Como
que acabamos de registrar aparece um outra questão de não pouca importância. As
contingências que caracterizam a civilização pós-moderna encontra na tecnologia
um dos concorrentes mais poderosos do trabalho. “A orientação da economia
favorece um tipo de progresso
tecnológico cuja finalidade é reduzir os custos de produção com base na
diminuição dos postos de trabalho, que são substituídos por máquinas”. (Laudato
si, 128). Assim, na mesma proporção em que a tecnologia avança a automação vai
deixando pelo caminho milhares e milhões de pessoas sem trabalho, privando-as
do instrumento, senão o mais poderoso pelo menos de um deles, que conferem
razão de ser de uma vida com um mínimo de dignidade. Dessa forma a tecnologia
como instrumento indispensável para o progresso dos povos e da humanidade com
um todo, carrega na sua própria essência como motor do progresso, o potencial
de voltar-se contra o próprio homem. Torna-se cada vez mais dramática a
administração e eficiente para neutralizar os efeitos que minam e corroem o que
a Encíclica chama de
“capital social”, isto é
daquele conjunto de relações de confiança, de credibilidade, de respeito das
regras, indispensáveis em qualquer convivência civil”. Em suma os custos
humanos são sempre também custos econômicos, e as disfunções econômicas
acarretam também custos humanos. Renunciar a investir nas pessoas para se ter maior receita imediata é um péssimo
negócio para a sociedade. (Laudato si, 128).
Esse
panorama que, de um lado assusta visto de uma outra perspectiva também está em
condições de sugerir caminhos para superar esse “gargalo” em que a humanidade
se encontra entalada. Para começar é tempo perdido esperar que a solução venha
das muitas formas de encontros nacionais e internacionais que têm como agenda
analisar as diversas questões que se
relacionam com o meio ambiente, formular políticas globais e estratégias que tem como objetivo soluções
globais. Não passam de um teatro em que governantes, estrategistas e
organizações de todas as cores, feitios e interesses se apresentam na grande
mídia como os salvadores do planeta e consequentemente da humanidade. Não vamos
nos deter em aprofundar essas encenações pois, já foram objeto nas reflexões
mais acima. De um lado o panorama não é
nada animador, contudo não é desesperador. Se as encenações e a grandiloquência
dos encontros internacionais das últimas décadas, pouco ou nada resolveram com
seus projetos, cronogramas e estratégias, pergunta-se, por onde começar? A
Encíclica aponta para uma saída que tem como base a produção de alimentos, os
insumos, portanto que se destinam a suprir as necessidades de um vida
minimamente digna das pessoas, o relacionamento social produtivo, o
fortalecimento do “capital social”, enfim uma sociedade comprometida com o
bem-estar do todo e dos indivíduos. Num modelo
desse feitio há espaço favorável para incentivar uma atividade altamente
produtiva e, ao mesmo tempo, não destrói o meio ambiente em que prospera.
Consolida com ele uma parceria que torna possível fazer dele “uma casa” habitável, aconchegante
que oferece os elementos, todos os
elementos para atender às necessidades de existência humana digna tanto material
como espiritual. Parece que foi com essa a intenção o ensinamento da Escritura:
“Deus colocou o homem num jardim e lhe deu como tarefa cultivá-lo”. A evolução das tecnologias para
cultivar o “jardim”, metáfora que significa a natureza, acompanharam obviamente
as muitas formas e etapas da história somadas às características geográficas em
que prosperaram. Há poucas décadas lavrava-se a terra com juntas de bois ou
cavalos, hoje dispomos de máquinas mais eficientes e mais produtivas para
trabalhar a terra. A motosserra livrou
os trabalhadores praticamente de todos
os serviços pesados no lidar com a madeira bruta, como traçadores, foices e
machados. Em resumo. Inúmeras outras novidades tecnológicas facilitam a cada
dia que passa o esforço humano na produção de alimentos tornando-o atrativo
para os jovens com disposição para se dedicar a esse tipo de atividade. Convém
não esquecer que estamos falando da produção em pequenas áreas de terra
responsáveis por bem mais da metade dos alimentos que abastecem as populações
locais com frutas, hortaliças, leite, vinho e outros quesitos que não podem
faltar numa alimentação saudável. Não é aqui o momento de uma reflexão mais aprofundada sobre o agronegócio praticado em escala
gigantesca, em áreas de dezenas de milhares de hectares de monoculturas
negociadas nas bolsas internacionais de comodities. Esses empreendimentos tocados por tecnologias de ponta, em vez de
criar empregos, dispensam cada vez mais o braço humano. A validade desses mega
empreendimentos justifica-se plenamente pela contribuição robusta na formação
do PIB e com ela no volume de recursos disponíveis para que os administradores
tenham condições de atender aos serviços públicos que são de sua competência.
Em sendo o trabalho, neste momento, a preocupação da Encíclica a sugestão que
faz tem como foco a produção em áreas de poucos hectares, em fração de hectares
e mesmo em hortas de fundo de quintal.
