Deitando Raízes #41

Tão pouco animadoras como foram as vivências no mar, foram também os primeiros tempos que Vincenz passou no começo da sua fixação aqui. Para começar acampou com os filhos no campo perto da casa dos pais de Han Peter Weber. Os homens embrenhavam-se no mato para abrir o lote na Picada 48, enquanto as mulheres ficavam para trás. Depois de pronta a cabana buscaram as crianças. Hannes com 18 anos teve que carregar a pequena Margaretha. Com seis anos a pequena vestia uma blusinha e uma sainha. A cada passo os espinhos levavam mais um pedacinho. O motivo pelo qual teve que ser carregada foram os bichos de pé no campo. Maltrataram de tal modo seus pés que não conseguia caminhar. (171) De acordo com o registro, um punhado deles  saiu dos pés quando chegaram na cabana e os esfregaram com banha e cachaça.  Até as unhas tinham caído dos dedos dos pés. Nem a curta distância pôde ser vencida num dia. Não poucas vezes o Hannes obrigava-se a colocar a pequena Margaretha no chão e abrir passagem com o facão, antes de continuar com ela. Mesmo a vida na cabana, na qual Jacob e Margaretha ficavam, enquanto os demais trabalhavam, tinha as suas dificuldades. As crianças estavam a sós e por isso mesmo facilmente susceptíveis ao medo. Quando apareciam jacutingas por perto, as crianças acreditavam que fossem os bugres que as perseguiam. Em certa ocasião um temporal derrubou a cabana e Margaretha quebrou a perna. Numa outra vez em que o pai se ausentou por mais tempo que de costume, o pequeno Jacob foi ao seu encontro. Pendurou o sabre na cintura, pegou a espingarda disposto a enfrentar todos os inimigos e animais selvagens.
Depois de crescida Margaretha foi trabalhar com Peter Ely no campo. Encaminhava-se bem cedo de manhã para o campo com um feixe de pasto debaixo do braço e um balde na mão para ordenhar as vacas. Não poucas vezes o vestido ficou duro de tanta geada. Mais vezes ainda obrigava-se  a lutar com as vacas que não mostravam vontade para deixar-se ordenhar. Ora a pisavam, ora a jogavam longe, ora lhe davam coices nas pernas, trabalhos e padecimentos aos quais mais tarde atribuiria a saúde fraca. Durante a guerra dos Farrapos foi por mais tempo empregada do velho Datsch. Foi um bom lugar costumava dizer mais tarde. O velho Vincenz ocupou-se nos últimos anos da vida  trançando balaios, comprados por toda a picada. Bem acima dos 80 anos freqüentava com regularidade a igreja. Aconteceu que se perdeu por completo no caminho e não se achou mais. Era muito fiel no cumprimento dos deveres. Carregava sempre o livro de reza do qual falamos acima e no qual fizera cuidadosas anotações do próprio punho. São ao todo 160 páginas. Na primeira encontra-se o velho canto católico: "Admirável e bela", mais tarde melhorado e editado pelo Card. Geissel. O livro de reza compõe-se de seis jardins: oração da manhã e da noite: orações da missa,vésperas, orações de contrição e confissão: orações da comunhão, etc. O começo de todos os capítulos leva uma decoração feita com traços vermelhos e pretos, além de figuras. O texto todo está emoldurado com linhas pretas. Não deixa dúvida que confeccionou o livro de reza com o maior dos esforços. Em compensação foi-lhe de grande consolação na mata virgem, refugiando-se nos diversos jardins e neles conversando com o Pai do Céu e alegrando a alma em meio às belas flores.
Ao lado do jardim por meio do qual sua alma se comunicava com Deus, erguera cinco castelos. Neles, como diz o texto poeticamente, é possível a gente se enclausurar. O primeiro castelo: Onipotente e eterno Deus, eu pobre homem pecador eu entrego e confia, agora e para sempre minha pobre alma pecadora, sob a proteção da Tua misericórdia sem fim. Amém. Uma outra oração igualmente piedosa era esta: Oh, Senhor Deus imortal eu, pobre e miserável criatura humana, recomendo e guardo, agora e para sempre, minha pobre alma pecadora, no Teu bendito coração e nas profundezas das tuas cinco chagas.
O livro encadernado em couro testemunha com suas folhas amareladas, um belo exemplo da piedade e espírito verdadeiramente  católico de seu autor. Segurando entre os dedos essas folhas tem-se a prova de uma maior força espiritual e  nobreza de ânimo, do que nos jornais sem cor, nos quais se alardeia  a Ilustração, ou simplesmente meios de lazer (172).
Permitimo-nos também um bom conselho. Recomendamos vivamente  que, a exemplo do nosso Vincenz, todos os pais de família católicos registrem os principais acontecimentos da vida da família num livro de reza ou na Santa Legenda. Serve para que o homem e o cristão sensato não se habitue a viver o dia a dia como os animais irracionais, que nada sabem, nem do passado, nem do futuro. Merece imitação também o que o velho Vincenz fez no que se refere às suas entradas e saídas. Anotou com exatidão quando vendeu as árvores, especificando o número e o valor em Thalersl. No final do ano somou os resultados e assim teve uma avaliação objetiva dos seus negócios. É de desejar que os colonos daqui procedam da mesma forma. Poupariam muitos dissabores e o que é mais importante, muitos prejuízos. Um homem que nem sequer está ao par da quantidade de feijão e milho  que vendeu, nem o preço que lhe foi pago, o homem que não anota o quanto comprou em tecidos, café, etc., não terá condições de progredir. Já aconteceu que alguma viúva se viu surpreendida pelo vendeiro, pelo sapateiro, pelo açougueiro, com dívidas de até um conto de que não tinha o menor conhecimento. Por isso aconselha-se ordem em tudo, principalmente nas compras.
