A Natureza como Síntese #12

Teilhard de Chardin - 2

Para Teilhard a biogênese confunde-se com a citogênese. A célula é a realidade viva fundamental. Nela podem ser observados os fenômenos essenciais que caracterizam a vida. É, portanto, na história e nos processos de sua gênese que se ocultam as respostas para as peculiaridades e a própria natureza da vida.
É fantástico o que se pesquisou e o  que já se descobriu sobre a estrutura, composição, funcionamento e funções, como se processa a divisão, qual a relação com a hereditariedade, com o equilíbrio funcional do organismo. O aprimoramento dos métodos e tecnologias cada vez mais refinadas, permite penetrar sempre  mais fundo  nas entranhas misteriosas da célula. Cada dia que passa novas e inesperadas revelações surpreendem os pesquisadores. Passo a passo identificam-se  nesse micro-universo as trilhas que levam a desvendar processos  que permitem decifrar  o que acontece nas raízes mais profundas do fenômeno da vida. Conhecimentos consolidados, métodos confiáveis e tecnologias seguras  permitem com êxito crescente,  a sua utilização na medicina, na esfera legal, no plano da saúde e em muitos outros campos práticos. Está aí para prová-lo o mapeamento dos códigos genéticos, o desenvolvimento de transgênicos, a identificação pelo  DNA, a esperança já em vias de se tornar realidade do tratamento de doenças hereditárias ou de predisposição hereditária. O ritmo e a profundidade da investigação no âmago da célula, melhor talvez, nos arcanos da vida, promete incontáveis e insuspeitadas surpresas.
Milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares, milhões de páginas escritas contam a história das incursões dos cientistas, nesta fantástica e promissora fronteira de exploração que é a célula.
A essa altura Teilhard de Chardin recomenda uma pausa, uma parada para a reflexão. Não se trata de um convite para frear o entusiasmo e o ritmo da pesquisa ou, quem sabe,  uma atitude “estraga prazer”. Cientista como foi   e como filósofo e teólogo que também foi, deixou  seguinte reflexão:      
Escreveram-se  já volumes e volumes  sobre a célula. Bibliotecas inteiras já  não são suficientes para conter as observações minuciosamente acumuladas sobre a sua textura, sobre as funções relativas  do seu “citoplasma” e do seu núcleo, sobre o mecanismo da sua divisão, sobre as relações  com a hereditariedade. E, no entanto, considerada em si mesma, ela continua aos  nossos olhos exatamente tão enigmática, tão fechada como sempre. É como se, tendo chegado a uma certa profundidade de explicação, girássemos, sem avançar mais, em torno de algum impenetrável reduto.
Não seria que os métodos histológicos e  fisiológicos de análise já nos deram o que deles podíamos esperar, devendo o ataque  agora, para progredir, ser retomado sob um novo ângulo?
De fato, e por razões  óbvias, até aqui, a Citologia construiu-se quase  inteiramente, a partir de um ponto de vista biológico: sendo a célula considerada como um micro-organismo ou um proto-vivo que cumpria interpretar em relação às suas formas e às suas associações mais elevadas.
Ora, assim procedendo, deixamos pura e simplesmente  na sombra a metade do problema. Como um planeta no seu crescente, o objeto de nossa pesquisa iluminou-se na face voltada para os cumes da vida. Mas, nas camadas inferiores do que chamamos a Pré-Vida, ele continua a flutuar na noite. Eis provavelmente  o que, cientificamente falando, prolonga  indevidamente para nós o mistério.   (Teilhard de Chardin. 1986. p. 84-85)
De fato o que a Ciência conseguiu  realizar nos pouco mais de 50 anos que se seguiram à morte de Teilhard de Chardin, foi penetrar fundo “na metade do problema”. Isto é a célula foi e está sendo vasculhada até nos seus componentes estruturais mais ínfimos, nas funções de cada um deles, nas relações mútuas e no significado de cada um deles em particular e no seu todo. A composição do citoplasma, dos mitocôndrios com suas respectivas funções são do conhecimento da Ciência. O mesmo pode afirmar-se dos cromossomas. Sua composição, estrutura e funcionamento já não são mistério. Tanto assim que o mapeamento do genoma humano e de uma outra série de animais, plantas e micro organismos, já foi concluído. E com este importante passo franquearam-se as portas para interferir nas micro estruturas e manipular e controlar as suas funções. De momento  não há como avaliar o tamanho do caminho a ser percorrido ainda, até que neste plano tudo esteja esclarecido. Entretanto, o ritmo em que as investigações avançam, permite prever não só a possibilidade de chegar até lá, como não  deixar mais dúvidas sobre a natureza biológica da célula como a sede da vida.
