Até
essa altura, isto é, final do paleolítico, 15.000 a 20.000 anos passados o
homem coletor e ou caçador, vivia numa pareceria, numa simbiose da natureza
perfeitamente equilibrada. A integridade e o equilíbrio dos ecossistemas
naturais não sofriam agressões significativas. Na transição do paleolítico para o neolítico, denominada
também de mesolítico, a caminhada histórica da humanidade envereda por duas
direções paralelas. A convivência e o relacionamento om os animais, a
observação dos seus hábitos, a aproximação dos acampamentos de uns e fuga de
outros, fez com que algumas espécies
passassem a integrar-se praticamente ao quotidiano dos homens. Daí para
frente domesticá-los e controlar a sua criação, foi apenas uma questão de
tempo. A domesticação foi o passo que desencadeou o pastoreio, uma verdadeira
revolução, cujos potenciais estão longe de se esgotar. Chamamos atenção, por
ex., para a aplicação das conquistas
genéticas, no manejo dos animais e dos pastos em que são criados.
Uma
revolução paralela e de igual ou maior potencial foi amadurecendo e tomando
corpo entre os coletores. Pela observação ao coletarem
frutas, raízes, tubérculos foram identificando os hábitos e as
características, os ciclos de crescimento e outros mais. Ao mesmo tempo em que identificavam
os mais produtivos, por acaso ou intencionalmente, talvez as duas juntas, teve
início a agricultura. Os potenciais também dessa segunda revolução não se esgotaram. Pelo
contrário no caso dos animais a manipulação genética e as tecnologias de
produção agrícola, estão em franca expansão.
Darci
Ribeiro denominou a revolução agrícola somada à revolução pastoril de
“Revolução dos Alimentos”. No contexto em que nos movimentamos, isto é, a
“Enciclica Verde”, queremos chamar a atenção par o efeito realmente
revolucionário na relação do homem com o meio físico geográfico. Tendo em vista
o potencial de invasão e de degradação da natureza dessa revolução, Edwad Wilson,
chama a atenção que, a par das inegáveis perspectivas de sobrevivência que
possibilitou ao homem, ela foi também a “primeira traição” perpetrada à “sua
mãe e pátria”. Essa afirmação evidentemente precisa ser entendida na perspectiva
em que Wilson desenvole sua reflexão. Ele resume a “traição” nos efeitos negativos dessa
conquista revolucionária. Chama a atenção para alguns problemas que se foram
acelerando nos milênios posteriores e hoje chegam a níveis no mínimo
alarmantes. No caso da agricultura são principalmente dois fenômenos
complementares. a ocupação intensiva e sistemática das terra próprias para a
agricultura vai desfigurando a paisagem original substituindo-a pela humanizada
com suas aldeias, cidades, plantações, sistemas de irrigação e vias de
circulação. Esse fenômeno se acelera na medida em que a população cresce e as
demandas para cobrir as necessidades aumentam. Com a humanização muitas plantas
e animais migram outros territórios ou simplesmente se extinguem. Mas, há uma
outra consequência que merece atenção. Das muitas espécies e variedades de
plantas potencialmente úteis, os agricultores vão selecionando as mais
produtivas e mais fáceis de serem cultivadas. Com isso as opções de produção de
alimentos vão enfunilando e dependendo de um número muito reduzido de espécies,
o que agrava a dependência e influi negativamente no uso dos solos agrícolas. Aumenta
o poder de barganha dos produtores e condena á dependência os que deles
dependem. Esse aspecto da questão alcança nesse começo do terceiro milênio,
proporções estratosféricas. Basta dar uma olhada na lista dos produtos agrícolas negociados na bolsa de
Chicago.
Não
é aqui, entretanto, o lugar para entrar em mais pormenores. Interessa o seu significado como
desencadeador da acelerada substituição da paisagem natural pela humanizada, dos
ecossistemas naturais pelos também humanizados. É óbvio que seria um sonho sem
o menor sentido reclamar o retorno a uma biosfera do final do Paleolítico. O
que está em discussão é o efeito de muitas motivações, muitos métodos e muitas
tecnologias que estimularam e facilitaram a apropriação dos recursos naturais.
A essa altura dos acontecimentos as tecnologias a serviço de objetivos e
valores muitas vezes discutíveis ou francamente nocivos ou criminosos,
colocaram a “nossa casa” diante de futuro preocupante.
Parece
que a humanidade em peso está se apercebendo dessa realidade. “O meio ambiente
natural está cheio de chagas causadas pelo nosso comportamento irresponsável,
pede por socorro a todas as pessoas de boa vontade”, como alertou Bento
XVI. E, parece que a preocupação com
essa causa é generalizada. As pessoas comuns, organizações com as mais diversas
motivações e orientações, lideranças religiosas e governantes debatem e avaliam a questão em âmbito local,
regional, nacional e internacional. E, para colaborar com o encontro
internacional do Clima em Paris, o Papa Francisco líder de um bilhão e duzentos milhões de católicos ofereceu a
monumental carta encíclica “Laudato si”, que com toda a propriedade poderia
chamar-se também de “Encíclica Verde”. Vale o esforço meditar e refletir sobre
a riqueza do seu conteúdo e, de modo especial, sobre as pesadas advertências
que formula.