A Natureza como Síntese - 6

Aos poucos os conceitos que alimentaram a beligerância, a guerra aberta, entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, cederam lugar a conceitos que colocaram essa relação em outras bases. Parece importante destacar alguns dos mais representativos.

Erich Wassmann trabalhou com os conceitos de Weldbild e Weldauffassung. O Weldbild ou “retrato da natureza” refere-se às realidades naturais objeto da investigação pelos métodos empíricos das diversas especialidades desenvolvidas pelas Ciência Naturais. Os dados obtidos resultam num retrato momentâneo da natureza. A formulação da Weldauffassung ou “Cosmovisão” é tarefa privativa do filósofo ao formular o significado, a razão de ser e o destino da Natureza e nela a posição do homem. Wassmann aponta assim para  necessidade de uma ação de complementariedade entre o cientista e o filósofo. Sugere ainda como consequência lógica que, tanto a Ciência quanto a Filosofia, tem algo a dizer sobre a natureza das realidades que compõe o universo; que  nem um nem outro dispõe dos instrumentos para chegar sozinho a uma resposta conclusiva e definitiva; que nos defrontamos com o desafio em que o “Weldbild” desenhado pelos cientistas fornece os dados empíricos para que o filósofo formule a “Weldauffassung”; que tanto o cientista quanto o filósofo se complementam  no esforço de aproximar-se  de uma resposta consensual sobre o que decide em última análise nesta busca, isto é onde e como o “Weldbild” e a “Weldauffassung”   se harmonizam e coincidem. Em outras palavras a Unidade radical  expressa na Multiplicidade, a Luz  que se manifesta nos milhares de cambiantes e combinações de cores. 

Hans Driesch contemporâneo de Erich Wassmann com base em observações feitas em embriões de ouriços do mar, concluiu que no ser vivo operam dois princípios. De um lado são as estruturas e funções biológicas e do outro o princípio vital. As duas realidades presentes em qualquer ser vivo acontecem não numa relação de reciprocidade complementar de importância igual e no mesmo nível. A relação e interdependência é de subordinação como ele mesmo o deixou claro ao explicar a sua concepção com a metáfora do navio. O “princípio vital” comanda as estruturas e funções vitais assim como o “capitão comanda o navio”. O avanço de Driesch em direção a uma concepção unitária dos seres vivos, foi considerável, mas não conseguiu superar a velho dualismo que justapõe as realidades empíricas às realidades não materiais, o espírito e a matéria, se é que não ocupam posições antagônicas.

Três décadas mais tarde entra em cena Teilhard de Chardin.   Enquanto Erich Wassmann partiu das suas observações com formigas e térmites e Hans Driesch de embriões de ouriços do mar, Teilhard de Chardin, inspirou-se  na formulação da natureza, do universo e do homem, em observações de paleontologia geral, paleontologia humana e dados complementares fornecidos pela biologia nos seus mais diversos campos. “Complexificação” foi  o conceito chave de que Teilhard se valeu. Complexificação não no sentido de “agregação” como acontece com uma pilha de tijolos que cresce por adição de sempre mais unidades; não no sentido de  “simples repetição geométrica” como se dá o “crescimento” de um cristal; mas por “combinação” que resulta numa realidade formada por um certo número fixo de elementos (o número na importa), num conjunto fechado como por ex. o átomo, a molécula, a célula, o metazoário ... Cada nível de complexidade guarda em potencial a possibilidade de passar a outro nível de complexidade estrutural, que a certa altura resulta no passo para a vida. Desdobra-se no número infinito de suas formas e categorias, para terminar no homem e projetar-se para além, para uma perspectiva cósmica. O grande motor da cosmogênese é a “complexificação” com todo o potencial de avanços e recuos que acompanham o fenômeno. A esta visão do universo subjaz a convicção da existência de um ponto de partida, um “Alfa” e um ponto de chegada ou de convergência, um “Ômega”. Pressupõe também a unidade do cosmos que se desdobra em milhões de maneiras de se manifestar, sempre amarradas a elementos estruturais básicos e comuns, manipulados por processos e leis também universais, operando nos limites estabelecidos pelo nível de  “complexidade”.  A cosmogênese assemelha-se assim a um caudal, impulsionado por uma poderosa teleologia que, apesar da diversidade que o caracteriza, os fluxos e refluxos que o animam e as calmarias ou turbulências que caracterizam seu percurso, vai ao encontro do oceano, do “omega”.

Contemporâneo de Theilhard de Chardin foi o biólogo Ludwig von Bertalanffy.  Associou-se ao mesmo esforço de encontrar um ponto de convergência entre as ciências naturais e as dos espírito. Se o instrumento teórico utilizado por Teilhard foi  “complexidade”, “complexificação”, Bertalanffy vale-se do conceito de “sistema”. A esses vão somar-se, entre outros, Nicolau de Cusa,  Theodosius Dobszhansky,  Balduino Rambo,  Francis Collins,  Edward Wilson, só para citar alguns dos mais expressivos.

  O resumo bibliográfico encontra-se no capítulo abaixa em que sua cosmovisão  é amplamente detalhada.
  A identificação biográfica de Ludwig von Bertalanffy encontra-se na introdução do capítulo abaixo que expõe sua Teoria dos Sistemas.
  Nicolau de Cusa nasceu em 1401 em Kues no distrito de Bernkaste-Kues no Mosela na Alemanha e faleceu em 1464 em Todi na Itália. Cardeal e filósofo é  um representante emblemático de pensador na transição da Idade Média para a  Renascença. Seu pensamento reflete bem as contradições como reflexo do período. As ciências começam a despontar com vigor ao mesmo tempo em que o misticismo se faz valer com igual intensidade. Além de pensador  representando o mundo intelectual da época, foi um grande administrador, cumpriu encargos diplomáticos a serviço do papa. Sua obra principal intitula-se “Docta Ignorantia”. Nela distingue 4 graus do conhecimento. l. Os sentidos dão a imagem confusa da realidade; 2. A razão as ordena; 3. a razão especulativa  as unifica; 4. a contemplação intuitiva alcança em Deus o conhecimento da unidade dos contrários. 
  Theodosius Dobzhansky. Os dados da sua identificação biográfica encontram-se no capítulo abaixo que se ocupa com sua tese sobre a natureza.
  Balduino Rambo: Sua identificação biográfica pode ser encontrada na introdução do capítulo relativo à sua maneira de conceber a natureza como síntese.
  Francis Collins. Sua identificação biográfica, como no o caso dos anteriores, introduz o capítulo relativo à sua concepção da natureza.

This entry was posted on quinta-feira, 28 de outubro de 2021. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.