A Natureza como Síntese #13

Teilhard de Cahrdin  -3
A Biogênese 

No esquema Teilhardiano a “Energia” é a terceira  face da Matéria. A Matéria mostra uma dimensão plural, uma dimensão  de “unidade homogênea” e uma dimensão de energia. Para a física a Energia consiste na capacidade de ação ou interação. Ela representa, portanto, o fluxo entre um átomo e outro, no decorrer do processo de intercâmbio entre eles. Cabe-lhe a função de interligar e, ao mesmo tempo, como nesse fluxo o átomo, de um lado se empobrece e, do outro, é enriquecido, cabe-lhe também a função de construção. E o resultado desse processo de construção, cujo motor vem a ser a energia, em que à complexificação cabe a responsabilidade principal e à agregação e a incorporação o papel complementar, sucedem-se os passos do átomo à molécula, da molécula a macro-molécula, da macro-molécula a megamolécula, da megamolécula a célula.  E chegado a este nível da evolução ou da complexificação da matéria,  aconteceu “o passo da vida”, o passo do inanimado para o animado, do orgânico para o vivo.
Materialmente, olhando de fora, o melhor que podemos dizer neste momento é que a vida  propriamente começa na célula. Quanto mais a ciência concentra, desde há já um século, seus esforços sobre essa unidade, quimicamente e estruturalmente ultra-complexa, mais evidente se torna que nela se dissimula o segredo  cujo conhecimento estabeleceria a ligação, pressentida mas não realizada ainda, entre os dois mundos da Física e da Biologia. A célula, grão natural da vida, assim como o átomo é o grão natural da Matéria inorganizada. É certamente a célula que temos de tentar compreender se quisermos avaliar em que consiste especificamente o Passo da Vida. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 84).
É neste ponto que a ciência se vê às voltas com o mesmo desafio, quem sabe bem maior ainda daquele que lhe é posto pela pergunta: Como se originou a Energia, presumidamente a realidade que explica  a existência  do universo e dos processos que lhe deram forma. Os estudos sobre a célula renderam até o momento um volume enorme de publicações em todos os níveis.
Bibliotecas especializadas inteiras já não são suficientes para conter as observações acumuladas sobre a sua textura, sobre as funções relativas do seu “citoplasma” e do seu núcleo, sobre o mecanismo da sua divisão, sobre as suas relações com a hereditariedade. E, no entanto, considerada em si mesma, ela continua aos nossos olhos exatamente tão enigmática, exatamente tão fechada como sempre. É como se, tendo chegado a certa profundidade de explicação, girássemos, sem avançar mais, em torno de algum impenetrável reduto. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 84-85)
Nos mais de sessenta anos que se passaram desde o momento em que Teilhard de Chardin escreveu essa observação, a incursão para dentro do âmago da célula avançaram de modo significativo. Os conhecimentos sobre os componentes químicos que formam a célula, os processos e as inter-relações  que neles acontecem, ampliaram em muito o conhecimento sobre a sua morfologia, sua química e  funcionamento. Lembramos apenas até que ponto avançaram os conhecimentos consolidados no campo da genética. O genoma, o centro do interesse nessas pesquisas, parece esconder pouco da sua natureza físico-química e do papel que lhe cabe no complexo campo da hereditariedade. Um a um os genomas das mais diferentes espécies vão sendo mapeados, permitindo a intromissão e interferência no comportamento e na transmissão de caracteres, tanto desejáveis quanto indesejáveis. O mapa genético do homem disponível há vários anos, abriu as portas para o controle ou  cura de males hereditários, para prevenir a propagação de caracteres negativos e favorecer positivos. Por mais que se possa sonhar em penetrar nos recessos últimos da célula, uma coisa parece certa. Para os métodos e  meios da ciência empírica há um limite. E mesmo olhando do viés das Ciências,  teremos dado conta apenas da metade do problema. Na busca de uma compreensão do que de fato conta no estudo da célula encontra-se na resposta à pergunta: de que natureza é o algo a mais que distingue uma célula de uma megamolécula? Parece difícil que a resposta nos possa ser dada pelo desvendar nos últimos recessos da sua estrutura e do seu funcionamento.  E o que fazer então quando os  métodos histológicos e fisiológicos de análise já nos  tiverem dado o que podiam?  A esta altura é importante não perder de vista  que a abordagem da célula até aqui tentada, ateve-se ao viés biológico.  A célula costuma ser vista como um “micro-organismo” ou um “broto-vivo” que importava ser entendido a partir de suas “formas e associações mais elevadas”.