Acontece que no momento em que a Ciência estiver em condições de anunciar mais essa façanha: “a metade do problema” estará solucionado. A  “outra metade” a que Teilhard se reporta, vem a ser muito mais complexa e muito mais problemática para ser resolvida. Até aqui a célula foi dissecada, seus mecanismos de funcionamento identificados e, até certo ponto, postos sob controle. Mas, conforme Teilhard
Como qualquer outra coisa no mundo, a célula por mais maravilhosa que nos apareça no seu isolamento entre outras construções da Matéria, não poderia ser compreendida  (isto é, incorporada num sistema coerente do Universo) senão recolocada entre um Futuro e um Passado, numa linha de evolução. (Teilhard de Chardin. 1986, p. 85)
Situar a célula na sua devida dimensão entre um Passado e um Futuro, significa passar a iluminar e começar a entender a “outra metade”. Esse passo implica em responder a duas questões, tão ou mais  cruciais, do que entender  a composição, estrutura e funcionamento de um lado e, do outro, procurar uma compreensão objetiva da sua gênese, do seu fazer-se na perspectiva da evolução. Na verdade é neste plano que se interpõem desafios de difícil enfrentamento. Teilhard resumiu nos seguintes termos  a questão:
Em oposição ao que a Ciência nos ensina em todos os outros domínios, habituamo-nos ou resignamo-nos demais a conceber a célula como um objeto sem antecedentes. Procuramos ver o que ela vem a ser, se a olharmos e tratarmos, devidamente, como uma coisa ao mesmo tempo longamente  preparada e profundamente original, isto é, como uma coisa nascida. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 85)
Na perspectiva da sua inserção no Universo, a célula é uma realidade “longamente preparada”. Vista sob esse prisma a célula situa-se, como realidade de transição, entre o plano das macromoléculas e os protozoários e metazoários. O que importa à essa  altura é vislumbrar e entender de alguma forma, essa transição, essa superação de plano, de estágio, de etapa. Em outras palavras, é o momento de acompanhar desde o nascedouro o acontecer desse elo entre o orgânico e o vivo, entre o pré-vivo e a vida propriamente dita.
Nesse esforço para entender  a ascensão evolutiva de tamanho significado, duas incógnitas dificultam o caminho. A primeira relaciona-se com a cronologia terrestre. Em primeiro lugar é preciso livrar-se da armadilha de pensar em categorias cronológicas do nosso quotidiano, quando se trata de lidar com durações que cobrem eras geológicas.
As evidências apontam para um fato  que a cada  dia que passa, reúne um número crescente  de constatações científicas a seu favor. As passagens de um patamar de complexidade química e ou biológica  não acontecem aos saltos. Só se dão no mais autêntico modelo e ritmo evolutivo. No bojo de um determinado estágio, da macromolécula, por ex.,  estabelecem-se condições favoráveis para o desencadear de uma complexificação em direção a um nível mais elevado. No âmbito molecular e, a partir do seu próprio potencial, começa, por assim dizer, um pulsar novo da matéria, que acelera a complexificação e, com o correr do tempo, leva a um estágio mais elevado e mais adiantado. No nosso caso do estágio macromolecular, não é ele no seu todo que ascende a um novo patamar, mas uma parte ativada por um novo impulso evolutivo, gerado no seu interior. Em outras palavras, o patamar do universo macromolecular continua existindo. O que aconteceu é que em suas entranhas gestou-se o gérmen de uma nova dinâmica. Pela complexificação acelerada e ascendente, resultou um novo patamar, o Celular. Se essa mudança implicou numa transformação de natureza no sentido filosófico, é uma questão a ser analisada  mais adiante. Constata-se nesse processo que as raízes de um patamar de complexidade da natureza mergulham, a perder de vista, no anterior. Ao mesmo tempo, em algum momento e, em condições a serem identificadas, desencadeia-se um novo  fermentar em busca de um novo patamar mais acima e mais além: da macromolécula à célula, da célula ao protozoário, do protozoário ao vegetal e animal, do animal ao mamífero, do mamífero ao antropóide e, finalmente, do antropóide ao homem. Teilhard comentando essa dinâmica, assim se expressou:
