As
sucessivas reformas do ensino que levaram as universidades a se reestruturarem
tiveram como uma das suas consequências
o abandono da organização interdisciplinar como base metodológica de
suas unidades e respectivos cursos. A compartimentação e a fragmentação e, com
isso, o distanciamento, o isolamento e a fragmentação dos fundamentos do saber,
foi-se aprofundando cada vez mais.
Só
para exemplificar. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, até aquele momento incarnava, por assim dizer
a “alma” da universidade, “A alma Mater”, como se costumava dizer. Em volta
dela organicamente interligadas, as Escolas de Engenharia e Arquitetura, as
faculdades de Direito, de Medicina, Odontologia, Farmácia e tantas outras,
encarregavam-se da formação técnico-profissional. Pois bem, a “alma mater” foi
retalhada. “As Ciências”, deram origem
ao complexo da Física, Química, Matemática, Biologia e subáreas; Filosofia foi
desdobrada em Filosofia, História, Geografia, Ciências Sociais; das Letras surgiram os cursos de línguas e comunicação.
Eu pessoalmente conquistei meus bacharelados em Letras Clássicas, Filosofia e
História Natural naquele formato “antigo”.
Não
estamos sugerindo o retorno ao formato estrutural daquela universidade neste começo de milênio mas nos
inspirarmo-nos na ideia-força que no fundo no fundo animava essas instituições.
O nosso já conhecido filósofo nicaraguense resumiu em poucas palavras a missão
e a função de uma universidade.
Buscar o equilíbrio e a
integração das humanidades, da excelência acadêmica, do desenvolvimento da
pós-graduação, o fortalecimento do binômio investigação-docência, de maneira
que ambos se acionem reciprocamente; junto a eles, a eficiência administrativa
e flexibilidade curricular constituiriam
aspectos necessariamente complementares.
Vivemos num mundo cuja realidade é a dissociação, a dispersão e a fragmentação.
A universidade tem que reunir os fatores dispersos, numa unidade que é o ser
humano; num síntese, que é o homem, a mulher, o sujeito histórico. Se forem
revisadas detidamente essas metas e categorias, veremos que há uma intenção
fundamental de síntese e integração do ser humano com sua sociedade e com sua
história. Aí a Universidade e o conhecimento têm que jogar um papel
reunificador. (Caldera, 2004, p. 106).
Portanto,
a universidade não se equipara a uma
empresa de qualificação profissional. Ela qualifica, sim, profissionais
de alto nível. Mas, à sua própria natureza e razão de ser, cabe a tarefa de consolidar
a consciência nos seus egressos de que a
tecnologia não pode ser vista como um fim em si, não como um instrumento de
poder mas como ferramenta de progresso. Por
isso, sem abandonar a condição guardiã dos valores perenes da humanidade com
ênfase à ética e a liberdade, ela precisa modernizar-se, aperfeiçoando as bases
administrativas lançando mão de tecnologias
de ponta, repensar e rever a adequação dos currículos à dinâmica do andar da
história, não se deixar dominar por ideologias nem de “esquerda”, nem de
“direita” ou de qualquer outra
denominação. As divergências e/ou preferências
de natureza política, religiosa, ideológica ou filosófica, não deveriam
contaminar a tal ponto os conteúdos das disciplinas, sejam quais forem, a ponto
de perverter o conceito da ética que possa ser relativizado de acordo
as conveniências do momento e, direta ou indiretamente, se tolha a liberdade
intelectual e moral dos alunos. Nesse cenário cabe à universidade o papel de “parte da solução do
problema e não parte do problema” criado pela ruptura do ser humano e a
técnica. E a parte que lhe cabe resume-se em, explícita e implicitamente, por
meio de suas áreas de conhecimento, os currículos, as disciplinas e sua
execução, fazer permear o objetivo maior de contribuir com o restabelecimento
do diálogo interrompido pela Revolução Tecnológica, entre as Ciências Naturais,
As Ciências Humanas, as Letras e Artes. Não basta que na universidade se
desenvolvam tecnologias, se possível de ponta, se formem excelentes
administradores, engenheiros e arquitetos requisitados, médicos bem formados,
advogados peritos em legislação e egressos competitivos em todas as demais
áreas e cursos, se não partirem para o exercício da profissão com a consciência
assumida de que as ferramentas que a universidade lhes proporcionou devem
servir ao homem e não homem às
ferramentas. Em outras palavras às universidades cabe, pela sua própria
natureza, o papel fundamental na consolidação de uma sociedade harmônica,
solidária, respeitadora dos direitos indivíduos e coletivos e ao mesmo
tecnicamente preparada para acompanhar a dinâmica da história. Alexandro Caldera resumiu com
precisão a realidade fruto da pós-modernidade, seus descaminhos e a
possibilidade de um convívio entre os homens seja orientado pelo princípio da
“Unidade na diversidade”.
