E assim, depois desse inciso sobre a imanência e a transcendência, voltamos
à proposta de Francis Collins para mostrar que é possível aceitar a doutrina de
que a natureza é uma grande síntese fundamentada sobre as evidências fornecidas
pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito e as Ciências Humanas. Nisto
se resume em última análise o conceito de “BioLogos” proposto por ele, com o
objetivo de superar as dificuldades de interpretação a que outros conceitos
propostos induzem. Este conceito leva em conta que os cientistas, ao avançarem e aprofundarem
os objetos de pesquisa mais diversos, conseguem identificar e localizar até
onde por enquanto os seus equipamentos são capazes de nos dar uma resposta
conclusiva. A solução não está em recorrer a um “Deus das lacunas”, mas
continuar aprofundando as pesquisas como se tudo que aconteceu desde que se
formou o universo como um todo e o nosso planeta em especial, incluindo o
homem, é passível de ser esclarecido pela ciência. Fica então aberta a
pergunta: “E o lugar de Deus em tudo
isso?”. Para Collins uma pergunta crucial da qual dependem indiretamente
todas as outras, resume-se na seguinte:
“E como começou tudo?, do nada?, donde veio o “estofo” de tudo quanto existe,
com as leis da química e da física que de então até hoje comandam a evolução do
mundo mineral e o mundo vivo desde as arqueobactérias, passando pelo incrível e
pouco conhecido mundo de incontáveis milhões de espécies de micro organismos,
pelos muitos estágios da evolução dos animais e das plantas incluindo a espécie
humana? Quem sabe é neste começo de tudo que se pode esperar o ato criador de
Deus, munindo o “estofo” primordial com todas as potencialidade para a evolução
futura? Collins deixou registrada a sua opinião sobre a questão:
O fato de que o universo teve um início, e obedece, de forma organizada,
a leis que podem ser expressas com precisão pela matemática, e a existência de
uma série extraordinária de “coincidências” que permitem às leis da natureza dar suporte a vida --, embora não
revelem muito sobre o tipo de Deus que deve estar por traz de isso tudo,
apontam na direção de uma mente inteligente que pode ter criado esses
princípios exatos e superiores. Mas que
tipo de mente? Em que, exatamente, deveríamos acreditar? (Collins, 2007, p. 222-223)
Collins foi em busca da identidade desse Ser “que está por trás de tudo
isso”. Constatou que as grandes religiões compartilham muitas verdades, caso
contrário não teriam sobrevivido às vicissitudes do tempo. Isso não impede que
se observem diferenças significativas que as distinguem uma das outras. Mais.
Neste contexto cada indivíduo caminha por uma trilha própria para se aproximar
da verdade. Ele, o cientista, mostra a sua trajetória que o levou consolidar os traços, a imagem do Deus em que
acreditava.
Depois que passei a acreditar em Deus, empreguei um tempo considerável
tentando apreciar as características Dele. Conclui que Ele deve ser um Deus que
se preocupa com as pessoas, ou a argumentação da Lei Moral não teria o menor sentido.
Então o deísmo não serviria para mim. Também conclui que Deus deve ser santo e
justo, já que a Lei Moral me chama nessa direção. Contudo, isso me parecia ter
uma abstração terrível. O fato de Deus ser bom e amar suas criaturas não
significa, por exemplo, que tenhamos a habilidade de nos comunicar com Ele,
ou que tenhamos um tipo de
relacionamento com Ele. Descobri, porém, uma sensação crescente de anseio por
essas coisas, e percebi que é para isso que serve a oração. A oração não é,
como alguns parecem sugerir, uma oportunidade para manipular Deus para que Ele
faça o que você quiser. Em vez disso, trata-se de uma forma de buscar uma
afinidade com Deus, aprender com Ele e tentar perceber o ponto vista dele sobre
vários assuntos ao nosso redor que nos deixam confusos, em dúvida ou sofrimento.
(Collins, 2007, p. 223-224).
Collins detalha em seguida o longo e penoso caminho que percorreu para
formar uma imagem consistente do Deus em que crê séria e honestamente. Dedicou
um bom tempo à auto análise e à oração. Os resultados foram quase nulos e até
frustrantes por não lograrem transpor o fosso que se alargava cada vez mais entre
a imperfeição da natureza e a perfeição de Deus. Foi então buscar e encontrar a
repostas nos evangelhos, com a compreensão do que Cristo significa e representa
para entender que tipo de relação e que
lugar Deus ocupa na natureza. Mas, mais uma vez esta não é uma questão a ser
aprofundada no contexto em que nos movemos. Sobre essa busca do autor, leiam-se
as páginas 217 a 230, do “Linguagem de
Deus”. Fechando as suas reflexões sobre a parte que cabe às Ciências Naturais e
às Ciências do Espírito em possibilitar uma síntese compreensiva entre os dados
oferecidos pelas duas vias de aproximação, observou.
