Cortejo de noivas nos anos quarenta
É a velha história
que já se repetiu milhares de vezes, mas sempre é nova e sempre prazeirosa: falamos do amor entre dois
corações. O leitor não espere que lhe descrevamos com cores vivas a viagem da
noiva de profundos olhos azuis, os cabelos louros e sedosos, os lábios vermelhos e juvenis, as
faces radiantes, o porte gracioso da filha da colônia de 20 anos. Não falaremos de todos esses
predicados corporais pelo simples fato de nenhum deles estar presente. Mesmo
assim formavam um par muito feliz e levariam uma vida matrimonial abençoada. O
noivo era um rapaz de 28 anos, alto e forte como uma árvore. Até aquela altura
interessara-se pouco pelo amor e não pensara ainda seriamente em casar. Sentia,
antes de mais nada, gosto pelo ofício duro do trabalho no mato, o constante
perambular por aí à esmo, de vez em quando uma
escaramuça em que sujeitos briguentos o envolviam e, por fim, o duro
serviço nas fileiras dos Imperiais ou nas dos Farrapos, de acordo com a
ocasião. Não se tratava de um rapaz tristonho. Pelo contrário era alegre e bem
disposto. Porque não se pôs mais cedo a procurar uma companheira? Conforme ele
mesmo (180) contou o motivo foi o seguinte: "Aquela que eu queria não
consegui e aquela que estava disponível não me agradava. O nosso herói foi
Johann Adam. Como se pode concluir era imigrante e parecia que o casamento não fazia parte das
suas intenções. Sua hora contudo viria. "Adam," alertavam-no
repetidas vezes, as mulheres da vizinhança, " O que fazes sozinho na tua
cabana. Não passas de um eremita." Mas Adão não lhes dava ouvidos. Deixava
que entrassem num ouvido e saíssem pelo outro e continuou vivendo a vida de
solteirão.
Contudo em certa
ocasião asa palavras bem intencionadas da velha Kristen, vizinha na Picada 48,
impressionaram o jovem Adam mais do que deixava
transparecer. Ela lhe disse: "Gosto de ti e te daria a minha Cathrin
se fosse mais velha, mas eu conheço uma que serve para ti. Ela é como tu
gostarias que fosse. Não é vaidosa, não é preguiçosa, não é uma qualquer, não é
fofoqueira e além de tudo religiosa. Mas é pobre como uma rata de igreja e não
tem mais nem pai nem mãe. Também não é bonita, além disto é baixinha, mas
confiável como um anjo."
No começo dos anos
quarenta Johann Adam cultivava ainda conceitos antigos e não como os rapazes
que procuram casar por causa do dinheiro e da beleza e perguntam pouco pelas
virtudes e a religiosidade. Ele respondeu: "Se é como dizes ela me agrada. Tenho duas
colônias de terra. É o bastante para nós dois, mesmo que ela não possua nada.
Antes de conhecer a noiva decidira-se
levá-la para casa. Informou-se depois sobre o nome, a localidade onde morava a
escolhida e fez os planos como lhe faria sua proposta. Neste meio tempo
entremos na casa da noiva em Dois Irmãos, a fim de conhecer melhor a moça e
aguardar pelo pretendente.
A escolhida de
Johann Adam era uma simples empregada doméstica que, segundo ele próprio
informou, servia a uma patroa severa. Era obrigada a levantar-se antes do
clarear do dia, mesmo que chovesse, geasse ou fizesse o maior frio. Enquanto os
demais ficavam deitados tomava conta da casa e, quando a família sentava à
mesa, era obrigada a ir para a roça inclusive no mais rigoroso inverno,
descalça e sem roupa quente, andando pelo caminho coberto de lama.
Essa a noiva. Certamente não uma raridade em
beleza. Nem mesmo de todo desenvolvida, porque nos anos da adolescência for
privada dos cuidados devidos. Num acidente uma das pálpebras fora de tal modo
lesionada que era preciso puxá-la para cima para se enxergar o globo ocular.
Mas, apesar de todos os defeitos corporais, a moça era um modelo no cuidado com
a casa e, antes de mais nada, em tudo que dizia respeito à ordem, assiduidade e
sacrifício.
Ainda não tivera
conhecimento das intenções de Johann Adam que, no mesmo dia do encontro havido
com a senhora Kirsten, procurou informar-se a respeito da moça. Foi num
domingo. A senhora Kirsten foi a cavalo a Dois Irmãos com o marido Heinrich,
para cuidar dos assuntos relativosao casamento. Johann Adam encontrava-se ainda
na Picada Café. Apareceu então seu pai a cavalo. Ele também se empenhava que o
filho finalmente casasse. "Bom dia Adam" falou o pai ainda montado.
"Bom dia pai," respondeu o Adam. "Então para onde vais?"
