Um convite para o diálogo entre Ciência
e Religião
De
acordo com a informação na orelha no seu livro “A Criação – como salvar a vida
na terra”, Edward Wilson nasceu em 1929 em Birmingham, no Alabama. Professor da universidade
de Harvard há quase cinco décadas e
autor de mais de 20 livros é considerado um dos mais proeminentes biólogos do
mundo. Entre as muitas honrarias destacam-se dois prêmios Pulitzer. a Medalha
Nacional de Ciências dos Estados Unidos e o prêmio Craford, concedido pela Real
Academia de Ciências da Suécia para áreas não abrangidas pelo Prêmio Nobel.
Para
começar a análise da proposta de Wilson sobre a sua compreensão da natureza é
interessante observar o gênero literário que escolheu. “A Criação” foi escrito
na forma de uma carta a um pastor evangélico que interpreta a Sagrada Escritura
no sentido literal o texto do Gênesis. Ele próprio confessa que fora batizado e
como criança, foi cristão praticante, para depois distanciar-se da religião e aderir ao humanismo secular para o qual “não
há garantia de vida após a morte, e céu e inferno são o que nós criamos para
nós mesmos. Não há nenhum outro lar para nós”. (A Criação, p. 12). Continua sua
fala com o pastor, destinatário do seu livro, afirmando a sua convicção de que
a natureza, inclusive o homem, são o resultado da evolução, em contraposição à
crença num Criador como entendido na interpretação literal dos textos sagrados.
Neste nível, portanto, ele e o pastor encontram-se em campos opostos. E,
contudo, essa aparente incompatibilidade entre o seu universo e o do pastor, oferece uma dimensão na qual os dois se
encontram num território comum que oferece todas as condições para um diálogo
construtivo. Em comum carregam no seu interior o código de ética que orienta
suas atitudes e decisões, fundamentada na razão, na lei, na honra e no senso de
decência. Wilson caracteriza depois as diferenças que o separam do seu
interlocutor.
Para o senhor, a glória de uma divindade invisível;
para mim a glória do universo por fim revelado. Para o senhor, a crença em um
Deus que se fez carne para salvar a humanidade; para mim a crença no fogo que
Prometeu arrebatou para libertar os homens; O senhor encontrou a verdade final;
eu estou ainda buscando a minha. Eu posso estar errado, ou o senhor pode estar
errado. Talvez nós dois estejamos parcialmente certos.
Será que essa diferença em nossa visão do mundo nos
separa em todas as coisas? Não creio. Tanto o senhor como eu, e cada ser
humano, lutamos pelos mesmos imperativos: segurança, liberdade de escolha,
dignidade pessoal e uma causa em que acreditar, uma causa maior do que nós
mesmos. (Wilson, 2008, p. 12)
Wilson
convida depois o pastor para encontrar uma forma em comum de lidar com o mundo
“do lado de cá da metafísica”, isto é, com o mundo real comum aos dois e
resolver para ele o grande problema que objeto de suas profundas preocupações.
Sugere que se deixem de lado as diferenças para tentar salvar a Criação.
Argumenta que a Natureza é um valor
universal que transcende as diferenças e as divergências na sua compreensão.
Acima de ideologias e dogmas ela interessa a toda a humanidade sem excluir
ninguém. E o cientista que passou a vida tentando entender a vida nos
ecossistemas, sem entretanto, entende-los na sua dimensão total, faz um apelo
ao pastor. “Pastor, precisamos de sua ajuda. A Criação – a Natureza viva – está
enfrentando uma grave crise”. (A Criação, p. 13). Para justificar o seu pedido
de socorro alerta em poucas palavras para as perspectivas reais de uma
deterioração progressiva e rápida da vida na terra, conforme mostram as
pesquisas que se ocupam com as populações de animais, desde as bactérias, até
as plantas superiores, os mamíferos e os respectivos ecossistemas. A continuar
nesse ritmo o custo para a humanidade será catastrófico em todos os sentidos.
Cada espécie por mais insignificante que possa parecer e minúscula que seja, é
uma obra prima da Natureza é importante para manter o equilíbrio e a
integridade dos ecossistemas na Terra – portanto da Criação. E conclui:
O senhor pode estar se perguntando: “Porque eu?” É
porque a Religião e a Ciência são as duas forças mais poderosas do mundo,
inclusive e especialmente nos Estados Unidos. E, se pudessem se unir no terreno
comum da conservação biológica, o problema logo seria resolvido. Se existe
alguma preceito moral compartilhado
pelos crentes de todas religiões, é que devemos, a nós mesmos e às futuras
gerações, um ambiente belo, rico e saudável. (Wilson, 2008, p. 13-14).
Porém
essa colaboração entre a Ciência e a Religião não tem condições de acontecer,
ou mesmo não interessar, quando as crenças se fundamentam na convicção de que a
única coisa que importa para o ser humano é preparar-se para a vida depois da morte, que a vida é um
fenômeno transitório de preparação para a eternidade. Pior quando milhões de
pessoas creem que o fim do mundo, o segundo
advento de Cristo acontecerá ainda na presente geração. Para eles não
importa a sorte das milhões de formas de vida. “Não são evangelhos da esperança
são evangelhos de crueldade e desespero. Não nasceram do coração do
cristianismo. Pastor, diga-me se estou errado?” (Wilson, 2008, p. 15).