O
código genético como fundamento da identidade biológica de todos os seres
vivos, das arqueobactérias ao elefante e
o homem, das algas diatomácias até uma araucária várias vezes secular,
apresenta os mesmos elementos químicos básicos, o mesmo DNA, o mesmo plano estrutural e os mesmos reflexos
nos indivíduos. Representa assim um poderoso argumento, talvez o mais
consistente, em favor da “síntese” da
natureza. Vale lembrar que Francis Collins encontrou esse argumento em favor da
natureza como síntese, também no campo da genética, enquanto Wilson o foi
buscar nas observação dos insetos e ecossistemas naturais e humanizados que a
natureza é um “Fato objetivo”. Theilard de Chardin chegou à mesma conclusão partindo da paleoantropologia,
Bertalanffy da biologia. Os caminhos e as abordagens são diferentes mas todas convergem “para
Roma”, isto é, todos sinalizam para uma grande síntese.
No
capítulo I, Dobzansky explica exaustivamente
o papel das células sexuais; como os cromossomas e genes conduzem a herança
genética; qual a composição química dos cromossomas e os mecanismos de auto
multiplicação relacionam-se com origem
da vida. Dedica o capítulo II à “Multifacética
Natureza Humana”. Nele aprofunda a questão da individualidade do
homem na unidade da humanidade; genótipo
e fenótipo; estudo dos gêmeos; as modificações induzidas pelo meio ambiente. No
capítulo III discute a questão da raça, as diferenças individuais e da
coletividade, a raça como fenômeno biológico, as frequências genéticas humanas,
uma possível classificação das raças humanas, raça, inteligência e
personalidade, um elogio à diversidade. O capítulo IV leva como título: “A Tara
Genética e o Perigo das Radiações”, com os subtítulos: Evolução, mutação, as
mutações no homem, tipos de mutação e suas causas, a maioria das mutações é
prejudicial, seleção natural, tara genética, condições genéticas ambivalentes,
genética e o perigo das radiações. Esses quatro capítulos, como se perceber
pelos assuntos enfocados neles, ocupam-se com a fundamentação da natureza humana,
bases genéticas e interação do meio ambiente com essas bases. Não é o lugar
aqui para profundar os aspectos científicos e técnicos desse fundamento, pois,
o interesse nas presente reflexões é
aprofundar a tese da “Natureza como Síntese”.
Dito
isso analisemos com mais detalhes o que Dozhansky propõe no último capítulo do
seu livro: “Para onde vai a Humanidade?”, em relação à síntese que é tema
central das reflexões que vimos fazendo até aqui. Nele o autor nos brinda com elementos preciosos para fundamentar a
tese de que a natureza e, como personagem principal a espécie humana, formam
uma “Grande Síntese”. Na sua compreensão o polo de convergência da natureza e
por isso mesmo de todo o esforço da ciência, devem ter a compreensão do homem como objetivo maior. É sua a reflexão.
A ciência deve ser antropocêntrica, o que quer dizer
ter o homem como referência. Algumas vezes define-se a ciência básica,
fundamental e teórica, como método para compreender o mundo. A ciência prática
ou a tecnologia é um método para transformar o mundo em função da vontade e das
aspirações do homem. É perfeitamente razoável que o conhecimento do mundo seja
útil, melhor indispensável, para determinar quais as mudanças serem efetuadas,
como fazê-las, para que beneficiem a humanidade. Não há dúvida de que a
inter-relação e a ciência básica deve ser interpretada de modo amplo. O
conhecimento das partículas subatômicas, dos átomos e das moléculas, organismos
inferiores e superiores, das montanhas e oceanos, dos planetas, sóis e galáxias,
ajuda ao ser humano no seu esforço de compreender-se a si mesmo e sua lugar no
universo.
Quem é o homem, donde vem e para onde vais? É
questionável que a ciência por si só
esteja em condições de responder
definitivamente essas interrogações; certamente as melhores inteligências
seriam impotentes diante delas sem
dispor de conhecimentos científicos. (Dobzhansky, 1969, p. 150)
A essa reflexão o autor
acrescentou os versos do poeta Omar Khayyam que viveu há oito séculos passados,
condensando em poucas palavras a mesma problemática: “Chegamos a este mundo sem
saber porque; Nem de onde, queiras ou não, como a água que flui; e partimos
dele como o vento do deserto, para onde não sei, queiras ou não”. (idem, º.
151). Ao poeta soma a opinião do filósofo, Nietzsche. “O ser humano é uma corda
estendida entre os animais e o
super-homem, uma corda estendida sobre um abismo. (idem, p. 151). Não consta
que Darwin, assim como muitos outros cientistas, a maioria presumivelmente, não
conheceram Omar Khayyam, muito menos
inspiraram-se em seus versos. O fato é que a ciência e os cientistas estão
direta ou indiretamente comprometidos em achar respostas para as perguntas
formuladas pelo poeta. Sem dúvida progrediu-se muito neste sentido nos últimos
dois séculos. Nos laboratórios, nas pesquisas de campo observando o acontecer
da natureza na sua prodigiosa complexidade, abriram milhares de caminhos e
trilhas, sonhando em contribuir para dar sempre mais respostas parciais,
convergindo para uma que seja a final e a conclusiva.
