REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 96

Poderíamos descrever milhares de outras paisagens humanizadas de uma beleza indiscutível. Ao avalia-las não cabe fazer comparações pois, cada uma é única na sua moldagem numa paisagem geográfica única que não se repete e, por isso mesmo, ecoa na alma de uma forma singular. E, por isso mesmo, que a natureza como “casa” da humanidade oferece múltiplas modalidades concretas para o acontecer da simbiose entre a alma e sua “mãe e pátria”. E, para que esse acontecer não passe por desvios e traumas é preciso que a “casa” ofereça as condições indispensáveis para poder ser chamada de “Lar”, de “Querência, de “Heim”, e as milhares de outras maneiras como cada cultura conceitua “o bem morar”. Holger Zoborowski resumiu em poucas linhas a multiplicidade e complexidade dos fatores que entram em cena ao tentarmos entender toda extensão e profundidade do significado do conceito “morar” para o homem.

Independente das diferenças que nos separam, moramos numa complexa rede de espaços e compartimentos que vão da adega (porão) ao telhado, do jardim ao terraço da cozinha, da sala de estar à sala das refeições, dos quartos de dormir e do banheiro. Moramos também em espaços mais amplos: nas ruas e quarteirões da cidade, nas nossas aldeias e cidades, nos nossos países e continentes. De alguma forma moramos em todos esses espaços embora em nossas moradias não caibam esses espaços. Moramos de alguma maneira em todos eles mesmo que na prática ocupem um espaço à margem do dia adia. Acontece que o “morar”, tendo como pano de fundo esse panorama realizamos as inúmeras potencialidades da nossa condição de humanos. (cf. Zoborowski, H.) 

As reflexões que nos levaram até aqui apontam para a conclusão que, em última análise, resumem todas as outras: a inserção ontológica da espécie humana na Natureza pois, o homem é “Adam, o nascido da terra”. Por isso, a Natureza vem a ser a “Sua Casa”. A Natureza vem a ser a “Casa” da humanidade porque como a espécie biológica comunga com as demais, tanto com os micro e nano seres vivos, quanto com as categorias taxonômicas superiores de vegetais e animais, da mesma matéria prima que compõe a natureza mineral, orgânica e viva. A espécie humana obedece às mesmas leis e os mesmos fatores responsáveis pelo surgimento, a evolução, o sucesso, o brilho ou fracasso das demais. A “Nossa Casa” resume-se num gigantesco ecossistema, dividido em incontáveis ecossistemas secundários, moldados pelas inúmeras peculiaridades climáticas, geomorfológicas, hidrológicas, edafológicas, habitados por milhões, senão de bilhões ou mesmo trilhões de espécies vivas, cada uma cumprindo a sua tarefa para que o todo e suas partes se mantenham em equilíbrio. Catástrofes inesperadas como a queda do meteoro gigante na península de Yukatan no México há aproximadamente 66 milhões de anos e que levou à extinção dos dinossauros ou ciclos climáticos, assim como as glaciações, o movimento das placas tectônicas, redesenharam drasticamente a fisionomia do nosso planeta. Entre outros foram ou são eventos globais e foram necessários centenas de milhares ou até dezenas de milhões de anos, para reparar os estragos causados à Natureza. Inúmeras espécies de plantas e animais foram extintas. Outras tantas tomaram o seu lugar. Mas, não se pode esquecer que a par dos  acontecimentos  de dimensões universais, eventuais ou cíclicos, a natureza como um sistema vivo, passa ininterruptamente por reajustes, remodelações, readaptações, comandados pelos processos químicos, pelas leis da física, pela movimentação das placas sólidas que formam a crosta terrestre flutuando sobre o magma em contínua movimentação, pela dinâmica biológica da evolução e todos os demais fatores que comandam o surgimento, a ascensão das espécies vivas e garantem o sucesso e/ou o declínio e extinção de outras tantas. E, somado aos eventos e agentes naturais vem somar-se a intervenção humana praticamente imperceptível durante todo o Paleolítico sobrevivendo e multiplicando-se coletando, caçando e pescando o que a “mãe terra” oferecia espontaneamente. Com a agricultura e a criação de animais começou a longa caminhada da invasão e agressão progressiva dos ecossistemas naturais dando lugar a ecossistemas humanizados. Na mesma cadência do aperfeiçoamento das tecnologias de manejo da terra e a multiplicação dos rebanhos de ovelhas, cabras, bovinos, suínos, aves e outras tantas espécies domesticadas, foram encolhendo os espaços até então ocupados por florestas, savanas, campos naturais, desertos e, principalmente, as terras planas de aluvião no curso médio e inferior dos grandes rios. Com a entrada triunfal da máquina em todas as suas modalidades, o homem foi invadindo, desfigurando e reconfigurando até ao irreconhecível não poucas paisagens naturais da “nossa casa”, ou então dando origem a ecossistemas humanizados de indiscutível beleza. As conquistas tecnológicas dos últimos 50 anos permitiram que a face original do nosso planeta se tornasse quase irreconhecível. Os sinais de perigo piscam e soam em todos os níveis chamando à reponsabilidade pequenos e grandes, ricos e pobres, poderosos e cidadãos comuns, a darem-se as mãos para evitar um colapso irreversível  da “nossa casa”, da “nossa mãe e pátria”.  “E isto exige sentar-se a pensar e discutir acerca das condições de vida e de sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de por em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo”. (Laudato si, 138).


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