Ora, assim procedendo, deixamos pura e simplesmente na sombra a metade do problema. Como um planeta no seu quarto-crescente, o objeto de nossas pesquisa iluminou-se na face voltada para os cumes da vida. Mas, nas camadas inferiores do que chamamos Pré-Vida, ele continua a flutuar na noite. Eis provavelmente  o que, cientificamente falando, prolonga  indevidamente para nós o seu mistério. Exatamente  como qualquer outra coisa no Mundo, a célula, por mais maravilhosa que nos pareça em seu isolamento entre outras construções da Matéria, não poderia  ser “compreendida” (isto é, incorporada num sistema coerente  do Universo) senão recolocada entre um Futuro e um Passado, numa linha de evolução.
Ocupamo-nos demais de suas diferenciações, de seu desenvolvimento. É sobre  as suas origens, isto é, sobre as raízes que ela mergulha no inorganizado, que convém agora fazer convergir nossas pesquisas, se quisermos atingir a verdadeira essência de sua novidade
Em oposição o que a experiência nos ensina em todos os outros domínios, habituamo-nos ou resignamo-nos demais a conceber a célula como um objeto sem antecedentes. Procuremos ver o que ela vem a ser, se a olharmos e a tratarmos, devidamente, como um coisa  ao mesmo tempo longamente preparada e profundamente  original, isto é, como uma coisa nascida.  (Teilhard de Chardin. 1986. p. 85)
Em seguida Teilhard  procura explicar “o longamente preparado e o profundamente  original, isto é, a coisa nascida”. Os dados obtidos pelas pesquisas nos diversos campos da História Natural, deixam claro que há uma combinação orgânica entre as dimensões de tempo e espaço.  A dispersão no espaço  tem uma relação direta com a duração temporal. Em outras palavras. Toda a dispersão espacial acontece numa duração temporal compatível. O mesmo se pode afirmar da diversificação morfológica. Quanto mais diversificada e mais profunda ela for tanto mais tempo se requer. E no caso da célula não há o que discutir sobre a  profundidade e a extensão da “complexificação” que precedeu e acompanhou a sua gênese. Colocando o processo numa perspectiva evolucionista, conclui-se que o tempo necessário no caso da célula, cobre centenas de milhões para não dizer bilhões de anos. Convém lembrar mais uma vez que em espaços de tempo tão descomunais, que desafiam seriamente a nossa capacidade de avaliá-los no seu significado, os passos sucessivos que levaram a “complexificação” a resultar na célula, apagaram-se sem deixar vestígio. Sobra-nos avaliá-los ou imaginá-los, ou por analogia com que pode ser observado na natureza de hoje, ou tentar uma aproximação  filosófica, examinando a pertinência de introduzir na discussão questões e conceitos como “causalidade suficiente” e outras mais.
Se de um lado o caminho percorrido pela evolução cobre períodos e eras que escapam à nossa capacidade de apreensão do tempo e, ao mesmo tempo, apagaram os vestígios materiais do processo, a célula apresenta duas características notórias como resultado histórico do passado ignoto e obscuro. A arquitetura da célula é complexa” e, ao mesmo tempo “é fixa”. A análise química da célula revela que na sua estrutura entram albuminas, aminoácidos, lipídios, água, fósforo e sais minerais, com destaque para o potássio, o sódio, magnésio e outros. Esse conjunto de elementos forma a base do protoplasma. Nele a viscosidade, a osmose, a catálise e outras forças agem e interagem, demonstrando que a matéria alcançou um estágio superior de organização molecular. Mas a coisa não para por aí. No âmago, no centro, destaca-se, na imensa maioria dos casos um núcleo que encerra os cromossomos, os mitocôndrios e outras estruturas que vão sendo identificadas na medida em que os microscópios e outros meios de observação permitem penetrar cada vez nas entranhas da célula e suas subestruturas. Teilhard  conclui suas observações sobre a complexidade da célula com as palavras: “Um triunfo da multiplicidade organicamente concentrada num mínimo de espaço”. (cfr. Teilhard de Chardin. 1986.  p. 89).
