Theodosius Dobzhansky (1900-1975) - 2

O código genético como fundamento da identidade biológica de todos os seres vivos, das arqueobactérias ao  elefante e o homem, das algas diatomácias até uma araucária várias vezes secular, apresenta os mesmos elementos químicos básicos, o mesmo DNA,  o mesmo plano estrutural e os mesmos reflexos nos indivíduos. Representa assim um poderoso argumento, talvez o mais consistente,  em favor da “síntese” da natureza. Vale lembrar que Francis Collins encontrou esse argumento em favor da natureza como síntese, também no campo da genética, enquanto Wilson o foi buscar nas observação dos insetos e ecossistemas naturais e humanizados que a natureza é um “Fato objetivo”. Theilard de Chardin chegou à mesma  conclusão partindo da paleoantropologia, Bertalanffy da biologia. Os caminhos e as abordagens  são diferentes mas todas convergem “para Roma”, isto é, todos sinalizam para uma grande síntese.

No capítulo I, Dobzansky explica  exaustivamente o papel das células sexuais; como os cromossomas e genes conduzem a herança genética; qual a composição química dos cromossomas e os mecanismos de auto multiplicação relacionam-se com  origem da vida. Dedica o capítulo II à “Multifacética  Natureza Humana”. Nele aprofunda a questão da individualidade do homem  na unidade da humanidade; genótipo e fenótipo; estudo dos gêmeos; as modificações induzidas pelo meio ambiente. No capítulo III discute a questão da raça, as diferenças individuais e da coletividade, a raça como fenômeno biológico, as frequências genéticas humanas, uma possível classificação das raças humanas, raça, inteligência e personalidade, um elogio à diversidade. O capítulo IV leva como título: “A Tara Genética e o Perigo das Radiações”, com os subtítulos: Evolução, mutação, as mutações no homem, tipos de mutação e suas causas, a maioria das mutações é prejudicial, seleção natural, tara genética, condições genéticas ambivalentes, genética e o perigo das radiações. Esses quatro capítulos, como se perceber pelos assuntos enfocados neles, ocupam-se com a fundamentação da natureza humana, bases genéticas e interação do meio ambiente com essas bases. Não é o lugar aqui para profundar os aspectos científicos e técnicos desse fundamento, pois, o interesse nas presente reflexões  é aprofundar a tese da “Natureza como Síntese”.

Dito isso analisemos com mais detalhes o que Dozhansky propõe no último capítulo do seu livro: “Para onde vai a Humanidade?”, em relação à síntese que é tema central das reflexões que vimos fazendo até aqui. Nele o autor nos  brinda  com elementos preciosos para fundamentar a tese de que a natureza e, como personagem principal a espécie humana, formam uma “Grande Síntese”. Na sua compreensão o polo de convergência da natureza e por isso mesmo de todo o esforço da ciência, devem ter a compreensão do homem  como objetivo maior. É sua a reflexão.

A ciência deve ser antropocêntrica, o que quer dizer ter o homem como referência. Algumas vezes define-se a ciência básica, fundamental e teórica, como método para compreender o mundo. A ciência prática ou a tecnologia é um método para transformar o mundo em função da vontade e das aspirações do homem. É perfeitamente razoável que o conhecimento do mundo seja útil, melhor indispensável, para determinar quais as mudanças serem efetuadas, como fazê-las, para que beneficiem a humanidade. Não há dúvida de que a inter-relação e a ciência básica deve ser interpretada de modo amplo. O conhecimento das partículas subatômicas, dos átomos e das moléculas, organismos inferiores e superiores, das montanhas e oceanos, dos planetas, sóis e galáxias, ajuda ao ser humano no seu esforço de compreender-se a si mesmo e sua lugar no universo.
Quem é o homem, donde vem e para onde vais? É questionável que  a ciência por si só esteja em condições de  responder definitivamente essas interrogações; certamente as melhores inteligências seriam impotentes  diante delas sem dispor de conhecimentos científicos. (Dobzhansky, 1969, p. 150)

 A essa reflexão o autor acrescentou os versos do poeta Omar Khayyam que viveu há oito séculos passados, condensando em poucas palavras a mesma problemática: “Chegamos a este mundo sem saber porque; Nem de onde, queiras ou não, como a água que flui; e partimos dele como o vento do deserto, para onde não sei, queiras ou não”. (idem, º. 151). Ao poeta soma a opinião do filósofo, Nietzsche. “O ser humano é uma corda estendida entre os animais  e o super-homem, uma corda estendida sobre um abismo. (idem, p. 151). Não consta que Darwin, assim como muitos outros cientistas, a maioria presumivelmente, não conheceram  Omar Khayyam, muito menos inspiraram-se em seus versos. O fato é que a ciência e os cientistas estão direta ou indiretamente comprometidos em achar respostas para as perguntas formuladas pelo poeta. Sem dúvida progrediu-se muito neste sentido nos últimos dois séculos. Nos laboratórios, nas pesquisas de campo observando o acontecer da natureza na sua prodigiosa complexidade, abriram milhares de caminhos e trilhas, sonhando em contribuir para dar sempre mais respostas parciais, convergindo para uma que seja a final e a conclusiva.

