Novamente estamos diante do desafio que nos vem
acompanhando cada vez que entra em jogo o acessos aos recursos naturais.
Partindo do princípio de que nosso habitat é um bem comum, logicamente toda e qualquer pessoa tem o
direito natural de usufrui-lo. Se é um direito natural constitui-se numa
obrigação ética permitir o acesso às dádivas da natureza. O fato é que não é
isso que se observa que não é isso que pesa quando se discutem questões como
clima, preservação ambiental, saneamento e outras do gênero. Não se pode
deixar passar a ocasião para analisar
porque as políticas e ações propostas costumam dar tão poucos resultados
práticos. Salvo melhor juízo o nó da questão está no entendimento que se tem
dos limites na exploração dos recursos
naturais. De momento prevalecem duas concepções antagônicas. Seu potencial de
degradação ambiental é paradoxalmente o mesmo. As duas apoiam-se no mesmo argumento para
reivindicar o direito sem restrições sobre os bens da terra.
Da concepção de homem
depende a organização do sistema social, com todas as suas implicações. Assim,
vimos anteriormente, que a antropologia cristã considera o ser humano como pessoa individual e social,
como postulado irremovível da solidariedade. Contrapõe-se a essa ideia duas
orientações diametralmente opostas e distintas: o individualismo e o
coletivismo. (Bohnen-Ullmann, 1993, p. 107)
A
relação do homem com a natureza e, por extensão, o acesso ao uso dos recursos naturais, tem tudo
a ver com as duas filosofias, hoje dominantes, sobre a valorização da pessoa
humana. Neste particular o individualismo e o coletivismo ocupam posições
antagônicas: a exagerada valorização da individualidade de um lado e o
endeusamento da coletividade do outro.
O
individualismo fundamenta-se nos seguintes princípios. Primeiro. O indivíduo
goza de plena e absoluta liberdade na sociedade para escolher as oportunidades
para prover seus interesses pessoais. Evidentemente inclui-se o acesso aos recursos da natureza e sua
exploração, sem que ninguém tenha poder de impor restrições. Segundo. O
indivíduo goza de total liberdade de competir com a demais pessoas.
Especificamente em relação ao meio ambiente, está autorizado, em nome da
liberdade pessoal, a apoderar-se dos recursos naturais sem nenhuma restrição,
não importando os prejuízos causados à natureza e demais pessoas que com ele
repartem o mesmo habitat. Terceiro. O indivíduo goza de total liberdade e
autonomia para explorar a propriedade privada, sem contestação mesmo pelo poder
público. (cf. Bohnen-Ullmann, 1993, p. 109).
O
que se pode esperar de uma coletividade orientada por esses princípios na sua relação com o meio
ambiente? O resultado prático é o descrito na Encíclica depois de insistir que
o homem é o personagem que se destaca das demais espécies pela “capacidade de reflexão,
o raciocínio, a criatividade, a interpretação, a elaboração artística e outras
capacidades originais.
Seria errado também pensar
que os outros seres vivos devam ser considerados como objetos submetidos ao domínio arbitrário do ser humano. Quando
se propõe uma visão da natureza unicamente como objeto de lucro e interesse,
isto comporta graves consequências também para a sociedade. A visão que
consolida o arbítrio do mais forte favorece a imensa desigualdade, injustiças e
violências para a maior parte da humanidade, porque os recursos tornam-se propriedade do primeiro que chega ou tem mais
poder. O vencedor leva tudo. (Laudato si, 82)
O
individualismo tem como objetivo maior o interesse das pessoas como indivíduos.
Defende paradoxalmente um sentido todo
peculiar quando se fala em bem comum. Orienta-se por uma lógica não menos
peculiar. Na medida em que se acumulam os bens dos indivíduos fazem crescer o
bem comum como um todo, o que na prática significa que as riquezas de um país
correspondem à somatória dos bens privados das pessoas. Como a economia neste
contexto assume as feições e a dinâmica de um “darwinismo” econômico, o
controle das riquezas é manipulado pelos mais espertos, os mais “competentes”.
Como estes costumam ser uma minoria, a grande massa do povo não tem acesso, de
fato, à riqueza nacional e termina marginalizada. Em nome da liberdade
individual levada ao extremo, impede-se na prática o acesso os seus frutos para
multidões cada vez desassistidas.
O mote “laissez faire -
laissez passez - le monde se va de lui même”, propiciou
realmente a exploração do homem pelo homem,
porque o contrato de trabalho, no liberalismo econômico não era livre de
fato. Ao operário, muitas vezes, não restava outra alternativa senão aceitar um salário de fome ou à míngua.
