REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 84


Como que acabamos de registrar aparece um outra questão de não pouca importância. As contingências que caracterizam a civilização pós-moderna encontra na tecnologia um dos concorrentes mais poderosos do trabalho. “A orientação da economia favorece um tipo de  progresso tecnológico cuja finalidade é reduzir os custos de produção com base na diminuição dos postos de trabalho, que são substituídos por máquinas”. (Laudato si, 128). Assim, na mesma proporção em que a tecnologia avança a automação vai deixando pelo caminho milhares e milhões de pessoas sem trabalho, privando-as do instrumento, senão o mais poderoso pelo menos de um deles, que conferem razão de ser de uma vida com um mínimo de dignidade. Dessa forma a tecnologia como instrumento indispensável para o progresso dos povos e da humanidade com um todo, carrega na sua própria essência como motor do progresso, o potencial de voltar-se contra o próprio homem. Torna-se cada vez mais dramática a administração e eficiente para neutralizar os efeitos que minam e corroem o que a Encíclica chama de

“capital social”, isto é daquele conjunto de relações de confiança, de credibilidade, de respeito das regras, indispensáveis em qualquer convivência civil”. Em suma os custos humanos são sempre também custos econômicos, e as disfunções econômicas acarretam também custos humanos. Renunciar a investir nas pessoas  para se ter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade. (Laudato si, 128).   


Esse panorama que, de um lado assusta visto de uma outra perspectiva também está em condições de sugerir caminhos para superar esse “gargalo” em que a humanidade se encontra entalada. Para começar é tempo perdido esperar que a solução venha das muitas formas de encontros nacionais e internacionais que têm como agenda analisar as  diversas questões que se relacionam com o meio ambiente, formular políticas globais  e estratégias que tem como objetivo soluções globais. Não passam de um teatro em que governantes, estrategistas e organizações de todas as cores, feitios e interesses se apresentam na grande mídia como os salvadores do planeta e consequentemente da humanidade. Não vamos nos deter em aprofundar essas encenações pois, já foram objeto nas reflexões mais acima. De  um lado o panorama não é nada animador, contudo não é desesperador. Se as encenações e a grandiloquência dos encontros internacionais das últimas décadas, pouco ou nada resolveram com seus projetos, cronogramas e estratégias, pergunta-se, por onde começar? A Encíclica aponta para uma saída que tem como base a produção de alimentos, os insumos, portanto que se destinam a suprir as necessidades de um vida minimamente digna das pessoas, o relacionamento social produtivo, o fortalecimento do “capital social”, enfim uma sociedade comprometida com o bem-estar do todo e dos indivíduos. Num modelo  desse feitio há espaço favorável para incentivar uma atividade altamente produtiva e, ao mesmo tempo, não destrói o meio ambiente em que prospera. Consolida com ele uma parceria que torna possível  fazer dele “uma casa” habitável, aconchegante que oferece os elementos,  todos os elementos para atender às necessidades de existência humana digna tanto material como espiritual. Parece que foi com essa a intenção o ensinamento da Escritura: “Deus colocou o homem num jardim e lhe deu como tarefa  cultivá-lo”. A evolução das tecnologias para cultivar o “jardim”, metáfora que significa a natureza, acompanharam obviamente as muitas formas e etapas da história somadas às características geográficas em que prosperaram. Há poucas décadas lavrava-se a terra com juntas de bois ou cavalos, hoje dispomos de máquinas mais eficientes e mais produtivas para trabalhar a terra.  A motosserra livrou os trabalhadores  praticamente de todos os serviços pesados no lidar com a madeira bruta, como traçadores, foices e machados. Em resumo. Inúmeras outras novidades tecnológicas facilitam a cada dia que passa o esforço humano na produção de alimentos tornando-o atrativo para os jovens com disposição para se dedicar a esse tipo de atividade. Convém não esquecer que estamos falando da produção em pequenas áreas de terra responsáveis por bem mais da metade dos alimentos que abastecem as populações locais com frutas, hortaliças, leite, vinho e outros quesitos que não podem faltar numa alimentação saudável. Não é aqui o momento  de uma reflexão mais aprofundada  sobre o agronegócio praticado em escala gigantesca, em áreas de dezenas de milhares de hectares de monoculturas negociadas nas bolsas internacionais de comodities. Esses empreendimentos  tocados por tecnologias de ponta, em vez de criar empregos, dispensam cada vez mais o braço humano. A validade desses mega empreendimentos justifica-se plenamente pela contribuição robusta na formação do PIB e com ela no volume de recursos disponíveis para que os administradores tenham condições de atender aos serviços públicos que são de sua competência. Em sendo o trabalho, neste momento, a preocupação da Encíclica a sugestão que faz tem como foco a produção em áreas de poucos hectares, em fração de hectares e mesmo em hortas de fundo de quintal.

