A Natureza como síntese #9

Erich Wassmann (1859-1931) - 1
Erich Wassmann, nascido em Moran no Tirol do Sul, hoje pertencente à Itália,  dedicou todo o seu empenho na tentativa de clarear as questões de fronteira entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Cientista e filósofo jesuíta, apelidado de “o padre das formigas,”  contemporâneo de Hans Driesch, foi outro pioneiro no esforço de  solucionar as questões limítrofes entre os dois grandes campos do conhecimento. Hans Driesch buscou os dados empíricos para formular a sua explicação vitalista nas observações  que fez em embriões de ouriços do mar. Erich Wassmann encontrou os dados empíricos na observação atenta da estrutura e o comportamento das colônias de  formigas e cupins. Analisando a convivência simbiótica entre formigas e térmitas e fungos formulou a sua “Weltauffassung” – Cosmovisão. Suas observações levaram-no a identificar, como ele mesmo escreveu,  “milhares de espécies e dúzias de novas famílias de insetos que, hoje vivem regularmente como hóspedes nos ninhos de formigas e térmitas. (cf. Stimmen der Zeit, Vol 100, 1921, p. 134)[1]
Publicou uma série de trabalhos que lhe mereceram respeito e reconhecimento no meio científico da época. Entre eles sobressaem: “Os ninhos associados e as colônias mistas de formigas - 1911; “Inventário crítico dos artrópodos Mirmecófilos e Termicófilos” – 1914; “Estudo comparativo da vida das formigas e dos animais superiores – 1887 e 1910; “Instinto e Inteligência no mundo animal – 1897 e 1905; “As capacidades psíquicas das formigas” – 1890 e 1909; “A Biologia moderna e a teoria da Evolução” – 1904 e 1906; O parasitismo  entre formigas – problemas biológicos e filosóficos” – 1920; “O Monismo cristão” – 1919.
Erich Wassmann alinha-se, com Hans Driesch, entre aqueles cientistas que, pela virada do século XIX, assumiram uma atitude mais cautelosa na crítica, frente às teorias e hipóteses evolucionistas e, ao mesmo tempo, levaram a sério as conquistas científicas, fazendo delas aliadas em se tratando de lançar luz sobre  as questões que interessavam à Ciência e à Filosofia.
Wassmann condensou o seu ponto de vista sobre a problemática, num artigo publicado na revista Stimmen der Zeit, Vol 100 de 1921, com o título “A concepção cristã da natureza na luz das modernas descobertas científicas.”
Quem sabe a pergunta talvez seja esta: Será que toda a Cosmovisão cristã não se fundamenta sobre a “Imagem” antiga do mundo, totalmente modificada pelos progressos das Ciências  modernas? Como se pode esperar que a “Cosmovisão” cristã seja ainda hoje moderna? Por acaso não se tornou tão  insustentável quanto aquela “imagem” do mundo? (Wassmann. Stimmen der Zeit. Vol. 100. 1921. p. 126)