Percebendo o caráter feroz da livre concorrência liberalista, Leão XIII
verberou-o com a imortal “Rerum Novarum” e defendeu dois pontos fundamentais: O
dever do Estado intervir em assuntos econômicos e o direito de os operários se
associarem. (Bohnem-Ullmann, 1993, p. 114)
Convém
observar ainda de que a liberdade não passa de uma ilusão. É falsa pois, os
mais fracos ficam sem defesa diante dos patrões e dos mais fortes. De outra
parte o individualismo desvincula a propriedade particular de toda e qualquer
responsabilidade e ignora a dignidade a que qualquer pessoa tem direito de
nascença, ou por direito natural.
O
extremo oposto do individualismo vem a ser o coletivismo, muito bem resumido pelos autores que
escolhemos como referencia na presente reflexão.
Em sentido lato, o
coletivismo ou comunismo mitigado resume-se numa estatolatria. erigindo a
sociedade em valor supremo, com desconhecimento completo dos direitos humanos.
A família, a pessoa, a cultura, a arte, a filosofia são instrumentos do Estado,
com direito sem limites. A consciência do indivíduo identifica-se com o Estado.
que tudo absorve, especialmente a autonomia da pessoa. O ser humano, produto do
coletivo, deve servir à coletividade, na qual está imerso e para a qual vive.
Na gigantesca engrenagem do sistema coletivista, o ser humano nada mais é do
que uma roda, ajudando a movimentar o imenso organismo. Sendo tudo matéria,
também a sociedade é-lhe mero epifenômeno (Erscheinungsform), sem dimensão
social nem ética. Ético apresenta-se tudo que fomenta a luta de classes, para
eliminar da face da terra o monstro do
capitalismo. (Bohnen-Ullmann, 1993, p. 117)
Nietzsche
sintetizou, com sua maneira peculiar de filosofar, em poucas palavras a
situação quando o Estado é o ente supremo único, dono dos bens dos recursos e
das próprias pessoas, a razão última de
ser da sociedade, na qual se dissolve a individualidade e com ela a
própria liberdade, como já foi lembrado mais acima.
Não
é difícil em que termos se coloca a questão ecológica, a relação homem-natureza
num sistema coletivista. Em termos é paradoxalmente a mesma do individualismo. A diferença está
no fato de no individualismo o indivíduo agir como dono absoluto dos recursos
naturais e no coletivismo o Estado, assim como o entendeu Nietzsche. Mas um
detalhe não pode ser ignorado. No coletivismo o Estado está incarnado na
nomenclatura que o administra e o controla toda a sua máquina administrativa.
E, é neste “detalhe” que se esconde o paradoxal de que falamos há pouco. Toda a
riqueza nacional, todos os recursos, também os vindos da natureza, são
administrados e usufruídos como se fossem propriedade dos donos de plantão da
nomenclatura. Com o pretexto de
administrar o bem comum procedem, na realidade, como donos. Como donos da
máquina administrativa do Estado, impõem a filosofia de ação e impõem de forma ditatorial, instrumentos de
controle, ignorando e ou desrespeitando a vontade e as demandas das pessoas ao
ponto de aniquilar simplesmente suas identidades como indivíduos. Não há
necessidade de irmos procurar lá longe esse modelo ou próximo a ele.
Individualismo
e coletivismo terminam no mesmo resultado final. Em nome do indivíduo de sua
liberdade os recursos naturais são propriedade de pessoas físicas e jurídicas
privadas, como tais autorizadas a explorar a natureza e seus recursos da forma
que bem entenderem sem dar satisfação a ninguém. No coletivismo o Estado entregue a uma
nomenclatura de “gerentes” do bem comum, justifica sua ação predatória sobre os
bens comuns. Quem se beneficia com os resultados são os integrantes da
burocracia administrativa encarregados do bem comum. A grande massa popular
anônima de pessoas sem nome nem identidade, tem de contentar-se com as migalhas
distribuídas pelo Estado. Não por nada os donos e integrantes das nomenclaturas
de estados coletivistas costumam ser notórios bilionários. “Eu, o Estado sou o
povo”, adverte Nietzche.
Conclui-se
que, pela sua natureza, tanto o individualismo quanto o coletivismo, não
oferecem motivações convincentes para comprometer-se com a preservação do meio ambiente. Nas suas
modalidades mais puras, usam e abusam da “nossa casa” como se fosse propriedade
sem restrições ou dos indivíduos ou do Estado. O resultado é óbvio. A natureza
com seus recursos sofre agressões sem freio contanto que se atendam os
interesses imediatos.