Se você chegou até este ponto comigo, espero que concorde: as duas
visões de mundo científica e espiritual têm, ambas, muito a oferecer. As duas
proporcionam formas distintas mas complementares, de responder à maior de todas
as questões, e podem coexistir muito bem na mente de uma pessoa
intelectualmente curiosa que vive no século XXI. (Cpllins, 2007, p. 231).
Collins complementa e explicita com argumentos que embasam a sua lógica
a afirmação que acabamos de registrar. A Ciência vem a ser a única via legítima
para investigar o mundo natural, a única via confiável sobre o que há de
verdade na natureza. Apesar dos fracassos a que levam muitos experimentos e dos
becos sem saída que fazem parte das caminhadas científicas, a ciência pela
própria natureza dos seus métodos, é capaz de se autocorrigir e reorientar as
suas perspectivas. Apesar dessa importante tarefa que cabe à Ciência no
desvendar das incógnitas do mundo em que vivemos, seus métodos se mostram
incapazes de responder a todos os questionamentos importantes. Até o próprio
Einstein defendeu este ponto de vista quando escreve, escolhendo os termos: “A Ciência sem religião é manca, a
religião sem ciência é cega”. (em A Linguagem de Deus, p. 231). Ilustrativa é
também a observação de Kant: “Duas coisa
me deixam estupefato, o firmamento estrelado lá fora e a lei moral aqui dentro”
E entre as questões importantes que estão fora do alcance da ciência e de seus
métodos e equipamentos, destacam-se o sentido da existência humana, a realidade
de Deus, a possibilidade de uma vida após a morte, a Lei Moral além de outras.
A afirmação que um ateu pode fazer que
as questões espirituais que não tem resposta pela via científica, são por isso
mesmo irrelevantes, não fecha com a maioria das experiências humanas. John
Polkinghorne, citado por Collins, ilustra com uma peça de música o que se acaba
de descrever. Partindo do ponto de vista da ciência uma sinfonia por ex., não
passa de vibrações no ar fazendo vibrar o tímpano estimulando circuitos de
neurônios no cérebro, mas
Como acontece que de uma sequência banal de movimento que obedece a uma
cadência ter o poder de falar o nosso coração com uma beleza eterna? Toda a
série de experiências subjetivas, de perceber uma mancha de rosa até ser
cativado por uma execução da Missa em Si Menor e no encontro místico com a realidade indescritível do Único, todas
essas experiências verdadeiramente humanas acham-se no centro de osso encontro
com a realidade, e não devem ser e não
devem ser descartadas como a frivolidade de um fenômeno secundário na
superfície de um universo cuja real
natureza é impessoal e sem vida.( Polkinghorn, citado por Collins, 2007,
p. 232)
O Dr. Collins conclui as suas
reflexões sobre a natureza “como síntese” analisando três aspetos de
fundamental importância para chegar a uma compreensão aceitável sobre a tese de que o genoma, e por extensão qualquer
outra manifestação da natureza, são formas, são “Linguagens” por meio das quais
Deus se comunica com o homem. Por meio de três advertências chama a atenção aos
que pretendem formar uma compreensão
completa do universo, da natureza e do homem, para que não se percam em
polêmicas estéreis sobre quem está de
posse da verdade: as Ciências Naturais ou as Ciências do Espírito. Além de
inútil e estéril leva ambos os arraiais
a um beco sem saída.
Em primeiro lugar, para achar uma saída, tanto o cientista quanto o filósofo e o teólogo precisam convencer-se de
que não bastam conclusões apressadas e discursos inflamados, não poucas vezes
em tom fundamentalista. É preciso encarar a busca da verdade com seriedade,
isenção de espírito, respeito
pelas conclusões dos outros campos do saber. Para Collins, a Ciência com seus
métodos e instrumentos de pesquisa, é o único caminho legítimo para investigar
a natureza. Conclusões sobre a estrutura do átomo, a evolução e o funcionamento
do cosmos, assim como evolução dos seres vivos e seu funcionamento e a
importância do genoma humano, só são confiáveis quando identificados e testados
com o rigor possível dos métodos e instrumentos com que a ciência trabalha. A
própria natureza da investigação científica
pode sugerir conclusões apressadas que se revelam equivocadas com o avanço
das descobertas. Essas falácias, entretanto, encontram no próprio método
científico o remédio capaz de salvar o cerne do seu valor. Pela sua própria
natureza conta com a capacidade de autocorreção no momento em que se percebe
que o caminho da investigação seguido foi equivocado ou as conclusões
mostram-se inconsistentes. “Nenhuma grande falácia pode persistir por muito
tempo diante do aumento progressivo de conhecimentos”. (A linguagem de Deus, p.
