Theodosius Dobzhansky (1900-1975) - 1

Perfil de Dozhansky  

Theodosius Dobzhansky  nasceu em 1900 na Ucrânia, filho único do professor de matemática Grigory Dozhansky. Cursando o segundo grau noturno dedicou-se à coleção de borboletas que o motivou a tornar-se biólogo. Trabalhou e estudou na universidade de Kiev entre 1917 e 1924. Transferiu-se então para Leningado onde, sob a orientação  de Yuri Filipechenko, iniciou-se no estudo da Drosophila melanogaster, num laboratório recém montado para essa  finalidade. Em 1927  emigrou para os Estados Unidos como membro do Conselho Internacional de Educação da Fundação Rockfeller. Trabalhou na universidade Columbia com Thomas Hunt Morgan, pioneiro no estudo da genética valendo-se da Drosophila melanogaster. Com ele transferiu-se para a Universidade da Califórnia em Berckeley, onde permaneceu até 1940. Fez observações com a mosca da fruta também fora do âmbito da universidade. Em 1937 obteve a cidadania americana. No mesmo ano publicou uma das suas obras mais importantes: “Genetics and the Origin of Species”. Em 1940 Dobzhansky retornou à universidade Columbia onde trabalhou até 1962. Até a sua aposentadoria em e 1971 pesquisou no Instituto Rockfeller. Como professor  emérito voltou para a universidade da Califórnia.

A obra que escolhemos para apresentar a concepção de Dobzhansky sobre a natureza como síntese é o livro publicado em 1969, com o título na tradução para o espanhol: Herencia y Naturaleza del Hombre. Nas três páginas do prefácio ele chama a atenção para a gigantesca expansão da atividade científica. O número de cientistas cresce proporcionalmente mais do que o da população mundial. Essa realidade leva a uma série de consequências que merecem atenção. Uma delas refere-se a especialização crescente e no mesmo ritmo do número de especialistas que se somam anualmente aos já em atividade. Com isso abrem-se novas frentes, com novas especializações. Daí resulta que hoje é simplesmente impossível que um só cientista seja capaz de abarcar  sequer os conhecimentos gerados na subárea, por ex., da zoologia ou da botânica, fazendo com que se corra o risco de não se perceber o conjunto em que a especialidade se encontra inserida. O desmonte dos objetos de pesquisa chega ao extremo de os resultados já não interessarem a mais ninguém além do próprio especialista. – Um segundo fenômeno que corre paralelo a esse quadro vem a ser os cientistas avançando na contramão do processo da especialização levada ao extremo. São aqueles que se preocupam em encaixar os dados isolados num todo, num sistema ou, se preferirmos, numa Síntese. À dinâmica centrifuga própria da especialização, pretende-se somar algo de útil ao conhecimento como um todo. Ela precisa ser temperada com sua antípoda, a dinâmica centrípeda em direção à síntese dos resultados das pesquisas. Acontece que quanto maior for o volume de informações saídas dos laboratórios, tanto mais trabalhoso será o esforço de amalgamá-los numa síntese. Cientistas especializados e sintetizadores costumam ser personalidades que pela própria natureza da sua postura intelectual, correm o perigo de serem medíocres tanto como cientistas, quanto como sintetizadores. No plano ideal, porém, cada especialista deveria ser um sintetizador e este um especialista. Trata-se, porém, de uma façanha pouco comum mas não impossível. Quem sobe a esse nível já não é mais um simples conhecedor da sua especialidade, um “Kenner” como diriam os alemães, mas um sábio, um “Weise”.

O especialista que alcançou esse patamar corre o risco  sério de ser desqualificado como tal. Para os pesquisadores especializados, o esforço na  análise aliada à  preocupação pela síntese, exige o recurso a conceitos, a um discurso e, de modo especial, a métodos, que causam estranheza ao especialista. No plano metodológico vale-se da intuição e ou da percepção sensorial, da sabedoria popular para preencher as lacunas e responder as perguntas que os dados objetivos dos laboratórios, das tabelas estatísticas ou dos modelos matemáticos deixaram em branco. Com a singularidade com que constrói a sua concepção integradora, holística do conhecer as realidades concretas, o “sábio” naturalista transforma-se em poeta, em artista, e porque não, em místico. A apreciação da harmonia de uma paisagem, o mistério de uma floresta silenciosa, o épico de uma tempestade, o assustador de um abismo, põe em ebulição as emoções mais profundas da alma num linguajar bem diverso daquele, por ex.,que é próprio de uma descrição taxonômica de plantas e animais. Em todos os sábios cuja cosmovisão que interpretamos até aqui, percebe-se essa peculiaridade independente da sua especialidade como cientista: Erich Wassmann com suas formigas e térmites, Teilhard de Chardin especialista em  paleoantropologia, Balduino Rambo, especialista em taxonomia dos fanerógamos, Ludwig von Bertalanffy biólogo, Francis Coilins  na genética médica e Edward Wilson  com insetos e ecossistemas. Por se valerem de recursos literários que fogem do padrão enxuto, despido ou esquelético ao descrever espécies e gêneros, montar tabelas estatísticas ou descrever processos físicos, não raro são desqualificados por pares  que apostam todas fichas no rigor dos métodos científicos e apresentam os resultados numa linguagem que se aproximam de um código secreto, decifrável somente pelos iniciados. Para eles um Balduino  Rambo depois de coletar amostras de fanerógamos um dia inteiro, descansando na boca do canyon do Fortaleza ou do Taimbezinho, intuindo que “alguém mora nesses abismos e alguém vigia nessas  torres de observação”, não passa de um romântico alienado. Para seus críticos a ciência que faz não oferece  a credibilidade  dos dados objetivos comprovados, “preto no branco”, pelos métodos e as ferramentas da  análise empírica. A obra de Francis Collins, “A Linguagem de Deus” e a de Edward Wilson “A Criação”, são textos que alternam ou mesclam dados científicos com divagações épicas, românticas, líricas e até místicas. A grandiosa concepção da unidade na complexidade do universo, da natureza e do homem de Teilhard de Chardin, segue na mesma linha e sofreu as mesma restrição e desqualificação imputada a seu irmão de ordem religiosa há pouco citado. Em seguida constaremos o mesmo, ressalvadas as peculiaridades pessoais, em Dobzansky.

