Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 11 -

A Educação ecológica.

Quem se ocupa formalmente e com autoridade da educação ambiental, é Edward Wilson,  entomólogo e estudioso dos ecossistemas naturais e humanizados. Em seu livro: “A Criação – como salvar a vida na terra”, reservou os capítulos 14 e 15 para a educação ambiental. Para ele o despertar da consciência ecológica tem como ponto de partida uma correta compreensão da natureza, fazendo da Biologia um dos pilares da educação formal e informal que deve começar desde a infância. Para ele os conhecimentos básicos da Biologia deveriam fazer parte da educação de qualquer cidadão e não apenas daqueles que farão dela um projeto de vida. Por isso, para que “a vida na terra” possa ser salva, pressupõe que cada pessoa tenha uma noção mínima do que seja a natureza, de que ela é composta, a vida que nela prospera e os riscos que se correm quando a invasão do homem passa dos limites toleráveis. Wilson sugere a intuição como método para começar a entrar em contato com a natureza  e partir para a sua compreensão o mais cedo possível, ainda nos primeiros anos da infância.

A ascensão à natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia seja introduzido logo nos primeiros anos de vida. Toda a criança é um naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos – tudo isso está presente em seu cerne mais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram  criadas em estreito contato com o meio ambiente. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres. (Wilson, 2008, p. 158)

Com  a domesticação de animais, mas principalmente com a agricultura, começou há cerca de 15.000 anos passados, a invasão crescente do homem no seu entorno físico-geográfico. Em áreas sempre mais significativas a paisagem natural foi cedendo lugar a paisagens humanizadas. Esse processo teve como consequência a extinção ou a migração de muitas espécies de animais para refúgios naturais que se encolhiam na medida em que avançavam as fronteiras agrícolas. Um outro efeito refletiu-se diretamente sobre o homem. Ocupado com suas plantações ou seus rebanhos, vivendo em aldeias ou cidades deixou de viver em íntima comunhão com a natureza virgem. A familiaridade do quotidiano foi-se  limitando às poucas espécies  de animais que criava e às plantas que cultivava.  Esse fosso entre a artificialidade das civilizações e a natureza primigênia foi-se alargando progressivamente. Seu ritmo vai sendo acelerado pelas conquistas tecnológicas que levam cada vez mais eficiência para a exploração dos recursos naturais e a consequente  humanização dos ecossistemas originais. A intimidade com a natureza  virgem passa cada vez mais ao plano de um paraíso perdido, mas não esquecido.

A entrada triunfal da era da máquina no século XVIII representou, por assim, dizer a troca para quinta marcha a aceleração do motor do progresso de um lado e do outro o sacrifício da natureza. Em menos de três séculos generalizou-se uma inegável melhoria na qualidade de vida em todos os sentidos da espécie humana. A natureza fornecedora de todos os recursos e matérias primas sofreu e continua sofrendo um saque assustador. Chegou ao nível de alerta dos poderosos de mundo e as pessoas comuns. O progresso gerado pela espoliação da natureza possibilitou a concentração de milhões de pessoas em metrópoles e megalópoles, passando a existência na mais absoluta artificialidade. O contato com o meio ambiente natural acontece pelos documentários exibidos pela mídia ou escapadas esporádicas para longe do odor do asfalto que empesta a atmosfera das cidades.

Todo esse distanciamento, mesmo daqueles que nasceram e cresceram na absoluta artificialidade, não foi capaz de atrofiar as raízes humanas existencialmente mergulhadas no chão da “nossa mãe e pátria”. Explica-se assim a nostalgia atávica latente no íntimo de cada ser humano pelo paraíso perdido mas não esquecido. E basta uma fresta mínima na artificialidade urbana, para que a nostalgia se transforme num ímpeto irresistível para encher os pulmões, pelo menos por algumas horas, com o ar puro nas nesgas ainda disponíveis do “paraíso perdido mas não esquecido”.

