REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 77


Diante desse quadro como conscientizar os adultos pelo sentido e o valor da preservação da natureza e como educar as crianças já a partir do maternal  aprenderem o que é a natureza e se convencerem da necessidade de lidar com ela de forma racional. Estamos indiscutivelmente diante de desafios de proporções difíceis de dimensionar. Por onde começar? Edward Wilson mais vezes citado e comentado mais acima assim se manifestou em sua obra “A Criação”, sobre que base e quando deveria começar a educação ecológica.

A ascensão à Natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia seja introduzida logo nos primeiros anos de vida. Toda  criança é um naturalista  e explorador principiante. Caçar, coletar, explora novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos – tudo isso está presente em seu cerne mais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças  foram criadas em estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres. (Wilson, 2008, p.158)

O afastamento da  natureza começou com a “revolução dos alimentos” conforme Darcy Ribeiro ou se preferirmos com a “primeira traição à natureza” no entendimento de Edward Wilson. Bem considerando os dois, o antropólogo e o biólogo tem razão, cada qual à sua maneira. De um lado a revolução dos alimentos ou revolução  agrícola e pastoril munida das tecnologias que a impulsionaram, ampliaram e aperfeiçoaram o ritmo, a abundância e a qualidade do acesso aos recursos oferecidos pela natureza. De outro lado essa dinâmica foi afastando gradativamente uma porcentagem crescente de pessoas do contato e da convivência íntima e diuturna da “sua casa”. Hoje um sem número vivem praticamente no total confinamento prisioneiros da artificialidade das metrópoles e megalópoles. Mas, os detalhes dessa história já foram objeto de uma reflexão mais acima. Como complemento indispensável para lidar com essa realidade e pensar seriamente  numa solução para reequilibrar, de alguma forma, a relação do homem com o meio ambiente e as tecnologias de que dispõe para explorar seus recursos requer uma avaliação séria. “Hoje, a maior parte da humanidade reside num mundo fabricado artificialmente. O berço inicial da nossa espécie, foi quase que esquecido completamente”. (Wilson, 1008, p. 159).

Acontece que a espécie humana, pela sua origem e evolução, encontra suas raízes ontologicamente fincadas no mundo que  alimenta o corpo e oferece os estímulos para a alma dar vasão às suas potencialidades. Por essa razão, por mais distante e isolado que as pessoas passem seus dias, essa vinculação existencial  com a “mãe e pátria” nunca se desfaz. Mesmo que esse lar primordial esteja cada vez mais distante, ele nunca será completamente esquecido. Como um paraíso perdido mas não esquecido, mesmo que fisicamente distante, sua melodia é percebida de muitas formas na arte, na religião, nos mitos e, principalmente, na nostalgia de pelo menos viver e degustar a atmosfera aconchegante,  caminhando por uma trilha de montanha, admirando o silêncio eloquente e a sinfonia de uma floresta, beber na concha da mão a água cristalina de um arroio não contaminado que desce do planalto e de cascata em cascata vai ao encontro do “imenso mar do Belo” como o “pai Homero” se referiu ao oceano. Não é por nada que exatamente os países mais desenvolvidos com grande concentração humana em áreas urbanas de grande porte, como nos Estados Unidos são exemplos de preservação ambiental. Possuem 59 parques propriamente ditos mais inúmeras florestas nacionais e áreas de preservação ambiental. Cabe ao Congresso demarcar as áreas dos parques com finalidade de preservação de suas características originais geológicas, topográficas, flora e fauna e, ao mesmo tempo servirem de recreação e lazer mesmo para os cidadãos comuns. São proibidas quaisquer tipo de atividades que perturbem os animais nativos, prejudiquem a flora ou agridam a sua fisionomia geográfica. Esses parques são verdadeiras universidades e escolas ao ar livre. O primeiro a ser criado foi o parque Yellowstone em 1872,  o maior situa-se no Alasca medindo 32.375 Km2. O total da área protegida chega 211.000 km2. 14 dessas áreas foram declarados patrimônio mundial pela UNESCO. Wilson informa que os americanos passam mais tempo em jardins zoológicos do que eventos esportivos e mais tempo ainda em parques e reservas naturais nacionais. As florestas nacionais e as reservas naturais, geram uma renda anual em torno dos 20 bilhões de dólares. Um símbolo de riqueza pessoal é a casa de campo situada num ambiente rural  e  serve de refúgio para as pessoas encontrarem momentos de paz e reflexão e reencontrar-se a si mesmas num ambiente que lembra o paraíso perdido mas não esquecido da espécie humana. (cf. Wilson, 2008, p. 159). O Brasil conta hoje com 71 parques administrados pela Fundação Chico Mendes. O grande problema do Brasil não parece ser a falta de interesse pela preservação por meio de parques, mas a sua administração: número insuficiente e preparado para tomar conta dos serviços contínuos de um  parque, falta de verbas, má administração, corrupção, fiscalização deficiente da caça e exploração de matérias primas, e por ai vai.

