Diante
desse cenário a única coisa a ser feita são políticas e ações eficientes em
favor do salvamento da “nossa casa”, da “nossa mãe e pátria”, da “nossa
querência”, a natureza. Em que consistem essas bases políticas, econômicas, sociais e, antes de mais nada,
éticas, já foi objeto de reflexões anteriores, mais acima. É oportuno, a essa
altura da nossa caminhada em favor do salvamento da vida na terra, aprender o
que já está sendo feito e o potencial que oferecem essas iniciativa.
Com
todos os reparos que possam fazer e as
limitações inerentes, os diversos protocolos assinados sobre o clima, com
destaque para o último, o de Paris em dezembro de 2.015, é o mais vistoso, mais
abrangente e que mais otimismo inspira, porque trata-se de uma iniciativa encabeçada por
chefes de estado representativos do mundo desenvolvido e em desenvolvimento.
Convém lembrar que é exatamente nesses países onde se concentram as causas do
aquecimento global. A matriz energética que movimenta seus parques industriais
e seus polos econômicos é de natureza altamente poluidora e o maior vilão do
aquecimento global. A incógnita fica por conta das iniciativas e ações efetivas
dos signatários do acordo. De qualquer forma, ao vincular os países signatários do protocolo a
um compromisso legal, que obriga a contribuírem e efetivamente com as metas
acordadas, já permite algum otimismo.
Além
dos reparos de natureza política, técnica e de prazos há, salvo melhor juízo,
referências apenas implícitas e à margem do documento, ao que deveria servir de
base e norte de qualquer esforço em favor do meio ambiente: a terra com seus
recursos é um bem comum. Como tal é “a casa da humanidade” como insiste a
Encíclica, é “a mãe e pátria” como afirma o cientista, é “a nossa querência”,
como se fala no Rio Grande do Sul. Por isso a natureza é muito mais do que
combustíveis fósseis, mais que minérios, mais que florestas ou campos semeados
com cereais, muito mais que pastagens, rios, campos naturais, montanhas,
oceanos e estabilidade do clima. É tudo isso, mas além de ser tudo isso, a
natureza é “casa”, é “pátria”, é “querência. E, para repetir mais uma vez, no
que já insistimos tantas vezes no decorrer dessas reflexões: a natureza é um
bem comum e por isso mesmo ás pessoas assiste o direito natural de morar numa
“casas bem servida”. Sendo assim, qualquer política, qualquer iniciativa,
qualquer um que lida com ela, deveria
obrigatoriamente legitimar-se com esse
pressuposto. Acordos políticos, econômicos e estratégicos envolvendo o
meio ambientes só então fazem sentido
quando motivados pelo postulado ético implícito no conceito de bem comum.
A
Encíclica “Laudato si” é de junho de 2.015. Foi devidamente publicada em mais
línguas, inclusive no português. Por representar uma contribuição da autoridade
de uma Encíclica e ainda mais saída da pena da autoridade moral do papa
Francisco, é de se estranhar que no encontro em Paris, tenha merecido tão pouca
consideração. E não procede o argumento de que a Encíclica é um documento
confessional e por isso não seria oportuno fazê-lo interferir num encontro de
autoridades representantes de estados laicos. Acontece que trabalhar com
referenciais éticos não implica em intromissão nem do estado nem da sociedade
laica. A consciência do bem e do mal e consequentemente o senso ético faz parte
da própria natureza humana, independente de filiação ou não confessional. A
Encíclica remete toda a sua argumentação par esse fundamento. Sendo assim ela
representa um documento de validade universal no tempo e no espaço. Todo o
empenho em favor da natureza encontra nesse fundamento solidez suficiente par
enfrentar os desafios que a questão ecológica oferece. O documento pontifício
tem, implícita ou explicitamente, o dever ético-moral como referência.
Finalmente reconhecemos, a
propósito da situação e das possíveis soluções, que se desenvolveram nas
diferentes perspectivas e linhas de pensamento. Num dos extremos, alguns
defendem a todo o custo o mito do progresso, afirmando que os problemas
ecológicos resolver-se-ão simplesmente com novas aplicações técnicas, sem
considerações éticas nem mudanças de fundo. No extremo oposto, outros pensam
que o ser humano, com qualquer uma das intervenções, só pode ameaçar e
comprometer o ecossistema mundial, pelo que convém reduzir a sua presença no
planeta e impedir-lhe todo o tipo de intervenção. Entre estes extremos, a
reflexão deveria identificar possíveis cenários futuros, porque não existe um
só caminho de solução. Isto deixaria espaço para uma variedade de contribuições
que poderiam entrar em diálogo a fim de chegar a respostas abrangentes.
(Laudato se, 60)
O
Papa conclui o primeiro capítulo da Encíclica com uma reflexão que ele chama de
“diversidade de opiniões”. Entende que as iniciativas relativas ao meio ambiente
são de uma complexidade tal que não há um fórmula mágica única. São em primeiro
lugar complexos porque seu objeto, a natureza, é complexa. Como já apontamos
mais acima a natureza é um gigantesco sistema e é preciso entendê-la como tal e
como tal lidar com ela. A natureza não se resume na vida que nela prospera.
Compreende também o chão sobre o qual e do qual a biosfera se sustenta.
Acontece que o habitat inclui a natureza geológica que fornece o substrato
mineral que entra na composição da estrutura dos seres vivos e do chão em que
deitam suas raízes. A natureza inclui também as peculiaridades geográficas
responsáveis pelo desenho do cenário físico, da moldura física, com suas
características edafológicas, morfológico-topográficas e climatológicas que moldam
numa profusão sem limites as fisionomias naturais.