231). Mas a Ciência com todo o seu potencial consegue iluminar apenas uma face
da totalidade da verdade. Somente os holofotes vindos de uma outra perspectiva
tem condições de iluminar a outra expressa nas perguntas em torno de questões
existenciais das quais já nos ocupamos mais de uma vez na presente análise,
como: A existência ou não existência de Deus, e se existe qual o lugar que
ocupa na natureza e na vida das pessoas; como o homem entrou na história da
natureza, o porque da sua existência, o seu destino final e outras mais.
A ciência não é a única forma de aprender. A visão do mundo espiritual
fornece outra maneira de encontrar
verdade. Os cientistas que negam isso deveriam ser orientados de levar
em conta os limites de seus instrumentos, como representado de forma muito
simpática numa parábola contada pelo
astrônomo Arthur Eddinger. Ele descreveu um homem que começou a estudar a vida no fundo do mar usando uma rede com
tamanho de pouco mais de sete centímetros e meio. Após ter apanhado muitas
criaturas selvagens e incríveis das profundezas, ele concluiu que não existiam
peixes no fundo do mar com menos de sete centímetros de comprimento! Se estamos
usando a rede científica para apanhar nossa visão particular da verdade, não
devemos nos surpreender se ela não apanha as evidências do espírito.
Que obstáculos se encontram no
caminho de um envolvimento mais amplo da natureza complementar das visões do
mundo científica e a espiritual? Essa não é uma pergunta teórica para
considerações filosóficas estéreis. É um desafio para cada um de nós. (Collins,
2007, p.232-233)
Em segundo lugar, Collins faz uma advertência aos que acreditam em Deus.
Bem à sua maneira peculiar de lidar com o tema, chama a atenção às ciladas que
devem evitar. Começa advertindo os leitores do seu livro e que procuram nele a
solução para superar a impressão de que a ciência é um perigo para a fé e o
caminho aberto para uma visão ateísta do mundo, que isso não passa de uma falsa
avaliação da ciência. Pelo contrário. A
ciência e a fé colaborando
dispõem de um poderoso potencial para entender a natureza como uma grande
síntese harmônica.
Se Deus é o criador de todo o universo, se Deus tem um plano específico
para a entrada da humanidade em cena e
se Ele deseja uma afinidade com os humanos, nos quais implantou a Lei Moral para
que se aproximassem Dele, Ele não pode ser ameaçado pela nossa mente minúscula e seus esforços
por compreender a magnitude de sua Criação. (Collins, 2007, p. 233).
A essa reflexão acrescenta a conclusão de que a ciência pode ser interpretada como como uma forma de adoração
e, consequentemente, o fazer ciência uma oração. Por mais estranho que isso possa soar sugere
uma atitude e uma compreensão mística totalmente compatível tanto com o fazer
ciência, quanto com o interpretar os seus resultados. Nessa compreensão da
natureza, Collins mostra uma proximidade flagrante com a visão do mundo das
duas autoridades já analisadas mais acima: o biólogo, especialistas em formigas
e térmites, Erich Wassmann e o especialista em botânica sistemática, Balduino Rambo. Para este último
a natureza é o livro aberto da Revelação Natural, para quem estiver em condições
de lê-lo corretamente. A natureza é a “linguagem de Deus” e contemplar e
admirar em silêncio suas maravilhas, uma
oração que supera qualquer modalidade de prece formal. Collins, entretanto,
adverte aos que creem em Deus, sobre o risco de fundamentarem suas
convicções em argumentos científicos
ultrapassados, fazendo com que muitos cientistas, mesmo crentes em Deus, se
sintam constrangidos em professar suas convicções íntimas em público. A isso soma-se o fato de não poucos líderes religiosos
professarem, interpretarem e ensinarem os artigos da fé, ignorando ou até
hostilizando as conquistas da ciência. Correm assim o risco de expor ao
ridículo suas pregações e alargarem ainda mais o fosso existente entre diversos
credos e a ciência. Para concluir essa reflexão, relembra a advertência de
Copérnico depois de comprovar que a terra girava em torno do sol. “Conhecer as
obra poderosas de Deus; compreender Sua sabedoria e majestade e poder;
apreciar, em certo grau, o maravilhoso trabalho de Suas Leis, sem dúvida, tudo
isso deve ser uma maneira agradável e aceitável de louvar o Altíssimo, a
quem a ignorância não pode ser mais
grata que o conhecimento”. (citado em A Linguagem de Deus, p. 24)
Em terceiro lugar, Collins deixa uma advertência aos cientistas. “ Se
você é um daqueles que acreditam nos métodos da ciência, mas permanecem
cépticos em relação á fé, este seria um
bom momento para se perguntar que obstáculos estão em seu caminho em busca de
uma harmonia entre essas duas visões de mundo”. (A linguagem de Deus, p. 234).
