Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 4 -

Até essa altura, isto é, final do paleolítico, 15.000 a 20.000 anos passados o homem coletor e ou caçador, vivia numa pareceria, numa simbiose da natureza perfeitamente equilibrada. A integridade e o equilíbrio dos ecossistemas naturais não sofriam agressões significativas. Na transição  do paleolítico para o neolítico, denominada também de mesolítico, a caminhada histórica da humanidade envereda por duas direções paralelas. A convivência e o relacionamento om os animais, a observação dos seus hábitos, a aproximação dos acampamentos de uns e fuga de outros, fez com que algumas espécies  passassem a integrar-se praticamente ao quotidiano dos homens. Daí para frente domesticá-los e controlar a sua criação, foi apenas uma questão de tempo. A domesticação foi o passo que desencadeou o pastoreio, uma verdadeira revolução, cujos potenciais estão longe de se esgotar. Chamamos atenção, por ex.,  para a aplicação das conquistas genéticas, no manejo dos animais e dos pastos em que são criados.

Uma revolução paralela e de igual ou maior potencial foi amadurecendo e tomando corpo entre os coletores. Pela observação ao  coletarem  frutas, raízes, tubérculos foram identificando os hábitos e as características, os ciclos de crescimento e outros mais. Ao mesmo tempo em que identificavam os mais produtivos, por acaso ou intencionalmente, talvez as duas juntas, teve início a agricultura. Os potenciais também dessa  segunda revolução não se esgotaram. Pelo contrário no caso dos animais a manipulação genética e as tecnologias de produção agrícola, estão em franca expansão.

Darci Ribeiro denominou a revolução agrícola somada à revolução pastoril de “Revolução dos Alimentos”. No contexto em que nos movimentamos, isto é, a “Enciclica Verde”, queremos chamar a atenção par o efeito realmente revolucionário na relação do homem com o meio físico geográfico. Tendo em vista o potencial de invasão e de degradação da natureza dessa revolução, Edwad Wilson, chama a atenção que, a par das inegáveis perspectivas de sobrevivência que possibilitou ao homem, ela foi também a “primeira traição” perpetrada à “sua mãe e pátria”. Essa afirmação evidentemente precisa ser entendida na perspectiva em que Wilson desenvole sua reflexão. Ele resume a  “traição” nos efeitos negativos dessa conquista revolucionária. Chama a atenção para alguns problemas que se foram acelerando nos milênios posteriores e hoje chegam a níveis no mínimo alarmantes. No caso da agricultura são principalmente dois fenômenos complementares. a ocupação intensiva e sistemática das terra próprias para a agricultura vai desfigurando a paisagem original substituindo-a pela humanizada com suas aldeias, cidades, plantações, sistemas de irrigação e vias de circulação. Esse fenômeno se acelera na medida em que a população cresce e as demandas para cobrir as necessidades aumentam. Com a humanização muitas plantas e animais migram outros territórios ou simplesmente se extinguem. Mas, há uma outra consequência que merece atenção. Das muitas espécies e variedades de plantas potencialmente úteis, os agricultores vão selecionando as mais produtivas e mais fáceis de serem cultivadas. Com isso as opções de produção de alimentos vão enfunilando e dependendo de um número muito reduzido de espécies, o que agrava a dependência e influi negativamente no uso dos solos agrícolas. Aumenta o poder de barganha dos produtores e condena á dependência os que deles dependem. Esse aspecto da questão alcança nesse começo do terceiro milênio, proporções estratosféricas. Basta dar uma olhada na lista  dos produtos agrícolas negociados na bolsa de Chicago.

Não é aqui, entretanto, o lugar para entrar em mais  pormenores. Interessa o seu significado como desencadeador da acelerada substituição da paisagem natural pela humanizada, dos ecossistemas naturais pelos também humanizados. É óbvio que seria um sonho sem o menor sentido reclamar o retorno a uma biosfera do final do Paleolítico. O que está em discussão é o efeito de muitas motivações, muitos métodos e muitas tecnologias que estimularam e facilitaram a apropriação dos recursos naturais. A essa altura dos acontecimentos as tecnologias a serviço de objetivos e valores muitas vezes discutíveis ou francamente nocivos ou criminosos, colocaram a “nossa casa” diante de futuro preocupante.

Parece que a humanidade em peso está se apercebendo dessa realidade. “O meio ambiente natural está cheio de chagas causadas pelo nosso comportamento irresponsável, pede por socorro a todas as pessoas de boa vontade”, como alertou Bento XVI.  E, parece que a preocupação com essa causa é generalizada. As pessoas comuns, organizações com as mais diversas motivações e orientações, lideranças religiosas e governantes  debatem e avaliam a questão em âmbito local, regional, nacional e internacional. E, para colaborar com o encontro internacional do Clima em Paris, o Papa Francisco líder de um bilhão e  duzentos milhões de católicos ofereceu a monumental carta encíclica “Laudato si”, que com toda a propriedade poderia chamar-se também de “Encíclica Verde”. Vale o esforço meditar e refletir sobre a riqueza do seu conteúdo e, de modo especial, sobre as pesadas advertências que formula.


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