A Relação Homem-Natureza
A relação diuturna, íntima, existencial entre o homem e a natureza, não pôde deixar de despertar a curiosidade para entender os processos naturais. Acontece que ele não foi um mero espectador dos acontecimentos que movimentavam o mundo ambiente em que vivia. Em sintonia com ela elaborou a sua cultura e construiu a sua história. Ele próprio foi um dos protagonistas, um dos atores em meio a essa dinâmica. Sua inserção nela se deu em todas as dimensões existenciais: no plano físico, biológico, instintivo, racional e espiritual. Pelo físico, como se apontou mais acima, situa-se numa dimensão que o nivela com a natureza mineral, no biológico com a vegetal e animal, no instintivo com o animal e pelo racional e espiritual, supera e distancia-se dos demais níveis. Teilhard de Chardin diria que o homem insere-se existencialmente na “litosfera” e na “biosfera”, mas supera essas duas dimensões porque, pela inteligência reflexa, dando existência à “noosfera”. Mas em todos os níveis, num mais noutro menos e, à sua maneira, as circunstâncias naturais deixam suas marcas indeléveis. Afinal o homem encontra-se existencialmente inserido no contexto natural. Não é aqui o lugar para examinarmos como aconteceu e como nesta relação simbiótica as coisas se deram no plano material e instintivo da vida do homem e da sua cultura. Deixamos esta análise para os estudiosos da biologia humana, para os etnógrafos, os etnólogos e os historiadores da cultura.
Tomando como base a publicação das fontes referentes à história ambiental, para que as presentes reflexões devem servir de introdução, o interesse em primeiro lugar concentra-se no que eles tem a oferecer e a sugerir em termos de uma cosmovisão ambiental.
A inserção existencial do homem no universo natural ou, repetindo mais uma vez, a relação simbiótica existente na sua raiz, fica evidente nos traços mais diversificados, mais discretos e nas aparências até mais insignificantes.
Basta um olhar um pouco mais atento para nos convencermos do acerto desta afirmação. Entre os povos agricultores, por exemplo, o sol e a lua, a alternância mensal das suas fases e da sucessão das estações do ano, fez com que construíssem o seu mundo simbólico, com todo um universo de costumes, hábitos, valores, crenças, cultos e rituais. O sol definia os ciclos anuais e, pela alternância das estações comandava a preparação da terra, a semeadura, a germinação das sementes, crescimento, o florescimento, a maturação dos frutos e, finalmente, a colheita. Em meio ao fluxo e refluxo, germinar, nascer, crescer, declinar e morrer, fenômenos pela sua natureza astronômicos, cosmológicos, geográficos, climatológicos, transformaram-se em fatores causais de fundamental importância na consolidação da identidade dos povos e culturas.. A primavera passou a simbolizar o germinar da vida, a infância, a juventude; o verão o vigor e a plenitude adulta; o outono a colheita dos bons ou maus resultados; o inverno o declínio e, finalmente a morte para, em seguida, germinar nova vida e recomeçar o eterno vir e devir. A sucessão e o ritmo das estações e os ciclos da vida confundem-se simbolicamente numa única e mesma dinâmica. Fala-se então em primavera da vida, outono da vida, inverno da vida. Pela mesma importância em não poucas culturas o sol e a lua são cultuados como divindades.
No mesmo sentido vai toda uma compreensão de outras realidades naturais. Cito apenas algumas mais. A água como elemento indispensável à vida, figura como objeto de veneração na história de inúmeros povos. Água e vida tornaram-se sinônimos. Como a água que dá vida é, por excelência, aquela que se bebe nas fontes, brotando da rocha ou das entranhas da terra, atribuem-se às próprias fontes propriedades curativas especiais, efeitos mágicos, milagrosos ou afrodisíacos. Combinada com outras realidades, mereceu ser cultuada em não poucas culturas. Assim, por exemplo, prometia-se em não poucas tradições vida longa e saudável para quem se banhasse no primeiro dia do novo ano numa fonte, brotando diretamente da terra ou da rocha.