Depois faz referência a um dos argumentos prediletos muito comum entre
cientistas de que a crença em Deus implica num retrocesso para a
“irracionalidade”, descompromisso com a “lógica” e suicídio intelectual. A esses argumentos
responde que, lendo com atenção e com espírito desarmado e sem
preconceito, “A Linguagem de Deus”, quem
sabe chegue à conclusão que “de todas as visões do mudo possíveis, a ateísta é
a menos reacional”. (A Linguagem de Deus, p. 234). Aos que argumentam com o comportamento
hipócrita de muitos crentes, aconselha que não se fixem nos “recipientes
enferrujados” que são os seres humanos que professam religiões organizadas, mas
se concentrem no essencial que são “as verdades espirituais e atemporais que a
fé apresenta”.
No que se refere a questões específicas relacionadas com o dia a dia das
pessoas, como, por ex., o sofrimento, a injustiça, a violência e outras mais,
são a consequência natural do livre arbítrio com que o criador dotou os homens.
Acrescenta a pergunta de que tudo isso pode servir de um poderoso estímulo para
o aperfeiçoamento do humano no homem, da “Menschlichkeit”, como a definiu
o Pe. Balduino Rambo. Uma outra
dificuldade que acomete não poucos cientistas reside na situação criada quando
os instrumentos da ciência se mostram impotentes para responder a questões de
fundo, relacionadas com o universo, a natureza e o próprio homem. Não se pode
negar que para um pesquisador que apostou todas as fichas nos métodos e
instrumentos científicos, se veja obrigado a entregar os pontos e apelar para
uma solução “extra científica”, numa outra área de conhecimento, seja
frustrante e para não poucos uma humilhação difícil de assimilar, um “soco no
orgulho intelectual”. Mais um problema que pode assustar os cientistas é aquele
que o próprio Collins afirma ter influído não pouco na sua experiência pessoal
e passageira que ele chama de “cegueira voluntária”. Com autoridade de quem
experimentou na própria pele todas essas vivências de incerteza, de frustração
de angústia existencial, de “socos no orgulho intelectual”, conclui: “E ainda
posso testemunhar que chegar ao conhecimento do amor e da graça de Deus
fortalece em vez de aprisionar: Deus está no ramo da libertação e não da
carceragem”. (A Linguagem de Deus, p. 235). Aos que se desculpam que
simplesmente não tem tempo para gastar com preocupações de natureza espiritual
e adiam essa tarefa para um futuro distante quando as circunstâncias forem
favoráveis para tanto, Collins adverte:
A vida é curta. O índice de mortalidade será diferente para cada pessoa
num futuro previsível. Abrir-se para a vida do espírito pode ser uma
experiência enriquecedora. Não fique protelando a reflexão sobre essas questões
de significado eterno até que uma crise pessoal ou a idade avançada o obrigue a
reconhecer o empobrecimento espiritual. (...) Para aqueles que buscam, existem
respostas a essas questões. Há alegria e paz a serem descobertas na harmonia da
criação divina. (...) Em minhas orações pelo nosso mundo em sofrimento, peço
que possamos, juntos, usando o amor, a
compreensão e a compaixão, buscar e encontrar esse tipo de sabedoria.
É hora de pedir uma trégua na guerra cada vez mais acirrada entre
ciência e espírito. Essa guerra nunca foi de fato necessária. Como em tantas
contendas mundanas, essa foi iniciada e intensificada por extremistas de ambos
os lados, soando alertas que previam ruínas próximas a menos que o outro lado
fosse eliminado. A ciência não é ameaçada por Deus; ela é aprimorada.
Certamente Deus não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo.
Por isso, busquemos, juntos, recuperar
os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória entre a intelectualidade e
espiritualidade de todas as grandes verdades. A terra natal da razão e da
adoração nunca correu risco de se
esmigalhar. Nunca vai ocorrer. Ela acena para que todos os que buscam
sinceramente a verdade venham e fixem residência. Atenda a esse chamado.
Abandone a posição de luta. Nossas esperanças, alegrias e o futuro do mundo
dependem disso. (Collins, 2007, p. 236-237)