A complexidade da célula vem complementada pela fixidez. Uma observação menos atenta corre o risco de não perceber que na imensa diversidade e pluralidade das formas que a natureza oferece, na sua essência a natureza da célula sempre permanece a mesma. Na sua complexidade e na sua fixidez  a célula coloca o observador diante de um dilema. Por analogia ela se enquadra no mundo dos seres vivos ou no mundo dos não vivos. Ou quem sabe  representa na arquitetura terrestre um estágio específico, uma forma particular dentre as outras? Diante dessa interrogação Teilhard faz  a seguinte reflexão:
Diante dela o nosso pensamento  hesita em lhe procurar analogias no mundo do “animado” ou no mundo do “inanimado”. Não se parecem  as Células  entre si  como moléculas, mais do que como animais? ... Consideramo-las  legitimamente como as primeiras  das formas vivas. Mas não seria também  justamente  verdadeiro considerá-las  como representando um outro estado da Matéria: algo também tão original, em sua ordem, quanto o eletrônico, o atômico, o cristalino ou o polímero. Um tipo de material, para um novo andar  do Universo? A célula, simultaneamente, tão una, tão uniforme e tão complicada, é em suma o Estofo do Universo que reaparece com todos os seus caracteres, - mas desta vez elevado a um escalão ulterior de complexidade e, por conseguinte, ao mesmo tempo (se é válida a hipótese que nos guia ao longo destas páginas), a um grau superior de  interioridade, quer dizer de consciência. (Teilhard de Chardin. 1986 p. 89-90)
A interioridade ou a consciência no sentido mais genérico de Teilhard, intensifica-se, torna-se mais consistente e, por isso mesmo aperfeiçoa-se na razão direta da complexificação das estruturas. Cada passo adiante na complexificação vem acompanhado de uma interioridade ou consciência mais apurada. Na medida em que a interioridade por assim dizer se condensa e, consequentemente a consciência se apura, potencialidades novas e qualitativamente superiores se manifestam. E acontecem momentos nesse processo em que a complexificação resulta em saltos que chegam a desafiar a lógica dos acontecimentos rotineiros. O primeiro desses momentos situa-se exatamente no “marco zero” do universo. O consenso admite que a matéria prima do universo  é a energia. Parte-se assim de uma realidade dada. A ciência foi capaz de identificar, catalogar, calcular e descrever os potenciais da energia e, a partir desses dados objetivos propor explicações para a estrutura e o funcionamento do universo. O que fica em aberto é uma resposta convincente sobre a origem da energia. Supondo que a ciência localize dados objetivos que, na verdade, se trata de um estágio mais avançado de alguma realidade material ainda desconhecida, nada mais acontece do que deslocar a resposta para um outro nível e um outro momento cronológico. De qualquer forma ficamos à espera de uma resposta convincente que até agora não foi dada. 
A compreensão da natureza íntima da célula coloca-nos frente a um desafio semelhante ao da energia do qual nos acabamos de ocupar. Os  elementos químicos, o arranjo estrutural, as múltiplas funções e as leis que comandam os processos intracelulares, são em grande parte do domínio da ciência. A questão realmente de fundo permanece na sombra e desafia os cientistas que se ocupam com seriedade em elucidá-la. Neste particular a pergunta-chave é: Se a célula é de fato um ser vivo, o que vem a ser a Vida?. Teilhard de Chardin faz um esforço enorme como cientista para aproximar-se da resposta pelo lado da ciência. Para ele o aparecimento da célula é algo de novo, de muito novo quando começou a  fazer parte do cenário da terra em evolução.
É com os inícios da Vida organizada, ou seja, com o aparecimento da Célula, que concordamos  habitualmente em fazer “começar” a vida psíquica no Mundo. Coincide, pois, aqui com as perspectivas e  maneira de falar usuais, ao situar nesse estádio particular da Evolução um passo decisivo nos progressos da Consciência sobre a Terra. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 90)
Teilhard  faz um grande esforço para aproximar-se da explicação do que, em última análise, vem a ser aquele “Novum”, que chamamos de vida, que começou  a manifestar-se quando a “complexiificação ultrapassou o nível megamolecular. Partiu da constatação que ocorreu uma “revolução externa” responsável pela construção do edifício molecular. Essa revolução externa conta na sua base com os elementos químicos que entram na edificação do edifício da natureza, tanto inorgânica quanto orgânica: oxigênio, nitrogênio, hidrogênio e carbono, somados a outros vinte e tantos elementos como cálcio, ferro, fósforo, iodo, cobalto, potássio, sódio, magnésio, metais diversos, etc.,  de alguma forma participantes nos diversos processos e funções celulares específicas. Combinações e recombinações desses elementos, levam pela “complexificação” ascendente, à formação de moléculas inorgânicas, mais  adiante orgânicas mais simples, para passar pelas macromoléculas, megamoléculas e, finalmente, a célula. Morfologicamente  falando a célula apresenta duas partes distintas: o citoplasma e o núcleo. Na sua composição entram aminoácidos de enormes pesos moleculares, lipídios, carboidratos, sais minerais, ... Tudo forma o protoplasma com aparência esponjosa. Nele atuam os processos de osmose, viscosidade, de catalise e de outras mais. E no interior destaca-se o núcleo contendo  os cromossomos que por sua vez abrigam o genoma. Resumindo pode-se afirmar com Teilhard: “Um triunfo da multiplicidade organicamente concentrada num mínimo de espaço”. (Teilhard de Chardin. 1986.  p. 89)