Neste universo, composto
por sistemas abertos que entram em
comunicação uns com os outros, podemos descobrir inumeráveis formas de relação e participação.
Isto leva-nos também a pensar o todo aberto para a transcendência de
Deus, dentro da qual se desenvolve. A Fé permite-nos interpretar o significado
e beleza misteriosa do que acontece. A
liberdade humana pode prestar a sua contribuição inteligente para uma evolução
positiva, como pode também acrescentar novos males, novas causas de sofrimento
e verdadeiros atrasos. Isto dá lugar a apaixonante e dramática história humana,
capaz de transformar-se num
desabrochamento de libertação, engrandecimento, salvação e amor, ou,
pelo contrário, num percurso de declínio e mútua destruição. Por isso a Igreja
com sua ação, procura não só lembrar o dever de cuidar da natureza, mas também
e sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo. (Laudato se, p. 79).
Sobre
a complexidade do chão em que a vida surgiu também ela se complexificou
vertical e horizontalmente durante milhões e bilhões de anos. O resultado é
esse gigantesco sistema chamado biosfera abrigando um número incalculável de subsistemas
em equilíbrio finamente calibrado e de alta resolução. “A Terra, em
especial a camada de vida que a envolve, fina como uma navalha, é
o nosso lar, a nossa fonte de vida, que nos dá sustento físico e também boa
parte do sustento espiritual”. (Wilson, 2008, p. 15). O Papa reforça a
advertência do cientista: “Um mundo frágil, como um ser humano a quem Deus confia o cuidado do
mesmo, interpela a nossa inteligência para reconhecer como deveremos orientar,
cultivar e limitar o nosso poder”. (Laudato si, 78).
Duas
conclusões decorrem logicamente dessa constatação. Toda e qualquer invasão e
interferência perturbadora nessa fina
calibragem reflete-se no bom desempenho do todo. É exatamente isso que vem acontecendo
com a atividade do homem. Enquanto a invasão permanece na periferia, na
“pintura” do quadro, na superfície do sistema, não degenera em problemas
maiores pois, ele dispõe de mecanismos próprios para sanar o estrago. Quando,
porém, a agressão danifica componentes vitais ao funcionamento por ex., o
clima, compromete-se a integridade e continuidade do todo.
A
segunda conclusão, decorre da primeira. Já que nos encontramos num estágio de
agressão à natureza em que há sinais alarmantes de perturbação e
comprometimento da biosfera como um todo, as iniciativas para sustar e reverter
a situação precisam atuar em muitas frentes. Cabe à Ciência e aos cientistas e seus
métodos e resultados, oferecer a matéria prima aos governantes, planejadores,
formuladores e executores de projetos, empenhados no salvamento da “nossa
casa”. “Sobre muitas questões concretas a Igreja não tem motivo para propor uma
palavra definitiva e entende que deve escutar e promover o debate honesto entre
cientistas, respeitando a diversidade de opiniões” (Laudato si
61). Mas a natureza entendida como “casa da
humanidade” implica em repercussões que escapam à ciência e ao cientista e seus
métodos e resultados. Para a humanidade a natureza significa muito mais do
alimentação, proteção e perpetuação da espécie. “Além de fornecer o pão de cada
dia oferece também os símbolos de sua vida espiritual” (Rambo, 1942, p. 337). E
por vida espiritual entendem-se as atividades que decorrem do fato de o
homem ser um “animal racional”, com
demandas sociais, culturais psicológicas e religiosas alimentadas pelo meio
ambiente nas suas manifestações mais diversas.
Colocada
nessa dimensão, o lidar com a questão ecológica só faz sentido quando iluminada
pela ciência e validada por uma visão antropológica, histórica, sociológica,
política, econômica, cultural, filosófica e religiosa. Em outras palavras a
ecologia ou, como prefere a Encíclica, o cuidado pela “nossa casa” e morada da
humanidade, portanto, é um bem comum. Como tal implica em direitos e deveres
que, por sua vez, encontram legitimação no “ético”, que em última análise
deve servir de base quanto às escolhas e
decisões a serem tomadas.
É
nesse plano que as Ciências Naturais, as Ciências Humanas, as Artes, a
Filosofia e a Teologia, encontram a
plataforma comum para lidarem, com espírito desarmado e solidários, tomarem
conta da ordem e saúde da “nossa casa”. Da parte da Igreja essa disposição
ficou clara ao nos referirmos às manifestações dos papas a partir da década de
1940 até hoje. Da parte da ciência laica existe a mesma disposição, como ficou
claro no apelo do “humanista secular” Edward Wilson, dispondo-se a dialogar com
um pastor fundamentalista sobre como “salvar a terra”:
Ao encerrar essa carta,
espero que o senhor não tenha-se ofendido quando falei em ascender rumo à Natureza e não para longe dela. Eu
teria grande satisfação de saber que esse desejo, tal como o expliquei neste
livro, é compatível com as suas crenças. Pois, seja como for que as tenções acabem
se desenrolando entre nossos pontos de visa opostos, seja como a ciência e a religião aumentem ou diminuam de
importância na mente dos homens, permanece o compromisso, ao mesmo tempo humano
e transcendental, que nós dois somos moralmente obrigados a compartilhar.
(Wilson, 2.008, p. 188)