Preservar áreas naturais características ou, se preferirmos, monumentos naturais e pô-los à disposição do povo, além de mostrar como foi o “paraíso perdido”, vem a ser um bom negócio. Um bom exemplo são os parques  e as florestas nacionais dos Estados Unidos. Os dados disponíveis apontam para mais de 20 bilhões de dólares, como assinalado mais acima,  que a visita aos parque e reservas naturais, acrescentam aos cofres do governo. Bem planejados e corretamente administrados geram muitos outros benefícios indiretos.  Funcionam como escolas e universidades ao ar livre. Sem livros, sem programas bitolados e impostos, crianças, jovens, adultos e idosos, comungam diretamente com os animais, árvores, fontes e o hálito puro e leve das florestas, montanhas e planaltos. É possível sentir as emoções mais estimulantes, apreciar as sinfonias da natureza longe da cacofonia da artificialidade urbana, encher os pulmões com o ar sem fuligem e, principalmente, encontrar-se com o belo na sua forma primigênia. Nesse cenário, a mestra é a própria natureza e o método para entende-la a percepção sensorial e a intuição. Em outras palavras. Esse contato direto visual, tátil, auditivo, olfativo e gustativo, assemelha-se em muito ao “farejar” sem compromisso. As impressões e informações colhidas alimentam a imaginação que, por sua vez, estimula a intuição atribuindo significados ao que os olhos enxergam e os demais sentidos percebem.  Num cenário desses a discussão acadêmica e política em favor ou contra  “a escola com ou sem partido” perde completamente o se sentido.

Quanto mais cedo esse aprendizado  começar a ser praticado e quanto mais espontâneo for, tanto mais profunda e definitivamente permeia o humano, a “Menschlichkeit”, e converte-se num autêntico estado de espírito. Faz com que uma floresta, por ex., com seus  ruídos, sons, gritos, cantos e assobios, seja percebida como uma sinfonia e não apenas como um conjunto fortuito de árvores e sons. Wilson resumiu o repercussão  desse contato vivo com a natureza sobre a formação da personalidade.

Da liberdade de explorar vem a alegria de aprender. Do conhecimento adquirido pela iniciativa pessoal advém o desejo de ter mais conhecimentos. E ao dominar esse novo belo mundo que está à espera de cada criança surge a autoconfiança. Cultivar um naturalista é como cultivar um músico ou um atleta: excelência para os talentosos, prazer para toda a vida para os demais, benefício para toda a humanidade. (Wilson, 2008, p. 166)

No mesmo contexto Wilson observa: “A criança é um selvagem  no melhor sentido da palavra. Ela precisa vibrar com a emoção da descoberta pessoal, precisa andar, mexer e remexer muito por aí e aprender o máximo possível sozinha”. (Wilson, 2008, p. 162).

O autor tem em mente, em primeiro lugar, a formação do biólogo profissional. Mas chama a atenção para a utilidade do conhecimento espontâneo da natureza, dispensando o dedo de um mestre apontando o caminho. As pessoas que em comunhão com a natureza experimentaram tais vivências, são mais versáteis em qualquer profissão que escolherem para a vida, percebem horizontes mais amplos e desenvolvem uma personalidade mais sensível, mais humana. Enxergam para além das fronteiras acanhadas de uma profissão liberal. Serão médicos que descobrem que no paciente o sofrimento físico mascara traumas, esperanças, expectativas, radicadas nas profundezas insondáveis de cada ser humano. Percebem que cada paciente  é único na sua atitude ao enfrentar uma enfermidade e como único precisa ser tratado. Serão profissionais na especialidade que foram dotados de um “faro” privilegiado para perceber, ou se preferirmos, intuir o que ocorre no plano existencial de um paciente, cliente ou parceiro. Essa reflexão esconde  potencial para livros inteiros. Não é aqui o  lugar. O que interessa aqui e agora é a contribuição que tem a oferecer para entender todo o alcance e profundidade da “Encíclica Verde” do Papa Francisco.

Edward Wilson não é citado nominalmente na Encíclica. Muito bem poderia.  Afinal, ele como cientista ofereceu o que é fundamental quando o assunto é preservação ou “salvamento da vida na terra”, isto é, a educação das pessoas para entenderem, viverem, sentirem, alegrarem-se e sofrerem com “a nossas casa”, a “mãe e pátria”, que os abriga e alimenta. As políticas e ações de socorro à terra em perigo e com ela a espécie humana, foram propostas por técnicos frios, políticos com segundas intenções, geopolíticos interesseiros ou economistas voltados para os números do PIB e outros objetivos de valia imediatista. Toda a questão de fundo apontada na encíclica, pesa pouco para não dizer nada. 

This entry was posted on segunda-feira, 18 de setembro de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.