Conclusões sobre a cosmovisão de Teilhard de Chardin
As reflexões que nos levaram até aqui deixam claro de que sempre houve preocupação ao nível da Ciência e, evidentemente, da Filosofia e da Teologia, em relação aos questionamentos de fundo, implícitos no Universo, na Natureza e no Homem. Platão, Sto. Agostinho, Nicolau de Cusa, Spinosa, Hans Driesch, Oscar Hertwig, Karl von Baer, Erich Wassmann, Teilhard de Chardin, Theodosius Dobzansky. Ludwig von Bertalanffy, e, mais recentemente Francis Collins, Edward Wilson, entre outros, formularam as suas respostas. Cada qual, partindo de um ponto de vista particular e singular, fez suas observações e chegou a uma conclusão coerente com os dados que dispunha, interpretados de acordo com sua cosmovisão peculiar. Por caminhos diferentes e partindo de ângulos de observação originais, chegaram à mesma conclusão. Na imensa Pluralidade que nos cerca, e não poucas vezes, nos confunde, percebe-se uma Unidade que, de um lado explica a própria diversidade e, do outro, confere-lhe uma razão de ser a ultrapassa. Em outras palavras. Estamos diante de doutrinas diferentes que iluminam a partir de perspectivas diferentes a Verdade que é uma só. “Doctrina multiplex, Veritas una” – “As doutrinas são muitas, a Verdade uma só”
A justiça manda que nessa galeria de sábios não se omita o nome do Pe. Balduino Rambo (1905-1961), contemporâneo de Teilhard de Chardin (1881-1951) e Ludwig von Bertalanffy (1901-1973). Em comum com primeiro merece lembrar que foi jesuíta, condição aliás partilhada também com Erich Wassmann (1859 – 1931). Acontece que não há registros, pelo menos até agora, de algum contato por correspondência entre os três nem referência um do outro nas suas obras científicas. De que o pensamento de Erich Wassmann era-lhe familiar pode ser deduzido do fato de em seus espólio encontrar-se a obra clássica dele: Die Moderne Biolgie und Entwicklungstheorie. A ausência de um intercâmbio de ideias mais permanente explica, pelo menos em parte, os caminhos aparentemente opostos que os dois jesuítas, Rambo e Teilhard escolheram para chegar ao mesmo objetivo. Aquele que se dá o trabalho de examinar um pouco mais de perto o “Fenômeno Humano”, percebe que o caminho que Teilhard foi, senão audacioso, pelo menos de uma considerável dificuldade. A execução do plano da obra que concebeu, exigiu uma complexa arquitetura conceitual, para dar suporte e consistência à lógica ao texto. Logrou dessa forma garantir coerência à grandiosa, para muitos, genial concepção da origem, da evolução e do destino do Universo, da Natureza e do Homem. Como cientista lançou mão dos múltiplos conhecimentos nas diversas áreas das Ciências Naturais e Humanas, para assegurar objetividade à sua obra e, por isso mesmo, aceitação ou, pelo menos, respeito nas Academias de Ciências. O resultado compensou o esforço, como demonstra o depoimento de Jean Piveteau da Academia Francesa de Ciências, no prefácio que escreveu para “O Lugar do Homem na Nautreza”. É compreensível, pois, estamos na primeira metade do século X, que sua obra como um todo e, consequentemente sua proposta de mega-síntese, alvoroçasse os guardas da ortodoxia religiosa. O mesmo já acontecera no começo do século com Erich Wassmann, impedido de publicar a terceira edição da sua obra “Moderne Biolgie”. Estavam em pleno vigor os pesados documentos de Pio X, que proibiam aos católicos aceitar o evolucionismo. O que dizer então dos religiosos ? Tanto Wassmann quanto Teilhard eram jesuítas e como tais deviam obediência irrestrita às determinações emanadas do magistério superior da Igreja. Wassmann falecido em 1931, sofreu mais diretamente o impacto dos documentos pontifícios do começo do século. Nem por isso deixou de aprofundar seus estudos, publicar os resultados e concluir a sua proposta de harmonização entre as Ciências Naturais e as Ciências Humanas, tão original quanto fácil de entender. Memoráveis foram os seus confrontos nos debates públicos em Berlim, com os maiores expoentes do Monismo de Ernest Haeckel. Sua cosmovisão e as matérias que a franquearam ao grande público, foram publicadas na revista Stimmen der Zeit, entre 1910 e 1930.