Sem exagero, tal como o homem se funda, anatomicamente,  aos olhos dos paleontólogos, na massa dos mamíferos que o precederam, assim também, no sentido descendente, a célula se afunda, qualitativamente e quantitativamente, no mundo dos edifícios químicos. Prolongada imediatamente atrás de sim mesma, converge visivelmente para a molécula. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 86)
Uma série de evidências objetivas reforçam a convicção de que as raízes da célula descem, até as profundezas dos patamares de complexificação ascendente e que neles devem procurar-se os dados para explicá-la. Em outras palavras. Tomando como referência o nível atual dos conhecimentos empíricos, a célula, quanto à sua estrutura e funcionamento, não é uma realidade insólita. Não entrou em cena sem se anunciar, sem ser preparada durante longas eras. Não é um “deus ex machina” que, num passe de mágica preencheu mais uma lacuna  na lógica que comandou e comanda ainda os processos evolutivos da natureza. Não se trata também de mais um momento em que a solução  dever ser buscada no “design inteligente”. Há evidências suficientes  para afirmar com relativa margem de segurança de que os fundamentos, as pedras de construção do edifício celular, devem ser procurados  no universo da química inorgânica e orgânica. Em algum momento num passado telúrico distante e nebuloso, o processo da complexificação  envolveu na sua dinâmica, parte dessa matéria prima. É exatamente assim que Teilhard entendeu este “novum” surpreendente:
Com esta expressão significarei, precisamente, a “combinação”; ou seja essa forma particular e superior de agrupamento cuja missão é ligar a si mesmo um certo número fixo de  elementos (poucos ou muitos não importa), com ou sem o contributo auxiliar da agregação ou da repetição, num conjunto fechado,  com raio determinado: o átomo, a molécula, a célula, o metazoário, etc.” (Teilhard de Chardin. 1956, p. 28)
A lógica da complexificação ascendente interrompida por Teilhard na altura do “metazoário”, permite completar o esquema  com os vegetais e suas ramificações, os animais e seus desdobramentos, os símios e suas ramificações, os símios antropóides e, finalmente, o homem. Refletindo sobre essa questão persiste, como pano de fundo, uma pergunta insistente: Em que momento e, antes de mais nada, o que causou o desencadear da “complexificação” da matéria, envolvendo um número fixo de elementos, a terminar num conjunto fechado? Uma tentativa de resposta fica para mais adiante.
Depois de constatar, amparado em experiências científicas objetivas, chegou o momento de identificar e alinhar no tempo a sequência dos elos dessa cadeia. É neste esforço que os cientistas se deparam com obstáculos no momento pelo menos insuperáveis.
O primeiro relaciona-se com a noção  do tempo. As referências das quais nos costumamos valer para ordenarmos a vida no seu quotidiano, ou dividirmos a história do homem, em nada nos podem ser úteis. A complexificação da matéria, a começar pelo átomo, passando pela molécula e a macromolécula e terminando  na célula, consumiu um espaço de tempo gigantesco. Se já é difícil a percepção  real da duração de um século ou milênio, o que dizer de um, dez ou cem milhões de anos? E, quando as cifras passam de um bilhão de anos, a capacidade de a mente humana de lidar com tamanho espaço de tempo, reduz-se ao mínimo. Acontece que a gênese da complexificação e o completar de cada etapa, prolonga-se por inimagináveis dezenas  e centenas de milhões de anos. Um exemplo. A elevação da cordilheira do Andes começou há 60 milhões  de anos, a razão de um milímetro por ano. Ora, 60 milhões de milímetros somam seis mil metros, o que vem a coincidir com a média  dos segmentos mais altos da cordilheira. Temos aqui uma pálida noção da velocidade das transformações em ritmo geológico. É óbvio que a velocidade  das transformações  que ocorreram no decorrer da complexificação químico-biológica, só têm valor como analogia pois, são de natureza diferente. Mas de qualquer forma servem para ilustrar a dificuldade para situar-se em outras  categorias temporais, daquelas em que estamos acostumados  a nos movimentar. Cada passagem de um nível a outro nessa evolução  por “complexificação” ascendente, consumiu milhões, dezenas de milhões, centenas de milhões de anos. Fácil de registrar no papel mas quase impossível de a mente  e a imaginação, acostumados a movimentar-se em ciclos mensais e anuais, formar uma ideia, vaga do que seja ou do que  significa.