Para responder de forma consistente  essa pergunta, Wassmann trabalhou com os dois conceitos: “Weltbild e Weltauffassung”. Definiu “Weltbild” como sendo a “imagem do mundo” desenhado a partir dos conhecimentos disponíveis num  momento dado, das realidades naturais, das suas  relações mútuas e das leis que as regem.. O “Weltbild”, portanto, corresponde à imagem do universo, do mundo e da natureza, assim como as ciências o retratam em cada época. Cabe ao cientista da natureza, utilizando-se do instrumental e dos métodos científicos próprios, identificar, o que ocorre no mundo natural. É tarefa sua também detectar as regras e as leis imanentes aos processos naturais. O cientista, valendo-se das leis físicas, químicas, climatológicas, estatísticas, matemáticas,  procura entender  os acontecimentos que lhe interessam e formular  as teorias e hipóteses capazes de auxiliar na compreensão da natureza. Com esses dados desenha o “Weltbild” que, portanto, exige um permanente redesenhar na medida em que novos dados e resultados científicos forem produzidos.
O segundo conceito com que Wassmann trabalha é o de “Weltauffassung” – “Concepção do mundo” – “Cosmovisão”. A este nível pergunta-se pela causa primeira e pela finalidade última e as respectivas leis. O “Weltbild” mostra o caráter essencialmente determinado pelas investigações científicas no campo das Ciências Naturais e a “Weltauffassung a concepção do mundo, a cosmovisão resultado dos esforços da Filosofia Natural.
Com isto fica claro  que o cientista, sem o recurso a categorias filosóficas, não ultrapassará o nível dos dados objetivos que resultam dos seus esforços empíricos, porque, “cada  teoria envolvendo a natureza contém um elemento metafísico, na medida em que tenta identificar as relações entre as realidades apreensíveis experimentalmente.” (Wassmann. Stimmen Der Zeit, 1921. Vol. 100. p. 126)
De outra parte o filósofo da natureza movimenta-se  no verdadeiro  campo da metafísica, em busca do extra sensível. Procura responder a interrogações mais substantivas, mais fundamentais, sobre a origem das leis naturais e a harmonia que reina entre elas.   (cf. Wassmann. Stimmen Der Zeit, 1921. Vol. 100. p. 127)
Wassmann resumiu seu pensamento  nos seguintes termos:
Conclui-se daí  em que medida o “Weltbid” se relaciona com a “Weltauffassung” As conclusões metafísicas  somente então são consideradas verdadeiras quando fluem logicamente das leis naturais formuladas pelas Ciências Naturais e por elas forem fundamentadas. Neste sentido verifica-se, sem dúvida, a nível  do espírito, entre o “Weltbild” desenhado pela Ciência e da “Welauffassung” – Cosmovisão – da Filosofia Natural. Esta relação, entretanto, não é absoluta, senão relativa. No decurso do tempo o “Weltbild” muda e tem que mudar de acordo com as descobertas e as conquistas da Ciência Natural. Acontece, porém, que os questionamentos últimos que perguntam pela causa da ordem no mundo como um todo, permanecem eternamente as mesmas. Em resumo a pergunta é esta: As realidades naturais e suas leis subsistem por si mesmas ou é forçoso apelar para a explicação que tem como base a existência de um Deus pessoal que, da plenitude do seu Ser, deu origem a um mundo criado?  Sendo assim resta-nos em última análise, no plano da concepção metafísica da “Weltauffassung”, a alternativa: ou o Monismo nas suas mais variadas modalidades, do extremo Hilozoísmo ao extremo Panteísmo ou então o Teísmo,.”  ( Wassmann. Stimmen der Zeit, 1921, Vol. 100 p. 127)
Ao definir esta sua posição Wassmann mostrou uma grande cautela. De um lado dados científicos por ele próprio observados nas colônias de formigas e térmitas, impediam-no de rejeitar pura e simplesmente a ideia de uma evolução. Do outro lado qualquer aceitação  da evolução como uma explicação global ou parcial das diversidades naturais, atraía a desconfiança ou a oposição das autoridades religiosas. Como cientista procurou garantir bases sólidas para o “Weltbild” que suas observações empíricas com formigas e térmitas lhe revelavam, para, como filósofo, formular a sua “Weltauffassung” válida e capaz de fazer compreender o universo e suas partes. Comprometido com a Ciência já não lhe era possível negar a ocorrência de transformações na natureza em geral e entre os seres vivos em particular. Como religioso de formação filosófica e teológica, além do compromisso com a ortodoxia, cabia-lhe encontrar uma saída que satisfizesse os dois lados, tanto a Ciência quanto a Doutrina da Igreja.
Diante da constatação de que a Evolução, o Transformismo, ou outras denominações que se queiram empregar, tem como motor básico a adaptação, esta por sua vez efetiva-se no plano concreto pela seleção natural. Acontece que, em se  falando de seleção natural, é preciso penetrar um pouco mais a fundo no significado do conceito. A seleção natural costuma ser  invocada como um mecanismo de adaptação passiva dos seres vivos às condições naturais em que se acham inseridos. Em outras palavras. Trata-se de um processo calcado na eliminação  dos menos aptos e da sobrevivência e continuidade dos mais bem dotados. A constatação da universalidade e da eficiência deste mecanismo fez dele, pela simplicidade e obviedade e potencial de respostas científicas, a chave para solucionar os problemas e entender os caminhos percorridos pela transformação das espécies.
A questão, entretanto,  complica-se quando se tenta avançar mais a fundo nos processos de adaptação ou seleção natural. Percebe-se então que a eliminação dos menos aptos e a sobrevivência dos mais aptos, representa  apenas o efeito visível e mensurável de algo mais profundo e mais substantivo. Verifica-se que a adaptação passiva visível e aferível pelos métodos empíricos, deixa em aberto a pergunta: como se explica a maior ou menor adaptação ou a maior ou menor capacidade de sobreviver ou ser eliminado pelos processos seletivos naturais? Para responder Wassmann contrapõe no artigo citado os conceitos de “Adaptação passiva e Adaptação ativa.” Os organismos vivos  adaptam-se às circunstâncias em que se encontram inseridos nos limites  do seu “potencial de adaptação” – ou “Anpassungsvermögen”, próprio de cada um em particular. Para uns o espectro de adaptabilidade – o “Anpassungsvermögen” - é mais amplo do que para os outros. Assim, por exemplo, uma mudança climática mais profunda para o frio ou o calor, eliminaria todas aquelas espécies  dotadas de um potencial de adaptação aquém dos extremos das mudanças climáticas em curso. Para essas espécies há dois caminhos pela frente: ou migram para regiões onde sua capacidade adaptativa lhe permite sobrevier ou, num prazo determinado, desaparecem do cenário da vida.



27 Stimmen der Zeit periódico de Cultura Cristã editada pelos jesuítas alemães, atualmente com sede em Munique. Sua fundação data da década de 1860 sob o título original de Stimmen aus Maria Laach. Sem favor nenhuma esse periódico é, ao lado de Botéria de Portugal, Études da França, Vozes de Petrópilis do Brasil uma das publicações de Cultura mais importantes ainda em circulação. Quem pretende ter uma radiografia dos embates culturais, no sentido geral, de  150 anos para cá, encontra na “Stimmen der Zeit” uma fonte preciosa. Desde as discussões motivadas por Darwin e sua  teoria do evolucionismo, Vaticano I, a questão social e muitos outros temas nessa linha, encontram-se nessa revista numa coleção quase completa no memorial jesuíta na Universidade do Rio dos Sinos em São Leopoldo

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