“A revolução interna” que levou a matéria a combinar-se  e a recombinar-se dando origem à célula não chegou a lançar dúvidas sobre a  “fixidez” que constitui o elemento chave que garante a unidade da natureza. Os  elementos químicos universais, aos quais  se fez referência mais acima, continuam formando a base do anorgânico, orgânico não vivo e do orgânico vivo, exatamente com se ensinou desde os primórdios da química como ciência sistematizada. De outra parte as células são essencialmente idênticas entre si, estrutural e funcionalmente,  entre os protozoários e os metazoários em qualquer organismo, independente da complexidade anatômica e estrutural.  A identidade celular, que aqui chamamos de “fixidez” é, ao mesmo tempo, estrutural e funcional. Tanto faz se observamos a célula que forma o protozoário ou alguma célula fazendo parte de um órgão, de algum animal superior. Em ambos os casos as funções vitais, o processamento dos nutrientes, a sua assimilação, incorporação, oxidação e a eliminação dos resíduos é igual. Qualquer célula, em qualquer situação é idêntica a todas as demais e a si mesma, na estrutura, nas funções que nela acontecem, na condição de funcionar como um sistema de equilíbrio instável. E o espetacular é que todas de alguma maneira manifestam “vida”, à sua maneira em cada nível. Nos protozoários todas funções vitais acontecem numa e na mesma célula. Nos metazoários as funções específicas acontecem em células especializadas e em tecidos e órgãos também específicos. Mas é importante não esquecer que o mais complexo dos organismos vivos ou teve, ou tem o seu ponto de partida numa única célula embrionária que naquele estágio inicial se encarrega de todas as funções exatamente como acontece no protozoário. E não se esqueça ainda de que os estudos sobre as células-tronco já nos permitem afirmar que qualquer célula adulta, não  perdeu o potencial da embrionária que possibilitou indiretamente a sua origem dentro de organismo superior.
A “revolução externa” pela “complexificação” e pela “fixidez” constituiu-se, sem dúvida, no pressuposto material e estrutural para que o outro processo, o da “revolução interna”, pudesse acontecer. Firmou-se o consenso entre os cientistas de que a vida manifestou-se pela primeira vez na história da terra numa célula, como há consenso também que a vida em todos os níveis tem a sua base nas células. Nelas acontecem os processos de natureza físico-química que permitem a manifestação da vida, ou concentrados numa única célula como nos protozoários ou seletivamente nos órgãos especializados dos metazoários.  A questão de fundo que a essa altura se coloca, é: De que natureza foi, em última análise, essa “revolução interna?” Teilhard esforça-se por manter-se coerente com a sua visão unitária do universo e da natureza. Tudo começou num ponto de partida – o Alfa. A partir dele por processos conhecidos e, principalmente, ignorados até agora, formaram-se os elementos estruturais da natureza constantes na “tábua periódica” e, provavelmente, outros ainda por descobrir. A “complexificação” ascendente completada com o contributo auxiliar  ou não da “agregação e ou repetição, prepara o cenário, no qual vão-se definindo, de forma progressiva e cada vez mais nítida, evidências de algo imanente no interior da matéria na medida em que ela se  complexifica.  A imanência que se refere a uma “interioridade”, a uma “consciência” em vias de explicitação,  que se torna mais evidente na razão direta em que a matéria evolui para patamares cada vez mais complexos, coloca o cientista e, porque não o filósofo, diante de um desafio de bom tamanho. Definir a relação causal entre esse “algo imanente” e a maior ou menor complexidade estrutural na qual se manifesta. Teilhard dimensionou o desafio quando escreveu:
Nesse ponto, confesso, é difícil ser claro.  Mais adiante, no caso do Pensamento, uma definição psíquica  do “ponto critico humano” revelar-se-á de pronto possível, porque o Passo da Reflexão carrega em si algo de definitivo, e também porque, para avaliá-lo, temos senão que ler no fundo de nós mesmos. No caso da célula, pelo contrário, comparada  aos seres que a precedem, a introspecção só pode nos guiar por analogias repetidas e longínquas. Que sabemos nós da “alma” dos animais, mesmo dos mais próximos de nós? A tais distâncias para trás, temos que nos resignar com o vago em nossas especulações.