Para se conseguir continuar
a dar emprego, é indispensável promover uma economia que favoreça a diversificação
produtiva e a criatividade empresarial. Por exemplo, há uma grande variedade de
de sistemas alimentares rurais de pequena escala que continuam a alimentar a
maior parte da população mundial, utilizando uma porção reduzida de terreno e
de água e produzindo menos resíduos quer em pequenas parcelas e hortas, quer na
caça e e recolha de produtos silvestres, quer na pesca artesanal. As economias
de larga escala, especialmente no setor agrícola, acabam por forçar os pequenos
agricultores a vender suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais.
As tentativas feitas por alguns deles no sentido de desenvolverem outras formas
de produção, mais diversificadas, resultam inúteis por causa da dificuldade de
ter acesso aos mercados regionais e globais, ou porque a infraestrutura de
venda e transporte está ao serviço das grandes empresas. As autoridades têm o
direito e a responsabilidade de adotar
medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à diversificação da produção. Às vezes, para que haja uma
liberdade econômica da qual todos realmente beneficiem, pode ser necessário pôr
limites àqueles que detêm maiores recursos e poder financeiro. A simples
proclamação da liberdade econômica, enquanto as condições reais impedem que
muitos possam efetivamente ter acesso a ela e, ao mesmo tempo, se reduz o
acesso ao trabalho, torna-se um discurso contraditório e desonra a política. A
atividade empresarial, que é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza
e melhorar o mundo para todos, pode ser uma maneira fecunda de promover a
região onde instala os seus
empreendimentos, sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte
imprescindível do seu serviço ao bem comum. (Lauato si, 129).
Nessa passagem a Encíclica dá ênfase à
agricultura com potencial de oferecera as condições para suprir a necessidade
de postos de trabalho. Neste segmento da atividade econômica é preciso tomar em
consideração que ele se desdobra em dois modelos com características próprias
que precisam ser tomadas em consideração. O agronegócio de monoculturas em
grande escala em terras favoráveis para o manejo com o que de mais moderno a
agro tecnologia tem a oferecer. Falamos de máquinas de todos os feitios,
tamanhos, reduzindo ao mínimo a mão de obra como um agravante. Para operar esses equipamentos
em grande parte computadorizados exige-se dos poucos operadores humanos um alto
nível de formação e treinamento técnico. Como se pode deduzir esse modelo
agrícola, tão importante para engordar o PIB das nações que dispõem de condições
geográficas e edafológicas favoráveis, em vez de criar postos de trabalho os
extingue a cada passo que as tecnologias para o setor avançam e se aperfeiçoam.
Pela sua natureza, portanto, o apelo da Encíclica não tem como encontrar
ressonância nesse modelo. De forma alguma é nossa intenção não desmerecer a
importância do agronegócio monocultor em áreas de milhares de hectares.
Chamamos apenas a atenção que não tem como contribuir para resolver o agudo
problema do desemprego, portanto do trabalho como é entendido no documento
pontifício. Mais acima já apontamos os outros senões ecológicos que decorrem do
desmatamento e do manejo impróprio dessas terras, o exagero do uso de
agrotóxicos, adubos químicos, outros insumos, manipulação genética e outras
práticas.
Um
incalculável potencial em oferta de trabalho, diversificação de culturas e
menor risco de danos ambientais, encontra-se disponível em regiões de maior ou
menor tamanho inviáveis para a prática do agronegócio com seu gigantesco parque
tecnológico. Falamos da grande variedade
de sistemas alimentares que abastecem a maior parte da humanidade a que
se refere a encíclica, praticados em áreas, por vezes minúsculas, assim
denominadas “hortas de fundo de quintal”. Para não estagnarmos no nível das
teorizações e cenários imaginários passemos a nos concentrar nas possibilidades
concretas que encontramos ao sair de casa e andar alguns quilômetros ou nem
tanto. Fiquemos com o caso exemplar de configuração geográfica dos estados do
sul do Brasil. Em termos biogeográficos o Rio Grande do Sul divide-se em três regiões: os campos naturais
do sul, o Pampa e os campos naturais de Cima da Serra, propícios para a criação
de gado em estâncias que chegam a milhares de hectares. Os vales médios e superiores dos rios que
convergem para a capital do Estado e terminam formado a bacia do Guaíba são
impróprios para desenvolver o agronegócio. Uma faixa de florestas de mais ou
menos 100 quilômetros de largura, conhecidas na história como “mato castelhano”
e “mato português” cobriam essas terras. Não é nosso objetivo dar uma descrição
biogeográfica do Rio Grande do Sul, muito menos de Santa Catarina e do Paraná. Queremos
mostrar que regiões maiores ou menores, impróprias para desenvolver o
agronegócio em terras cujas configurações permitem o recurso às tecnologias
mais avançadas e tocadas à maneira de grandes empresas monocultoras, oferecem
um potencial incalculável, imprevisível e indispensável para produzir alimentos
saudáveis destinados ao consumo diário de dois terços da humanidade. E, pelas
características próprias dessa produção de alimentos e outros insumos, abrem um
leque de possibilidades de trabalho para milhões de pessoas.