A visão sintética da natureza de Dobzhansky a partir da genética.

O que é legítimo concluir do que se acaba de comenta? Dobzhansky apresenta uma resposta a partir de sua especialidades de geneticista, válida na sua essência para cientistas em qualquer uma das áreas da Ciências Naturais. Ao apresentar o livro “A Herança e a Natureza Humana” a bases que nos servirá de guia para as reflexões que seguem, chama a atenção ao fato de que a obra é fruto da série “Holiday Science Lectures”, patrocinada pela Sociedade Americana para o Progresso da Ciência em 1963 e  1964. O objetivo da série de estudos e reflexões foi assim resumido: “ampliar os horizontes científicos do público, e compartilhar com ele uma parte da emoção e inspiração do esforço científico.

Dos numerosos avanços da ciência, a ciência da hereditariedade, é um dos mais impressionantes. Evidentemente a genética não inventou uma nova superbomba, nem consegue competir com a sensação romântica oferecida pelas viagens interplanetárias. O interesse e a importância da genética são definidos por outras razões. Há mais de dois milênios os sábios gregos descobriram que “o conhecer-se a si mesmo”, é base de toda a sabedoria. Talvez a principal finalidade da genética, da biologia e da ciência em geral – ou pelo menos um deles  -  consiste  em ajudar o homem a compreender-se a si mesmo e tomar consciência do seu lugar no universo.
Por meio deste livro não se pretende cobrir o campo todo da genética. Nosso objetivo principal serão os aspetos humanísticos da genética, que vale dizer enfocar os dados, as ideias e as concussões básicas mais significativas para o homem, sua origem e seu futuro. (Dobzhansky, 1969, p. 11)

O corpo da obra “Herança e a Natureza humana” é dedicado à análise das conquistas da genética até 1975, ano do falecimento do cientista. Introduz o capítulo  primeiro intitulado “A Natureza da Hereditariedade” apresentando um panorama do crescimento exponencial da humanidade, numa taxa média anual de 1,8%. De 2.015.000.000 em 1930, pulou para 2.509.000.000 em 1950 e em 1961 já subira para 3.069.000.000. Em 2011 registrou-se a impressionante cifra de cerca de 7.000.000.000 em 2011.  Essa situação mostra que a densidade populacional vai se intensificando, na razão direta do aumento populacional. Os homens agrupam-se mais e mais e confluem para centros urbanos, metrópoles e megalópoles cada vez mais gigantescas. Viver como eremita no deserto, afirma o autor é geograficamente impossível pois, até os desertos transformaram-se em lugares de lazer, em campos de exploração de petróleo, em complexos tecnológicos, como por ex., o Vale do Silício nos Estados Unidos. As florestas tropicas e subárticas assim como as ilhas mais distantes nos oceanos, as proximidades dos polos recebem ininterruptamente cientistas, exploradores e complexos de instalação para explorar recursos naturais. “O homem é obrigado assumir-se cada vez mais, de acordo com a definição de Aristóteles  - como politikón zoon, como animal social, como animal da cidade, como animal “político”. (Dobzhansky, 1969, p. 13.)

Os seres humanos além de formar uma espécie taxonômica com as características  comuns  que permitem sua classificação nessa categoria zoológica, como as demais, apresenta, ao mesmo tempo, uma variedade individual que vai ao extremo. Não há duas pessoas perfeitamente idênticas. Desde que foi constatado que as impressões digitais são prova de identificação, até hoje, não há notícia da existência de coincidência no desenho das papilas entre duas pessoas, tanto assim que continuam como prova conclusiva da identidade ou não, em casos de dúvida. Nem mesmo os gêmeos idênticos são realmente idênticos, são isso sim, menos diferentes. Dobzansky chama à atenção ao fato de que por mais parecidos entre si pareçam os indivíduos de uma espécie, uma observação mais atenta mostra que também  entre os animais e as plantas, há traços que os identificam como individualidades. A resposta a essa constatação  deve ser procurada na combinação dos efeitos da herança genética e a influência do meio ambiente em que as pessoas se encontram. “Uma  pessoa  qualquer, com todas as suas características físicas, mentais e culturais é produto da interação entre natureza e alimentação, hereditariedade e ambiente” (Dobzhansky, p. 14). Sendo assim tanto o determinismo genético, quanto o determinismo ambiental, levados ao exagero, distorcem o que de fato ocorre com o homem e, por extensão com os animais e plantas. No caso do homem somam-se à base genética e à influência do meio geográfico, as características culturais com todos os seus desdobramentos. Conclui-se daí que,  as incontáveis modalidades das condições geográficas e as condições culturais, colaboram com outras tantas modificações nos indivíduos, ressalvado o potencial genético de cada pessoa ou indivíduo de uma determinada espécie. 

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