Nessas condições de obscuridade e nessa margem de aproximação, três constatações  são ao menos possíveis,  - suficientes para  fixar de um modo útil e coerente a posição do “despertar da célula” na série de transformações  psíquicas que preparam sobre a terra o aparecimento do fenômeno humano. “Mesmo” e, acrescentarei “sobretudo” nas perspectivas aqui admitidas, a saber  que uma espécie de consciência sobretudo precede a eclosão da Vida, um tal despertar ou salto 1) pode ,  - ou melhor 2) deve ter-se produzido; e assim 3) acha-se parcialmente  explicada uma das mais extraordinárias renovações  historicamente experimentadas pela face da terra. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 90)
Nas entrelinhas do texto citado fica claro que Teilhard faz um esforço fora do comum para encontrar uma resposta coerente e aceitável à pergunta que formulamos, a respeito da relação causal entre a complexidade estrutural da célula e a gênese da imanência, da interioridade, da consciência. Sua intenção e seu esforço em aproximar-se da explicação pelo viés científico não deixa dúvidas. Aliás essa opção é coerente com a opção metodológica que orienta as abordagens do “Fenômeno Humano” em toda a sua extensão. De outra parte não consegue mascarar de todo a sua condição de filósofo, teólogo e jesuíta que, com certeza, o lembram consciente ou inconscientemente dos compromissos com a fé, a doutrina e os princípios filosóficos que pautaram a sua vida como religioso. Essa situação faz com que  se esforce e se demore na apresentação de dados, invocar processos,  tirar conclusões e, principalmente, criar um corpo conceitual muito seu para dar coerência, solidez e confiabilidade à sua cosmovisão. Às voltas com a dificuldade de formular uma resposta pelo caminho da ciência sobre a verdadeira natureza do passo  que aconteceu na transição do não vivo para o vivo, ele se pergunta:
E agora consideremos novamente, à luz destes princípios, o assombroso espetáculo apresentado pela eclosão  definitiva da Vida na superfície da Terra Juvenil. Esse ímpeto para frente na espontaneidade. Esse luxuriante desencadeamento de criações fantasistas. Essa  expansão desenfreada. Esse salto no improvável ... Não está exatamente aí o acontecimento que a teoria nos permite esperar? A explosão de energia interna consecutiva e proporcionada a uma super-organização fundamental da Matéria? (Teilhard de Chardin. 1986.  p. 91)
Continuando, formula a resposta  para a manifestação da Vida na “super-organização fundamental da Matéria, a qual, entretanto, deixou em aberto a questão crucial: qual a causa última responsável  pelo surgimento da vida na célula? “( ... ) Por essa dupla e radical metamorfose  podemos razoavelmente  definir, naquilo que ela tem de especificamente original, a passagem  da Molécula para a Célula, - o Passo da Vida”. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 91). A  explicação que lança uma luz sobre a aparente resistência em formular a resposta à pergunta que vai-se se tornando cada vez mais insistente na medida em que se avança no exame tanto do “Fenômeno Humano” quanto no “O Lugar do Homem na Natureza”, data de um documento escrito em Pequim em fevereiro de 1942.
1. “Como foi explicado no Prefácio, este trabalho não é um livro de religião, nem mesmo de filosofia. Rigorosamente escrito como uma memória  de geologia ou de paleontologia, ele representa, no meu pensamento, uma contribuição científica para o uso da Ciência: um esforço para ordenar melhor o nosso conhecimento físico do Mundo, abrindo ao Homem um lugar coerente até o fim, na Biologia.
2. Por conseguinte, que ninguém se espante se nestas páginas, limitadas (é sua força) ao estudo de um “fenômeno”, não aparecem quaisquer considerações sobre a natureza ontológica do espírito e da matéria, nem qualquer menção das verdades reveladas (Queda, Encarnação, Criação) ...,) Essas verdades não são nem negadas nem esquecidas, não teriam o seu lugar nem lógico, nem psicológico.
3. Essa omissão, ademais, é só aparente. Se (em conformidade aos ensinamentos do concílio do Vaticano) eu chego, seguindo o caminho racional e científico, apenas a uma “demonstração” aproximada da existência de um Deus pessoal, tenho pelo menos uma certa confiança que as perspectivas desenvolvidas no livro formam um quadro e transmitem uma atmosfera favoráveis que predispõem os espíritos a esperar e reconhecer uma Revelação. (Teilhard de Chardin. 1986.  p. 376)


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