Os períodos de longuíssima duração vêm acompanhados por um outro problema insolúvel. Simplesmente não foram conservados registros materiais, como fósseis, que permitem uma reconstituição confiável de como se deram os fatos. Restam, portanto, suposições, especulações, ilações, conclusões, que deixam o cientista responsável e sério com as mãos atadas e obrigado a resignar-se ao “ignoramus et ignorabimus”. Há também  aqueles que não hesitam em pular essas páginas em branco de centenas de milhões de anos da história da terra, como se fossem de menos valia. Os milhões de anos apagaram inexoravelmente os arquivos materiais que registravam aquela história. Recorrendo a uma analogia  imagine-se o seguinte cenário. Se a humanidade desaparecesse   hoje do planeta, o que se poderia esperar dos registros da sua história, daqui a um milhão de anos? Muito pouco além de algum artefato de pedra ou metal não oxidável ou alguma peça óssea petrificada. Tratando-se  da história da transição do estado molecular para o nível da célula, a própria natureza da matéria prima em jogo, faz da  procura de provas materiais para recuperá-la,  “a priori” uma iniciativa condenada ao insucesso.
Embora a história da “complexificação” que precedeu a formação da célula e com ela introduziu o fenômeno da vida  no cenário universal não tenha deixado vestígios, as vias indiretas de aproximação são muito precárias. Entre elas a simulação em laboratório talvez seja a mais promissora. Acontece que esse “promissor” é novamente algo muito relativo. O nível em que se encontram os métodos e as técnicas de pesquisa, não permite  vislumbrar uma forma de simular em laboratório o processo da complexificação que levou milhões de anos. De qualquer forma, suponhamos que essa possibilidade se concretize, a pergunta-chave fica ainda sem uma resposta  definitiva e convincente.
A complexificação acrescida ou não da “agregação” e ou da “incorporação”, resultou, sem dúvida, numa  forma de revolução na maneira “externa” de a matéria  organizar-se. Teilhard fala nesta “revolução externa”:
De um ponto de vista exterior, perspectiva na qual se coloca ordinariamente a biologia, a originalidade essencial da célula parece consistir em ter encontrado uma massa maior de Matéria. Descoberta longamente preparada sem dúvida, pelos tenteios de que saíram pouco a pouco as megamoléculas. Mas descoberta brusca  e revolucionária o bastante para haver encontrado imediatamente na natureza um êxito prodigioso. (Theilard de Chardin. 1986. p. 89)
Examinando mais de perto a citação, duas observações caem em vista. “A originalidade da célula parece consistir em ter encontrado um método novo de englobar utilitariamente um massa maior de matéria”. O que vem a ser esse “método novo”, essa forma inédita de agir da matéria organizada na complexa estrutura da célula?  Fica faltando uma resposta conclusiva. Percebe-se  um esforço permanente da parte de Teilhard, cientista que era, além de filósofo e teólogo, na procura de  respostas a nível científico, até o ponto em que de alguma forma é possível. Já que a falta  de dados empíricos objetivos não permite conclusões  seguras, valeu-se da estratégia de insistir na evidência  que salta aos olhos e deixar sem identificar os processos que foram responsáveis pelas evidências. Na condição de filósofo e teólogo, não se deixou levar pela tentação de resignar-se com um cômodo “ignoramus et ignorabimus” e entregar a responsabilidade da resposta a uma saída pelo “design inteligente”  mais cômodo ainda, ou mandar procurar a resposta no Gênesis. Na falta de uma resposta  a nível científico e frente às respostas pouco convincentes  oferecidas pelo “design inteligente” ou as Sagradas Escrituras, o melhor mesmo deixar a resposta em aberto. Mas Teilhard não se contentou e não entregou os pontos. Arriscou imaginar como uma sucessão de “tenteios”, “erros e acertos” terminou na estruturação das mega moléculas e essas agrupando-se no formato de “sistemas, como dirá Bertalanffy, biólogo contemporâneo de Teilhard, terminaram na célula. E na célula  operou-se a “descoberta brusca e revolucioná  ria o bastante para haver encontrado na natureza um êxito prodigioso”.