Para se conseguir continuar a dar emprego, é indispensável promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial. Por exemplo, há uma grande variedade de de sistemas alimentares rurais de pequena escala que continuam a alimentar a maior parte da população mundial, utilizando uma porção reduzida de terreno e de água e produzindo menos resíduos quer em pequenas parcelas e hortas, quer na caça e e recolha de produtos silvestres, quer na pesca artesanal. As economias de larga escala, especialmente no setor agrícola, acabam por forçar os pequenos agricultores a vender suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais. As tentativas feitas por alguns deles no sentido de desenvolverem outras formas de produção, mais diversificadas, resultam inúteis por causa da dificuldade de ter acesso aos mercados regionais e globais, ou porque a infraestrutura de venda e transporte está ao serviço das grandes empresas. As autoridades têm o direito e a  responsabilidade de adotar medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à diversificação  da produção. Às vezes, para que haja uma liberdade econômica da qual todos realmente beneficiem, pode ser necessário pôr limites àqueles que detêm maiores recursos e poder financeiro. A simples proclamação da liberdade econômica, enquanto as condições reais impedem que muitos possam efetivamente ter acesso a ela e, ao mesmo tempo, se reduz o acesso ao trabalho, torna-se um discurso contraditório e desonra a política. A atividade empresarial, que é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos, pode ser uma maneira fecunda de promover a região onde  instala os seus empreendimentos, sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte imprescindível do seu serviço ao bem comum.  (Lauato si, 129).

 Nessa passagem a Encíclica dá ênfase à agricultura com potencial de oferecera as condições para suprir a necessidade de postos de trabalho. Neste segmento da atividade econômica é preciso tomar em consideração que ele se desdobra em dois modelos com características próprias que precisam ser tomadas em consideração. O agronegócio de monoculturas em grande escala em terras favoráveis para o manejo com o que de mais moderno a agro tecnologia tem a oferecer. Falamos de máquinas de todos os feitios, tamanhos, reduzindo ao mínimo a mão de obra  como um agravante. Para operar esses equipamentos em grande parte computadorizados exige-se dos poucos operadores humanos um alto nível de formação e treinamento técnico. Como se pode deduzir esse modelo agrícola, tão importante para engordar o PIB das nações que dispõem de condições geográficas e edafológicas favoráveis, em vez de criar postos de trabalho os extingue a cada passo que as tecnologias para o setor avançam e se aperfeiçoam. Pela sua natureza, portanto, o apelo da Encíclica não tem como encontrar ressonância nesse modelo. De forma alguma é nossa intenção não desmerecer a importância do agronegócio monocultor em áreas de milhares de hectares. Chamamos apenas a atenção que não tem como contribuir para resolver o agudo problema do desemprego, portanto do trabalho como é entendido no documento pontifício. Mais acima já apontamos os outros senões ecológicos que decorrem do desmatamento e do manejo impróprio dessas terras, o exagero do uso de agrotóxicos, adubos químicos, outros insumos, manipulação genética e outras práticas.

Um incalculável potencial em oferta de trabalho, diversificação de culturas e menor risco de danos ambientais, encontra-se disponível em regiões de maior ou menor tamanho inviáveis para a prática do agronegócio com seu gigantesco parque tecnológico. Falamos da grande variedade  de sistemas alimentares que abastecem a maior parte da humanidade a que se refere a encíclica, praticados em áreas, por vezes minúsculas, assim denominadas “hortas de fundo de quintal”. Para não estagnarmos no nível das teorizações e cenários imaginários passemos a nos concentrar nas possibilidades concretas que encontramos ao sair de casa e andar alguns quilômetros ou nem tanto. Fiquemos com o caso exemplar de configuração geográfica dos estados do sul do Brasil. Em termos biogeográficos o Rio Grande do Sul  divide-se em três regiões: os campos naturais do sul, o Pampa e os campos naturais de Cima da Serra, propícios para a criação de gado em estâncias que chegam a milhares de hectares. Os  vales médios e superiores dos rios que convergem para a capital do Estado e terminam formado a bacia do Guaíba são impróprios para desenvolver o agronegócio. Uma faixa de florestas de mais ou menos 100 quilômetros de largura, conhecidas na história como “mato castelhano” e “mato português” cobriam essas terras. Não é nosso objetivo dar uma descrição biogeográfica do Rio Grande do Sul, muito menos de Santa Catarina e do Paraná. Queremos mostrar que regiões maiores ou menores, impróprias para desenvolver o agronegócio em terras cujas configurações permitem o recurso às tecnologias mais avançadas e tocadas à maneira de grandes empresas monocultoras, oferecem um potencial incalculável, imprevisível e indispensável para produzir alimentos saudáveis destinados ao consumo diário de dois terços da humanidade. E, pelas características próprias dessa produção de alimentos e outros insumos, abrem um leque de possibilidades de trabalho para milhões de pessoas.  



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