Depois dessa digressão insistindo que cabe aos responsáveis pelo bem estar e saúde física e mental dos cidadãos, criar condições e zelar que todos de alguma forma tenham acesso a esses bens, voltamos a nos fixar no caso específico da educação ecológica. Pelo fato que a natureza vem a ser “a casa” da humanidade é imprescindível que o relacionamento com ela não se resuma em servir de abrigo e fornecedora dos recursos de subsistência, mas  o de um “lar”, duma “querência” no sentido pleno do conceito. É sobre esse pressuposto que deve ser concebida e conduzida a conscientização da geração adulta e educada a geração a caminho de assumir a responsabilidade pela condução do futuro da humanidade.  Futuro da espécie humana depende, melhor, exige, segundo a Encíclica, “uma corajosa  revolução cultural” (Laudato si, 114), colocando no seu devido lugar o avanço da tecnologia como “ferramenta” do progresso e não como “instrumento” de poder. Se essa consciência é válida para o progresso como um todo, assume um significado todo especial quando se trata da natureza pois, afinal sem os recursos que oferece e os estímulos que desperta, o progresso é impossível e a própria espécie humana inviável.

Essa corajosa revolução começa pela educação como já insistimos mais acima. Já que os adultos já não são mais passíveis de uma educação integral, apenas até  certo ponto reeducáveis, resta para essa geração uma única saída a conscientização de que a agressão à natureza alcançou um nível alarmante. Se continuar nesse ritmo a humanidade como espécie biológica corre sérios riscos de degradação inclusive a sua própria sobrevivência. A reversão desse quadro somente poderá ser alcançado por meio de uma educação ecológica que irá permear a formação da própria personalidade das gerações responsáveis pelo futuro da “nossa casa”. Não se trata de uma missão impossível por uma razão muito simples. Embora a abertura para as realidades naturais esteja como que dormente em meio a uma civilização artificial, asséptica e distante da natureza, em cada criança se esconde latente o reencontrar-se com o chão virgem no qual estão fincadas as suas raízes biológicas e entrar em sintonia com a geografia, as plantas e animais, como o mais peculiar e mais bem-dotado personagem da grande sinfonia que é a natureza. A pergunta crucial que se coloca é essa: Como tornar realidade e como formatar a maneira de possibilidade de um contato direto das crianças e adolescentes em contato com a natureza. Em ambientes rurais esse contato acontece de forma espontânea e faz parte do cotidiano de qualquer criança. Basta que escola dê um retoque do que acontece de qualquer forma reforçando a consciência do significado das realidades naturais. Em escolas  de centros urbanos maiores é preciso encontrar formas de, pelo menos ocasionalmente os alunos  entrarem em contato com a natureza para admirar, degustar, farejar, encher os ouvidos e sentir a natureza em seu estado quanto mais original possível. Não  há dúvida que a dificuldade em por em prática esse contato se torna mais problemático na medida que o isolamento e a artificialidade dos centros urbanos dificultam o contato direto com o ambiente natural. Mas, mesmo assim os parques, jardins zoológicos e botânicos, praças, ou mesmo os quintais em residências, podem servir de alguma forma como sucedâneos, embora limitados, para a criança sentir, ou pelo menos intuir algo “do paraíso perdido mas não esquecido”. Propostas de educação ambiental são muitas. Para não alongar mais ofereço algumas sugestões do nosso já conhecido conhecedor da natureza, Edward Wilson.

Tenho várias sugestões, já bem testadas pelo tempo, para pais e professores, inclusive para líderes religiosos que desejam cultivar a competência do naturalista em uma criança. Comece bem cedo; ela já está pronta. Abra as portas para a natureza, mas não a empurre. Pense nela como um caçador-coletor. Ofereça oportunidades para explorar em espaços abertos naturais, ou então em substitutos – em exposições, zoológicos e museus. Dê liberdade para que a criança procure, sozinha ou em rupo pequeno de indivíduos com interesses afins. Deixe que perturbe um pouco a natureza, por sua conta e sem orientação. Coloque à disposição dela guias de campo sobre plantas e os animais do lugar; binóculos,  e até microscópios, se possível em casa, e pelo menos na escola. Incentive e elogie tais iniciativas. Na adolescência, permita que ele ou ela tentem suas aventuras com outros, que explore áreas silvestres e países estrangeiros, conforme as oportunidades e as finanças. Possibilite que o aprendizado de todas as coisas se dê de acordo com o ritmo de cada um. Ao final do processo, o adolescente talvez escolha uma carreira em advocacia, em marketing ou no exército, mas será um naturalista para toda a vida, e vai agradecer a você por isso”. (Wilson, 2008, p. 161-162)




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