"Não muito longe? Então apeia e entra." o pai mal acabara de entrar,
perguntei, assim relatou o Adam, pelo que queria. Em vez de uma resposta ,
disse sem mais nem menos: "Encilha
teu cavalo e vai em busca de uma noiva." "Não é
necessário", respondi. Ele devolveu. "Claro que é necessário.
Chegou hora de casar." "Já são
dois que foram em meu lugar em busca de uma noiva." "O que?"
gritou o velho. "Em teu lugar e
para onde?" "Para Dois Irmãos." "Está bem," disse.
"Nesse caso apressa-te, encilha o cavalo e vamos atrás deles."
"Obedeci e sem perder tempo e bem dispostos trotamos para Dois Irmãos.
Quando chegamos na casa onde ela servia tudo estava encaminhado e as pessoas
surpreendidas com a nossa aproximação exclamaram: "Sim senhor, a coisas
andam rápido. Vejam só o noivo já chegou."
Um
dos presentes foi Peter Meyrer, um homem da retidão que hoje são raros. Adam
contou que falou imediatamente a seu favor. A Christine que agradara ao Adam
antes mesmo de vê-la por causa dos muitos louvores encantou-o tanto mais ao
encontrá-la. A decisão estava tomada. Além disso, contou Adam, Meyrer me fez
uma provocação. "Adam, aceita a moça. Com ela não só terás uma boa mulher
e merecerás ainda um lugar no céu. Eu, omo seu vizinho, sei o quanto é boa e o
quanto sofreu. Há muito tempo a teria buscado como empregada, mas não a
liberaram. O que ele me contou ainda sobre o que a moça passou, sensibilizou-me
de tal maneira enquanto escrevo, que minhas mãos ficam trêmulas, incapazes de
registrá-lo no papel e meu coração chora de pena ao lembrá-lo. Veio então a pergunto importante: "Adam, queres
receber a Christine como tua mulher e tratá-la bem?" Seguiu-se um vigoroso
sim. Formulou-se então a pergunta reposta: "Christine, queres o Adam como
o teu marido?" seguido de uma
resposta tímida mas decidida, da gata borralheira. Os parentes falaram:
"Então, repitam, que estais decididos a amar-vos até a sepultura, dai-vos
a mão direita e declarai mais uma vez em voz alta o sim e sede fiéis ao que vos
prometeste mutuamente. Amém," Todos os presentes nos desejaram muitas
felicidades e bênçãos e nós noivos nos demos um beijo. Meu pai entrou e deu um beijo na face da nora
com as palavras: "Agora és minha filha. "Este foi o meu noivado que aconteceu tão rápido quanto
feliz. Eu a vira só três dias antes e agora já era minha noiva amada. (182) O
fato ocorreu na terça feira 13 de agosto e oito dias mais tarde realizou-se o
enlace em São Leopoldo.
É
compreensível que o casamento fosse despretensioso. Eu não pagara ainda a
totalidade dos 250 mil réis para o meu substituto na Companhia Alemã. Minha
noiva não tinha dinheiro e nada além de alguns vestidos de chita em mau estado.
Fui até um conhecido e pedi emprestado
um vestido branco que paguei mais tarde. Não dei dinheiro para minha mulher,
mas em troca entreguei-me todo a ela. Nem aliança não tinha pois, na época não
se conhecia tal coisa e, mais tarde, observei não poucas vezes pancadarias onde havia uma
aliança. Nesta situação a aliança não significa nada. Quem foi o culpado?
Segundo minha avaliação faltou o elo do amor que prende os corações. O amor não
bate, suporta tudo.
A
preciosa aliança do amor manteve de fato
unidos a vida inteira os dois corações.
Nada turvou a aliança matrimonial, da qual brotaram quatro filhos.
Inúmeras provações visitaram o casal, mas a harmonia manteve-se firme até o
fim.
A
senhora Christine faleceu na Colônia Boca do Monte. Nos últimos momentos falou
para o marido entristecido: "Adam, tenho ainda algo a te dizer. Quando
tiver morrido manda rezar uma missa por mim." Este respondeu: "Sim,
assim será," e acrescentou: "Eu mesmo prometi uma." A enferma
acrescentou: "Morro sossegada e cuida do Joãozinho" E assim ela morreu
tranqüilamente entregue nas mãos de Deus. Johann Adam escreveu em suas
anotações, das quais este "Cortejo Nupcial" só reproduziu uma parte.
"Os quatro choramos, em altas vozes,
do fundo do coração, Vieram as pessoas
e disseram: "Não chorem tanto." Eu respondi: "Chorem com
toda a força, vossa mãe morreu e não tereis outra." O caixão foi aprontado
e a mãe deitada nele e o vizinho, Heinrich Hoffmann levou o corpo, enquanto eu
e as quatro crianças permanecemos na frente a porta, mergulhados na maior tristeza.
Em Santa Maria não é costume que os familiares acompanhem o corpo. A querida
falecida foi acompanhada por 12 pessoas até a igreja e depositada na sepultura.
E agora descansa em paz em nome de Deus. Amém.