Não é por nada que a água, pela importância vital para o equilíbrio da natureza como um todo e pela dependência dela para a vida e a morte da vida na terra, foi explorada com finalidades terapêuticas na bases de suas propriedades naturais e as atribuídas pelo homem nas suas tradições culturais. Não é aqui o momento para explorarmos em profundidade essa importante questão. Cabe, entretanto, um exemplo para ilustrar a importância e a popularidade que método da cura pela água assumiu no final do século XIX e começos do século XX. O exemplo mais emblemático no recurso à água como terapia para curar praticamente todas formas de problemas de saúde, foi o método aperfeiçoado por Sebastian Kneipp, um simples pároco da cidadezinha de Woerishofen na Baviera. Inspirado no livro dos Reis 4 capítulo 5, vers. 10: “vai e lava-te sete vezes no Jordão e tua carne recupera a saúde e tu a pureza”, elaborou o método: “Minha Cura pela Água – A cura pela água e a preservação da saúde”. Na condição de pároco no interior da Baviera, sul da Alemanha, entrou em contato com inúmeros casos de doentes e doenças as mais variadas por parte de pessoas pobres simples que não tinham acesso aos médicos e medicamentos convencionais. Para estes ele ofereceu seu método experimentado por anos, com resultados extraordinários. Na introdução para a primeira edição 1886, chamou a atenção para a intenção que o levou a se interessar pelo problema da “saúde do corpo ao mesmo tempo que cuidava da saúde da alma”.
Dediquei-me com especial atenção e amor às classes mais pobres e sem acesso à medicina convencional. A eles dedico em primeiro lugar o meu livrinho. Por isso seu estilo é simples, despido sem recurso ao linguajar técnico, em forma coloquial. (...) De forma nenhuma tenho a intenção de polemizar com qualquer orientação da medicina formal. Tenho a impressão que a publicação tem o seu valor no fato de que um leigo no assunto se ocupe com uma questão tão importante e contribua com sua experiência diária com o povo. Recebo com gratidão sugestões e críticas. (cf. Kneipp, 1886, p. III-IV). A aceitação do Método Kneipp foi de tal ordem que entre 1886 e 1891 foram publicadas nada menos do 33 edições. Fundamenta-se no pressuposto de que todas doenças que de alguma forma são passíveis de cura, encontram solução com a utilização da água pois, tem como objetivo atacar a raiz de todos os males. Em resumo são os seguintes: 1. Dissolver no sangue os agentes das enfermidades; 2. Eliminar os causadores das doenças diluídas no sangue; 3. Fazer com que o sangue purificado circule normalmente; 4. Por fim restabelecer as resistências debilitadas do organismo.
Seu colega de estudos Mathias Pfluger, desenganado pelos médicos, submeteu-se ao método Kneipp. Recuperou-se completamente, ordenou-se sacerdote e, depois de entrar na Companhia de Jesus, foi enviado pelos superiores da Alemanha para trabalhar na Missão dos Jesuítas no Sul do Brasil. Fundou e consolidou a Paróquia de Tupandi, hoje município com o mesmo nome, onde faleceu em 1905 com 77 anos. Na época, segunda metade do século XIX, atendimento médico formal e consultórios de médicos diplomados, só em Porto Alegre. Essas circunstâncias fizeram com que o Pe. Pfluger popularizasse entre seus paroquianos e comunidades vizinhas o Método Kneipp. Ainda hoje, mais de 100 anos depois da morte do pároco, mesmo com assistência medica acessível nos rincões mais remotos, o recurso à práticas de cura pela água ainda são frequentes especialmente em casos nas gripes tão comuns em certas estações do ano.
Tão populares como o Método Kneipp as clínicas de hidroterapia, sob a responsabilidade de médicos e profissionais da saúde credenciados, atendiam em centros urbanos, em sítios de águas termais, oferecendo uma infraestrutura completa e credenciada pelas autoridades sanitárias.
Pelo mistério que costumam envolver montanhas, vulcões, lagos e os próprios mares e oceanos, terminaram por personificar figuras mitológicas ou representar lugares sagrados, que passaram para o imaginário dos povos na forma de crenças, mitos e tabus. Os deuses e deusas do monte Olimpo, distantes dos homens, entregavam-se às suas intrigas e pouco se importavam com o que acontecia no quotidiano dos mortais. A atitude olímpica tornou-se sinônimo de uma postura sobranceira, distante, alienada e desprezadora da realidade, por assim dizer, acima do bem e do mal.. O vulcão Fuji simboliza a própria história do povo japonês. Espíritos que não toleravam a presença do homem povoavam lagos como o de Lhangue no Chile, fazendo com que suas proximidades permanecessem despovoadas até a chegada dos imigrantes alemães em meados do século XIX.