registradas suas reflexões, fica difícil, senão impossível, decidir em qual delas foi maior. E como maior não entendemos aqui o volume da produção específica, mas o significado e o valor de cada uma. Uma avaliação conjunta da produção literária, não deixa dúvidas sobre o valor tanto do objeto quanto da forma. A leitura dos contos e das cartas fictícias em dialeto, era disputada com avidez e paixão pelo público  a quem foi endereçado. A outra série de contos em alemão erudito, versando sobre temas regionais do sul do Brasil, atingiram o público leitor internacional, pois, foram publicados no periódico “Katholische Missionen” (Missões Católicas), de circulação internacional. Seu último conto expressa suas preocupações com uma civilização cada vez mais empolgada e rendida ao fascínio da tecnologia. Com o titulo “Drei Jahre auf dem Mars” (Três anos em Marte), veio a ser publicado anos depois do seu falecimento. Além de se constituir numa peça literária primorosa, o conto “Três Anos em Marte”, põe em evidência o polo para o qual convergiam todos os interesses do Pe. Rambo: Os textos que deixou, além dos que acabamos de mencionar, muitos inéditos como os diários de suas viagens, em 1956 para os Estados Unidos e em 1959 para a Alemanha, na condição de convidado oficial pelos governos daqueles países, demonstram o que para ele de fato interessava. Descobrir na diversidade das manifestações da Natureza o fio condutor que as une e lhes dá sentido. E se há uma baliza, uma referência que confere harmonia ao aparente caos, qual a sua natureza? Na condição de jesuíta  estava comprometido com a fé de que tudo que existe e acontece em nossa volta tem a sua origem num Deus Criador. Para ele a Criação e consequentemente o Criador, são dados objetivos. Dispensam provas. Mais ainda. Não há como entender o Universo, a Natureza e Homem sem esse pressuposto. Para ele, como para São Paulo, Santo Agostinho, Nicolau de Cusa, os últimos seis  papas e muitos outros, a Natureza é “O Livro” da Revelação por excelência. Todos os demais livros e  formas de Revelação conhecidos na história dos povos, não passam de versões consolidadas no decorrer da história das respectivas culturas. Por isso mesmo vêm marcadas pela visão e os cacoetes peculiares de cada uma em particular. O Pe. Rambo deixou explícita a convicção de que a Natureza e tudo que nela existe tem a sua origem e razão ser em um Deus Criador, no seu diário de 24 de junho de 1945. 

À primeira vista, a Tua Criação nem mesmo se apresenta como ordenada, mas como uma grande confusão: grande confusão o teu firmamento estrelado, grande confusão o edifício dos reinos do saber, uma confusão muitas vezes assustadora o roteiro da Tua Providência na História da Humanidade. Nós, cientistas, trazemos dentro de nós um certo pressentimento e um salutar temor face a  toda essa confusão. Imprimiste em nós um resplendor do Teu próprio ser e por isso sabemos de ante mão, que por trás dessa aparente balbúrdia reina uma maravilhosa harmonia. Mais ainda!. Que é tarefa nossa perseguir as meadas desse sistema  e explicar com transparência sua interligação. Até certo ponto somos nisso bem sucedidos e às vezes invade-nos a ilusão de termos descoberto a planta do mundo e agora a saberíamos fixar no papel preto sobre branco. Pena que, num último momento, algum das Tuas divagações ou digressões põe sempre em dúvida a consistência de todo esse edifício! Eis porque somos obrigados a sempre recomeçar, embora saibamos perfeitamente que também esta vez a conta não irá fechar. Empilham-se nossos livros, e nossas bibliotecas continuam  a crescer que é uma espanto. Muitos dos nossos opinam que, a partir das raízes desse tronco frágil podem esquadrinhar o próprio mistério da Tua ordem universal. Desenrolam e vasculham os pergaminhos de épocas passadas, dialogam com traças e escorpiões de livros, reduzem  cinquenta velhos volumes a um só, e chamam tal proeza de “Ciência”. (Rambo, Balduino. 1994. p. 127-128).

Teilhad de Chardin elaborou um complexo e sólido fundamento conceitual que garante lógica  e solidez para  fundamentar as suas obras de referência: “O Fenômeno Humano” e “O homem na Natureza”. Percebe-se um esforço penoso para não se desviar do caminho escolhido ao arquitetar para a sua grandiosa concepção do universo e nele o homem, e conferir-lhe coerência à base dos dados científicos de que dispunha na época. Esses dados provam, pelo menos para ele e seus admiradores, que o mudo em que vivemos revela-se como uma gigantesca unidade, Bertalanffy diria um gigantesco “Sistema”. 





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