O “êxito prodigioso” só pode ser a vida. Simultaneamente com a gênese estrutural da célula, ou quando esta já se completara, pouco importa, aconteceu a Biogênese, a travessia do “Rubicão” que separa a não vida da vida. Na história do Universo registraram-se apenas outros dois momentos de tamanho significado: a origem da Energia, a matéria prima de tudo quanto existe e a Antropogênese. A pergunta pela origem da Energia, a origem da vida (a biogênese) e a origem do homem (a antropogênese), carece de uma resposta radical, definitiva e convincente.  Desafiam a Ciência, a Filosofia e a Teologia para oferecê-la. Pelo que tudo indica nenhum dos campos do conhecimento está em condições de, “a priori”, oferecer um resposta conclusiva. Tanto assim que o próprio Teilhard indica duas vias explicativas possíveis para a questão na sua obra “O lugar do homem na natureza”.
A primeira. Pela via “materialista” num automatismo sui generis de seleção natural, impelindo a Matéria a enredar-se e a rolar cada vez mais depressa, como uma bola de neve, pelas ravinas de uma complexidade sempre crescente. A segunda. Pela via “espiritualista” procurá-la numa expansão de consciência, tendendo à consciência, invencivelmente, a acabar-se  até o fim, mas só o podendo conseguir na condição de criativamente arrumar, ou seja, centrar cada vez mais a matéria à sua volta?  Nunca como na primeira explicação, cada vez mais consciência no Mundo, porque cada vez mais complexidade (fortuitamente realizada; mas cada vez mais complexidade (preparada), porque cada vez  mais consciência (gradativamente emergida.  (Teilhard de Chardin. 1956. p. 43-44)
Como não podia deixar de ser, Teilhard prepara o caminho  para a solução do impasse em direção à “via espiritualista”. Fique claro que ele, como não podia deixar se ser, pois, aborda o problema como cientista, não se utiliza do conceito teológico da criação, ou “causa suficiente”, por sua vez um conceito filosófico, mas se vale  de conceitos compatíveis com a linguagem científica. A organização, a evolução da matéria a partir dos estágios mais simples até os altamente  estruturados e organizados, encontrou na “complexificação” a sua explicação. As construções cada vez mais complexas que terminaram na célula viva, não resultaram do encontro de um número crescente de elementos  que se somam e agregam. Contam como dinâmica formadora da integração, da complementariedade, do interagir de átomos, moléculas e macromoléculas. Anima o processo todo a “consciência” que estimula a matéria em busca de uma complexificação crescente e esta, por sua vez, permite que a consciência possa manifestar-se, também em plenitude sempre maior: “Cada vez mais complexidade (preparada), porque cada vez mais consciência (gradualmente emergida”).  Fica claro, portanto, que o caminho que culminou na célula e na vida, ou possibilitou a vida na célula, coube à consciência que imprimiu ritmo e rumo à matéria que compõe o Universo.
Já que o conceito “consciência” é de tamanha importância para Teilhard, requer-se  uma compreensão clara do que ele fala. O tradutor e comentador de “O Fenômeno Humano” José Luiz Archanjo, explica numa nota o conceito:
Consciência, enquanto fenômeno, isto é, enquanto manifestação evidente da interioridade, de dentro, designa, para Teilhard, qualquer forma de psiquismo, desde a mais diluída e elementar (os tatismos dos unicelulares, por exemplo) até a mais concentrada e complexa (a reflexão humana); a consciência reflexiva. O termo é, pois, voluntária e intencionalmente generalizado por Teilhard. (Teilhard de Chardin.  1986. p. 67)
A justificativa, ou melhor a compreensão  do significado e a importância do conceito de “consciência” torna-se por assim dizer, o elemento-chave para entender o universo de Teilhard. A matéria que o compõe caracteriza-se  pela pluralidade, pela unidade e pela energia.
