As Ciências Naturais e as
Ciências do Espírito em conflito
Uma situação impensável há um século, tornou-se cada vez mais
frequente de 100 anos para cá. Filósofos, teólogos e cientistas sentam-se com
sempre maior frequência juntos à mesa, e o que é mais importante, de espírito
desarmado, dispostos a dialogar sobre os avanços de cada lado em busca da
compreensão do universo.
Acontece, porém, que o caminho que nos últimos anos levou a
Ciência, a Filosofia e a Teologia a novamente dialogarem e trocarem resultados
e conclusões, foi longo e penoso. Até o século vinte adentro assistimos a um
distanciamento cada vez mais profundo e
mais radical entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Valendo-se
de métodos de abordagem e de categorias de raciocínio aparentemente
irreconciliáveis, cada lado foi elaborando e formulando uma compreensão do
universo e de suas partes integrantes irredutível e excludente.
As pesquisas científicas valendo-se do
método analítico-indutivo desenvolveram instrumentos cada vez mais eficientes
e tecnologias sempre mais
refinadas, penetrando fundo nas incógnitas
da natureza. Os resultados forneceram a base para generalizações e teorizações,
em não poucos casos com evidentes características dogmáticas. Assim o
mecanicismo que vê os acontecimentos do universo
obedecendo exclusivamente a leis mecânicas, sem um objetivo, sem uma
finalidade, sem o concurso de forças e
influências espirituais ou orgânicas. Da mesma forma o Darwinismo na versão de Thomas
Huxley,[1]
Haeckel e outros, foi transformado numa cosmovisão monista materialista.
Filosofias da natureza como essas e outras
semelhantes, terminaram por impor-se como autênticos dogmas nos meios
intelectuais, científicos e acadêmicos das universidades. A eles opuseram-se
aberta ou veladamente os dogmas filosóficos e teológicos, invocando nos
processos naturais a presença e o concurso de causas extra materiais, uma
teleologia, a intervenção de atos criadores.... E a guerra aberta entre as
Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, levou a um impasse. Enquanto as
duas cosmovisões se digladiavam o homem
comum perguntava-se: Com quem está a
verdade, onde está a verdade, enfim, o que é a verdade?
Da parte da ciência os fundamentalistas
apresentavam seus dogmas como respostas conclusivas para as perguntas sobre o
universo. Do outro lado os dogmas e dogmáticos das mais diversas denominações
filosóficas, teológicas e religiosas, reclamavam para si a mesma autoridade. Os
dois arraiais encastelaram-se cada qual no seu radicalismo, no qual, pontos de
vista, conclusões e afirmações se haviam transformado em verdades definitivas e
irreconciliáveis. Cada qual se declarava porta voz da Verdade. A radicalização
das posições atingiu a temperatura máxima durante a segunda metade do século
dezenove e começos do século vinte. De um lado impuseram-se nomes como de E.
Haeckel, Huxley, e outros, com suas teses radicais e, do outro, a posição não
menos radical defendida e formulada e, em parte, consolidada pelo Concílio
Vaticano I. Os ecos desta batalha vieram a repercutir também no Sul do Brasil.
O desencontro foi especialmente agudo entre os jesuítas e a corrente liberal liderada
por Karl von Koseritz. E não podia deixar de ser assim, visto que von Koseritz
defendia com agressividade as teses
evolucionistas, materialistas e monistas de E. Haeckel. Os jesuítas, por sua
vez, comprometidos com o projeto da Restauração Católica, foram seu alvo
preferencial.
No meio desse fogo cruzado o homem comum,
razoavelmente bem instruído, foi tomado pela perplexidade. As Ciências
revelavam cada vez mais evidências que abalavam a solidez das “verdades”
acabadas. De outra parte os avanços científicos, na medida que penetravam a
fundo nos processos naturais, deparavam-se com outras tantas perguntas sem
resposta. As respostas “dogmáticas a
priori” dos teólogos, exegetas e demais autoridades eclesiásticas e as
respostas “dogmáticas a posteriori” dos cientistas, empurravam a solução cada
vez mais para o impasse. O diálogo
tornara-se quase impossível e, com isto, o entendimento praticamente sem
perspectivas. O “fundamentalismo” científico e o “fundamentalismo” teológico,
envolveram-se numa guerra estéril, na qual sobreviveram apenas perdedores.
Francis Collins, diretor do Projeto Genoma
Humano, mandou o seguinte recado aos
beligerantes de ambos os arraiais.
É hora de pedir trégua na guerra cada vez
mais acirrada entre ciência e espírito. Essa guerra nunca foi de fato
necessária. Como em tantas contendas mundanas, essa foi iniciada e
intensificada por extremistas de ambos os lados, soando alertas que previam ruínas
próximas a menos que o outro lado fosse eliminado. A ciência não é ameaçada por
Deus; ela é aprimorada. Certamente Deus
não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo. Por isso,
busquemos, juntos, recuperar os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória
entre intelectualidade e espiritualidade de todas as grandes verdades. A terra
natal da razão e da adoração nunca correu o risco de se esmigalhar. Nunca vai
ocorrer. Ela acena para que todos os que buscam sinceramente a verdade venham e
fixem residência. Atenda a esse chamado. Nossas esperanças, alegrias e o futuro
do mundo dependem disso. (Collins. 2007. p. 236)
Mais próximo a nós ainda, em 2006, Edward Wilson, um dos mais respeitados
entomologista e estudiosos dos ecossistemas naturais e humanizados, alinhou sua
compreensão do mundo e da natureza, na mesma direção.
Alguns filósofos pós-modernos, convencidos
de que a verdade é relativa e dependente apenas da visão do mundo de cada um,
argumentam que não existe uma entidade tal como a “Natureza”. Para eles,
trata-se de uma falsa dicotomia, que surgiu em algumas culturas e não em
outras. Estou disposto a levar em conta esse ponto de vista, pelo menos por
alguns minutos, mas já atravessei tantas fronteiras nítidas entre ecossistemas
naturais e humanizados que não posso duvidar da existência objetiva da
Natureza. (Wilson, E. 2008. p. 31)
[1] O biólogo Thomas Henry Huxley nasceu em 4 de maio de de 1826 em Londres e faleceu em 29 de junho
de 1895 também em Londres. Contemporâneo
de Darwin tornou-se ao lado de Haeckel um ferrenho defensor da teoria da
evolução ao ponto de ser apelidado de o buldogue de Darwin. Apesar desssa sua
devoção a Darwin não aceitava simples e puramente tudo que o mestre ensiava. No
atacado defendia a ferro e fogo a teoria da evolução, no varejo fazia questão
de fazer valer as difrenças. Admirador de Karl von Baer, traduziu as obras dele
do alemão para o ingles e defendeu os pressupostos de von Baer para explicar a
evolução.