Dobzhansky
demora-se em explorar a riqueza de sentido da metáfora de Nietzsche. O homem
como espécie biológica ainda não concluiu a evolução. Já venceu uma boa parte
da sua travessia por cima do abismo. Será que logrará chegar são e salvo
na outra margem, ou seu destino é
precipitar-se do alto e terminar com sua história truncada no meio do caminho.
Na verdade três são os desfechos possíveis. Ou a evolução termina no
super-homem de Nietzsche; ou uma hecatombe nuclear ou vinda de fora, do universo,
rompe a corda e a humanidade termina no fundo do abismo; ou a evolução encontra
condições para continuar sua marcha até esgotar todo o seu potencial e a
biosfera e com ela a espécie humana, se
apagam como uma vela que esgotou a cera
que a alimenta. Não faz sentido apostar em um desses desfechos pois, em última
análise não interfere na essência da natureza humana. O próprio super-homem de
Nietzsche não seria uma nova espécie humana, mas um novo patamar previsto e
efetuado pelo curso normal da evolução.
Depois
dessas considerações, Dobzhabsky demora-se em insistir que a espécie humana,
apesar dos pesares, não deixa de ser um fenômeno único, Leitmotiv da sinfonia
que confere sentido e razão de ser à harmonia da natureza; que a cultura não se transmite pelas células
sexuais e portanto, não pelos genes, mas é individualmente adquirida por cada
pessoa, pela convivência com pais, irmãos, vizinhos, seu entorno social, a
tradição oral e escrita ou perpetuada de
qualquer outra forma; que a fase decisiva na transmissão da cultura é na
infância e, num sentido mais amplo, a socialização começa no nascimento e
estende-se até a morte; que a transmissão da cultura acontece independente da
identidade étnica e por isso somos todos, de alguma maneira herdeiros tanto dos
personagens proeminentes da história, quanto dos anônimos protagonistas das conquistas culturais desde o remoto
paleolítico, até hoje; que a cultura evolui e continua evoluindo como os genes,
porém, acionada não por mecanismos biológicos, mas por mecanismos e leis
próprias. A evolução biológica e a evolução cultural são fenômenos análogos e
não homólogos, por isso mesmo um não é passível de redução no outro. Esse
reducionismo espalhou uma grande confusão entre cientistas, historiadores,
sociólogos e políticos, Transformada em ideologia política serviu de base para
desqualificar raças supostamente
inferiores geneticamente e por isso incapazes de ascender em direção ao
“super-homem” imaginado por Nietzsche. O exemplo em cultura pura foi o nacional
socialismo que elegeu a “raça ariana” como a predestinada a realizar essas
façanha e desqualificar todas as demais como inferiores e merecedoras de extermínio. De qualquer forma essa confusão
reina em grau mais ou menos acentuado onde quere que se pratica a discriminação
motivada pelo argumento “raça”. Essa confusão é universal no tempo e no
espaço. Onde quer que tenham vivido
raças humanas de cores, estatura e compleição física diferentes, o racismo
esteve e está de alguma forma presente. Segundo essa concepção a evolução biológica
e a evolução cultural estariam condicionadas à mutação dos genes. Seria,
portanto, um processo homólogo e reducionista em que a cultura na sua essência
é o resultado do DNA como a cor da pele ou as papilas dos dedos. O autor
exemplifica a questão com os avanços espetaculares verificados nos últimos séculos
em todos os setores da atividade humana e chama a atenção ao fato de “que milhões de trabalhadores que na
atualidade manejam complicadas máquinas são filhos e netos de camponeses e lavradores que apenas
sabiam cultivar a terra. Para essa mudança certamente não foi necessário
esperar a mutações genéticas para transformar
camponeses em engenheiros.
(Dobzhansky, 1969, p. 154).
A
posição oposta à que prega o determinismo genético afirma que a identidade
genética da humanidade é de tal ordem que não deve ser tomada em consideração
quando o assunto é cultura, relacionamento social, político e procedimentos
econômicos. Justifica-se pela reação
normal de que um extremo provoca reações extremas opostas. Novamente a saída
defendida pelo autor, segue um caminho intermediário assim descrito por ele.
Não há dúvida que a capacidade da espécie humana não
surgiu repentinamente em algum remoto antepassado nosso: pelo contrário, deve
ter evoluído gradualmente. Tão pouco essa capacidade é constante; varia de
tempos em tempos e de individuo para indivíduo. Os genes humanos permitem que o
homem adquira uma cultura com maior ou menor facilidade, mas a diferença do que
os racistas sustentam, os genes não determinam o tipo de cultura de que se
apropria, da mesma maneira que os genes permitem que o homem fale, mas não
permitem o que ele fala. A continuidade e o desenvolvimento da cultura somente
é possível na medida em que preserve e aperfeiçoe sua base genética.
(Dobzhansky, 1969, p, 155).