Há que evitar três riscos
ao preservar o indubitável valor democratizador das diferenças: o afiançamento
do etnocentrismo axiológico, a pulverização da ética e de todo valor por um
indefinido processo de desconstrução, e a defesa da identidade e a diferença
própria, negando a identidade e diferenças alheias. Ou seja, evitando que a
pluralidade de culturas se transforme na
multiplicação de núcleos impermeáveis, intolerantes e agressivos.
Por isso há que entender a
identidade e as diferenças desde a visão de um mundo plural, aberto e
intercomunicado, de um mundo onde a diferença não seja barreira, mas ponte, e
na qual as distintas visões e imaginários da vida e da história sejam vasos
comunicantes que façam possível a capilaridade cultural, a Unidade na Diversidade. (Caldera, 2004, p. 93-94)
Trata-se
de um desafio que assusta a todo e qualquer um que tem consciência do tamanho e
complexidade do problema e de alguma
forma tem responsabilidade em dar-lhe uma solução. Se, porém, não se tentar
essa guinada e não se recuperarem os valores perenes que, desde o homem é
homem, garantiram o seu convívio, estagnaremos
no nível de uma humanidade errática, perdida no caminho, sem rumo e sem
norte. E, cada ano que passa essas instituições e universidades formam e,
portanto, credenciam para o exercício da profissão, centenas e milhares de profissionais
que não passam de manipuladores mais ou menos competentes, mais ou menos
agressivos e bem sucedidos das ferramentas teóricas e técnicas oferecidas pelos
currículos das respectivas instituições superiores. Esperar que entre os
detentores de um título desse nível de formação evolua um economista digno
desse nome ou, quem sabe, um Nobel em economia, não passa de utopia ou dum reles
produto de uma autoestima que se
aproxima do ridículo. A lógica que pauta sua atitude no dia a dia da prática da
profissão resume-se em “deixar que as forças invisíveis do mercado regulem a
economia, porque seus efeitos sobre a sociedade e a natureza são danos
inevitáveis. (Lauato si, 123). Numa cultura na qual não se aceitam, muito menos
se cultivam e respeitam “verdades objetivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações próprias e das
necessidades imediatas (...)” (Laudati si, 123) tudo é permitido, tudo é
possível, nenhuma aberração, por mais absurda que seja, está sujeita a sansões
de fato eficientes. Neste caldo sem valores estáveis e consequentemente sem leis capazes de por um freio para valer
aos desmandos, aos desajustes sociais, ao mau uso da liberdade são tratados
pela mídia e boa parte da opinião pública como fenômenos “inevitáveis”, portanto
explicáveis fazendo parte do dia a dia.
A Encíclica aponta algumas aberrações que costumam chocar a grande mídia e seus
públicos principalmente quando interessam ao poder, ou ao politicamente correto
ditado pela ideologia hegemônica.
“Que limite pode haver para
o tráfico de seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o
comércio de diamantes ensanguentados e de peles de animais em extinção? Não é a
mesma logica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres com
finalidade de vender ou utilizar para a experimentação, ou o descarte de
crianças porque não correspondem ao
desejo dos pais. É a mesma lógica do “usa e joga fora” que produz tantos
resíduos, só pelo desejo desordenado de consumir mais do que realmente se tem
necessidade. (Laudato si, 123)
Num
cenário desses, a cultura como um todo se corrompe quando entregue à lógica do
livre arbítrio, da negação dos valores perenes intocáveis, do exercício
irresponsável e predatório da liberdade e do império da lei do mais forte. As
leis não passam de imposições arbitrárias e limitações aos desmandos de pessoas
e grupos humanos, cuja eficácia só dá resultados quando entra em cena a polícia
com seus instrumentos de repressão. E mesmo assim não passam de paliativos, ou
soluções episódicas em momentos e situações extremas e localizadas, portanto,
um mal necessário para administrar as consequências de uma sociedade doente.
Essa situação costuma ser usada como desculpa ou como justificativa para tirar
a responsabilidade dos praticantes de delitos dos pequenos transgressores até dos
criminosos de porte internacional, a
caça predileta apresentada em grande parte pela mídia, que, em não poucos casos
consegue apresenta-los envoltos numa aura de um romantismo perverso. A história
está recheada desses heróis bandidos: corruptos sem escrúpulos e sem limites,
assassinos, terroristas, genocidas, traficantes de crianças e por aí vai. Por
mais que uma sociedade seja capaz de induzir alguém ao crime ela não pode
justificar o ato criminoso, porque isso negaria aquilo que o ser humano
distingue dos demais seres vivos: a consciência moral, a consciência do certo e
do errado e a liberdade de obedecer ao
alerta da consciência ou não. A consciência do certo e errado pode até ser
seriamente distorcida ou até certo ponto amordaçada pela perversidade da
cultura em que alguém foi criado. Mas, esse fato não exime o indivíduo da responsabilidade dos
seus atos.