Dobzhansky demora-se em explorar a riqueza de sentido da metáfora de Nietzsche. O homem como espécie biológica ainda não concluiu a evolução. Já venceu uma boa parte da sua travessia por cima do abismo. Será que logrará chegar são e salvo na  outra margem, ou seu destino é precipitar-se do alto e terminar com sua história truncada no meio do caminho. Na verdade três são os desfechos possíveis. Ou a evolução termina no super-homem de Nietzsche; ou uma hecatombe nuclear ou vinda de fora, do universo, rompe a corda e a humanidade termina no fundo do abismo; ou a evolução encontra condições para continuar sua marcha até esgotar todo o seu potencial e a biosfera e com ela a espécie humana,  se apagam  como uma vela que esgotou a cera que a alimenta. Não faz sentido apostar em um desses desfechos pois, em última análise não interfere na essência da natureza humana. O próprio super-homem de Nietzsche não seria uma nova espécie humana, mas um novo patamar previsto e efetuado pelo curso normal da evolução.

Depois dessas considerações, Dobzhabsky demora-se em insistir que a espécie humana, apesar dos pesares, não deixa de ser um fenômeno único, Leitmotiv da sinfonia que confere sentido e razão de ser à harmonia da natureza; que  a cultura não se transmite pelas células sexuais e portanto, não pelos genes, mas é individualmente adquirida por cada pessoa, pela convivência com pais, irmãos, vizinhos, seu entorno social, a tradição oral  e escrita ou perpetuada de qualquer outra forma; que a fase decisiva na transmissão da cultura é na infância e, num sentido mais amplo, a socialização começa no nascimento e estende-se até a morte; que a transmissão da cultura acontece independente da identidade étnica e por isso somos todos, de alguma maneira herdeiros tanto dos personagens proeminentes da história, quanto dos anônimos protagonistas  das conquistas culturais desde o remoto paleolítico, até hoje; que a cultura evolui e continua evoluindo como os genes, porém, acionada não por mecanismos biológicos, mas por mecanismos e leis próprias. A evolução biológica e a evolução cultural são fenômenos análogos e não homólogos, por isso mesmo um não é passível de redução no outro. Esse reducionismo espalhou uma grande confusão entre cientistas, historiadores, sociólogos e políticos, Transformada em ideologia política serviu de base para desqualificar  raças supostamente inferiores geneticamente e por isso incapazes de ascender em direção ao “super-homem” imaginado por Nietzsche. O exemplo em cultura pura foi o nacional socialismo que elegeu a “raça ariana” como a predestinada a realizar essas façanha e desqualificar todas as demais como inferiores e merecedoras  de extermínio. De qualquer forma essa confusão reina em grau mais ou menos acentuado onde quere que se pratica a  discriminação  motivada pelo argumento “raça”. Essa confusão é universal no tempo e no espaço. Onde  quer que tenham vivido raças humanas de cores, estatura e compleição física diferentes, o racismo esteve e está de alguma forma presente. Segundo essa concepção a evolução biológica e a evolução cultural estariam condicionadas à mutação dos genes. Seria, portanto, um processo homólogo e reducionista em que a cultura na sua essência é o resultado do DNA como a cor da pele ou as papilas dos dedos. O autor exemplifica a questão com os avanços espetaculares verificados nos últimos séculos em todos os setores da atividade humana e chama a atenção ao fato de  “que milhões de trabalhadores que na atualidade manejam complicadas máquinas são filhos  e netos de camponeses e lavradores que apenas sabiam cultivar a terra. Para essa mudança certamente não foi necessário esperar a mutações genéticas para transformar  camponeses em engenheiros.  (Dobzhansky, 1969, p. 154).

A posição oposta à que prega o determinismo genético afirma que a identidade genética da humanidade é de tal ordem que não deve ser tomada em consideração quando o assunto é cultura, relacionamento social, político e procedimentos econômicos. Justifica-se  pela reação normal de que um extremo provoca reações extremas opostas. Novamente a saída defendida pelo autor, segue um caminho intermediário assim descrito por ele.


Não há dúvida que a capacidade da espécie humana não surgiu repentinamente em algum remoto antepassado nosso: pelo contrário, deve ter evoluído gradualmente. Tão pouco essa capacidade é constante; varia de tempos em tempos e de individuo para indivíduo. Os genes humanos permitem que o homem adquira uma cultura com maior ou menor facilidade, mas a diferença do que os racistas sustentam, os genes não determinam o tipo de cultura de que se apropria, da mesma maneira que os genes permitem que o homem fale, mas não permitem o que ele fala. A continuidade e o desenvolvimento da cultura somente é possível na medida em que preserve e aperfeiçoe sua base genética. (Dobzhansky, 1969,  p, 155).

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