Teilhard de Chardin e Balduino Rambo consolidaram ambos a suas compreensões do Universo, da Natureza e do Homem, entre 1940 e 1960. Vale observar que a Igreja por meio do Magistério Superior Eclesiástico, dava sinais inequívocos de aproximação com o universo científico. Pio XII, eleito em fevereiro de 1939 e falecido em outubro de 1958, fundou a Academia Pontifícia de Ciências, um fórum de alto nível para o qual eram convidados os expoentes das diversas especialidades, com a finalidade de implementar o diálogo entre a Ciência, a Filosofia e a Teologia. Essa mudança teve o mérito de atenuar as tensões entre a Ciência e o rigor doutrinário imposto por Pio X. Foi-se generalizando um arrefecimento gradativo das tensões e uma lenta aceitação do transformismo, como um caminho legítimo para conceber o mundo, também para os católicos. Essa tendência tomou corpo e tornou-se uma das balizas sinalizadoras das investigações, e, de modo especial, das reflexões de cientistas católicos. De outra parte, as autoridades eclesiásticas abandonaram sensatamente forçar os religiosos cientistas a pesquisar, imobilizados pela camisa de força da interpretação literal da Bíblia ou a rejeição do transformismo a qualquer preço. Assim, Teilhard e Balduino Rambo gozavam da liberdade para desenvolver suas investigações, suas observações e, de modo especial, suas reflexões, num cenário desenhado pelo evolucionismo, sem serem chamados à ordem ou estigmatizados como heterodoxos. É verdade que Teilhard foi, por algum tempo, penalizado por um tal ou qual ostracismo e chamado a explicar-se perante as autoridades eclesiásticas e da própria Ordem. Pelo que consta, o Pe. Rambo nunca foi chamado formalmente à ordem por defender em sala de aula e em palestras a sua convicção de evolucionista. De um lado não expôs-se tanto quanto o irmão de Ordem, porque sua especialidade era a taxonomia botânica, pouco propícia para uma discussão na linha da evolução e, do outro lado, porque não chegou a escrever uma síntese como o fez Teilhard no “Fenômeno Humano”. A questão foi posta num nível oficial definitivo pela Igreja com a encíclica “Divino Aflante Spiritu” de 1943 e a “Humani Generis” de 1950. Em resumo esses documentos remetem a face científica relativa ao Evolucionismo para a Ciência e para a Filosofia e a Teologia, os aspectos privativos a essa esfera.
Em 30 de setembro de 1943, Pio XII publicou a Carta Encíclica Divino afflante spiritu. Nela o papa recomenda a tradução da Sagrada Escritura das línguas originais em que foram escritas para substituir a tradicional Vulgata de São Jerônimo. Esse recurso às línguas originais, tomando em consideração o gênero literário, o ambiente histórico cultural, abriria a possibilidade de interpretações alternativas do textos sagrados. Foi o primeiro e decisivo passo para o reencontro e o efetivo diálogo entre a Ciência e a Igreja Católica.
Humani generis, promulgada por Pio XII em 12 de agosto de 1950 libera oficialmente o estudo e aceitação da teoria da evolução contanto que se preserve a doutrina relativa à criação direta da alma por Deus. O documento ensina que “A Autoridade Docente da Igreja não proíbe, tomando em consideração o presente estado da Ciência e da Sagrada Teologia, as pesquisas e discussões, baseadas na experiência dos dois campos, que envolvem a doutrina da Evolução, na medida em que aceita a origem do corpo humano a partir de um ser vivo anterior, ressalvando a criação da alma como um ato divino imediato”.