Que o universo como um todo e as partes que o compõem é plural, até a observação do homem comum percebe. Os minerais são múltiplos, os biontes são múltiplos, os vegetais são múltiplos, múltiplos são os animais e múltiplo é o próprio homem. Essa multiplicidade, entretanto, na base do universo, agrega-se em  unidades cada vez maiores e mais complexas. Ficando com a conceituação de Teilhard, pode-se imaginar essa arquitetura na escala ascendente em busca de uma unidade superior, percorrendo o caminho da “complexificação”, complementada pela “agregação” e a “incorporação”. Uma duna de areia é formada por bilhões de grãos de areia que se acumulam por simples agregação, assim como uma pilha de tijolos ou uma montanha de grãos de cereais. Um cristal cresce pela incorporação na sua rede de sempre mais moléculas da mesma natureza química. O desenvolvimento do organismo vivo     dá-se por “complexificação. Não se exclui na sua gênese, nem a agregação, nem a incorporação, mas como mecanismos complementares e auxiliares. A agregação e a incorporação que foram suficientes para entender  a formação de uma duna de areia, ou o “crescimento” de um cristal, já não o são para entender a natureza do processo que deu origem à célula viva, à planta superior, o animal e, muito menos o homem.
Para melhor entender a natureza do processo da complexificação na natureza, faz-se necessário observar o que acontece a nível atômico e mesmo subatômico. A clivagem da matéria até onde os métodos empíricos de hoje o permitem, leva ao átomo com sua estrutura submicroscópica. O mistério da sua estrutura  e dos seus potenciais energéticos parecem revelados pela ciência, ao menos em linhas gerais. O observador apressado corre o risco de achar que não está longe o dia em que já não haverá mais o que descobrir. E, com isso, o homem terá em mãos  a chave para controlar e disciplinar em seu favor as forças básicas que regem o universo.
Não é esta a conclusão a que chega Teilhard. O átomo ou as partículas subatômicas, por mais identificadas e identificáveis que possam parecer, mostram uma outra dimensão. Sua identidade física e química representa apenas a metade da verdade, a verdade mensurável, a metade dissecável, a metade passível de clivagem. A outra metade aponta para o que o átomo, a molécula tem algo de co extensivo ao menos potencialmente. Teilhard fala em “estranha propriedade que reencontraremos mais adiante até na molécula humana”. (Teilhard de Chardin.  1986. p. 42). E numa tentativa de tornar inteligível o seu raciocínio propôs a saída, valendo-se do conceito de “unidade coletiva”, entendendo-a como:
Os inumeráveis focos que partilham entre si um dado volume de matéria nem por isso são independentes uns dos outros. Algo os religa  mutuamente, algo que os torna solidários. Longe de se comportar como um receptáculo inerte, o espaço preenchido por sua multidão age sobre ela à maneira de um meio ativo de direção e transmissão, no seio do qual sua pluralidade se organiza. Simplesmente adicionados ou justapostos, os átomos não constituem ainda a Matéria. Engloba-os e cimenta-os uma misteriosa identidade contra a qual o nosso espírito se choca sendo, porém, finalmente forçado a ceder. A esfera acima dos centros e envolvimentos.  (Teilhard de Chardin. 1986. p. 42-43).

Em todos os passos ascendentes da evolução  da Matéria, até culminar na Antropogênese e, porque não, mais acima e além, essa propriedade misteriosa desafia a curiosidade do observador. O que leva o encontro de átomos a formar  uma molécula? A composição de moléculas uma célula, um bionte unicelular? Protozoários formar metazoários, metazoários animais e vegetais, animais símios?, símios em antropóides? e, finalmente, antropóides em humanos? Orientando a questão numa outra direção e, recorrendo a uma analogia, parece legítimo formular perguntas como: O que faz com que um conjunto de solos, situações climáticas, microorganismos, ervas, arbustos e árvores, formem uma floresta? O que há a mais numa sociedade de formigas e sua associação simbiótica com  acarídios ?. O que faz com que uma unidade ecológica  associe plantas, insetos, pássaros, animais, solos e microorganismos, num sistema, semelhante a um organismo? O princípio comum e inicial no qual é preciso procurar as respostas para as perguntas formuladas acima é, segundo Teilhard, a “Energia”.

This entry was posted on quarta-feira, 26 de outubro de 2016. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.