Depois desta digressão retornemos ao velho Vincenz Pohren. Muita coisa poderia ser contada ainda sobre seus últimos anos de vida. Queremos mencionar apenas a sua grande vontade trabalhar. Não estando mais em condições de ele próprio por mãos à obra, acompanhava os netos na roça para observar como trabalhavam. Jacob Pohren conta como o avô o observou muitas vezes ao capinar. Quando deixava para trás um pequeno tufo, achando que o avô não o reparava, ele chamava logo a atenção dizendo:" Aí ficou alguma coisa." Às vezes carregava consigo um pequena sineta, para a eventualidade de um enxame de abelhas baixar, chamar rapidamente os netos em auxílio. Acontecendo que na impaciência escapasse ao pequeno Jacob um praga, o avô o chamava à ordem com as palavras: "Jacob a blasfêmia não traz bênção." Quando se aproximou o fim os seus quiseram ficar de vigília junto a ele. Não o permitiu e lhes disse que daria um sinal quando estivesse na hora. O sinal foi deveras estranho. Iria disparar a espingarda colocada ao lado da cama. E a disparou. Quando entraram e ajoelharam em volta da cama, ele segurava uma vara na mão e com ela bateu sobre o cobertor: Este é o primeiro prego." Referia-se ao prego do caixão. Bateu de novo dizendo: "Este é o segundo." E quando ergueu a terceira vez a mão, reclinou-se sobre o travesseiro e morreu.
Não se conclua, entretanto, que toda a preparação para a morte se tenha resumido no que acabamos de narrar. Não. Nosso Vincenz recebera a tempo todos os sacramentos da Santa Igreja e, pela sua vida cristã autêntica, preparado para a viagem para a eternidade. Relatamos este episódio incomum para mostrar o seu caráter forte e original.
Friedrich Fröhlich foi outro que levou uma existência muito movimentada, especialmente durante a Guerra dos Farrapos. Nasceu em 1815 em Burnbach-Biehl perto de Saarlouis e participou da emigração como menino de 9 anos. Um toque romântico acompanhou o fato. 19 homens alugaram uma grande carroça e, cheios de disposição, enfrentaram em 1828 a viagem terrestre de 120 horas. O responsável pelo transporte era um sujeito estranho. Antes de atrelar os cavalos de manhã, exigia que seus cinco Thalers fossem colocados sobre a mesa. (173) Viajava-se na média 10 horas por dia. Em Hannover terminaram as estradas com calçamento firme e começou a mal afamada areia da  planície alemã, que se prolonga até Bremen, dificultando em parte a viagem.
Quando finalmente entraram na famosa cidade portuária, sentiram um grande alívio. A parte trabalhosa da viagem estava superada e foram tomados de um grande desejo para começar a travessia do mar aberto. Acontece que as coisas não se deram com tanta rapidez assim. Os viajantes foram retidos por 13 semanas em Bremen. As famílias foram acomodadas em residências particulares. Pediram emprestados utensílios de cozinha e outras utilidades indispensáveis para o uso doméstico e, dessa forma, levar uma vida independente. Se até aqui eles próprios tiveram que arcar com as despesas, daqui em diante viveram às custas da nova pátria do além oceano. O cônsul Kaltmann pagava quatro vinténs por pessoa por dia, o que dava para viver com folga, porque tudo era muito barato. Já que tudo o que tinham a fazer resumia-se numa paciente espera, freqüentavam todos os dias a igreja, para pedir a proteção de Deus para a longa e desconhecida viagem. Finalmente chegou o dia da partida. O navio chamava-se Olbertz, um magnífico barco com três tombadilhos. No de cima viajavam os emigrantes, no do meio estavam armazenadas as provisões e no debaixo a água potável e a carne. Mal saíram do  porto  enfrentaram uma tempestade no canal, com as conseqüências de sempre. Engraçado era observar o nosso Friedrich e seu vizinho, um camponês rude, roer um grosso naco de toucinho e ser interrompido no meio do seu nobre trabalho, pelo misterioso mal do mar, terminando sem mais nem menos com os esforços anteriores.
A comida constando basicamente de carne seca, era boa. Água potável havia o bastante. Foram embarcadas 1.200 medidas, sobrando 40 ao chegar ao Rio de Janeiro. Excetuando um pequeno incidente a ordem a bordo foi excelente. À certa altura o capitão entendeu em impor medidas severas. Mandou posicionar  canhões, o que não impressionou muito. Os emigrantes riram para valer do capitão pelas atitudes ameaçadoras, e as bocas de fogo foram de imediato colocadas de lado. O nosso Fritz com seus três irmãos, recrutado como soldado estava isento do pagamento da viagem de 72 Thl. Além disto recebia cinco vinténs a título de soldo e a comida livre. Suas obrigações militares não foram muito significativas. Montou apenas algumas vezes guarda. Finalmente, após  14 longas semanas, o navio atracou no Rio. Tudo correra bem no Olbertz e no navio seguinte os emigrantes  lembrariam com saudade do velho Olbertz.
Enquanto os colonos propriamente ditos eram alojados em grandes prédios, os soldados foram acomodados numa caserna perto do Pão de Açúcar, onde permaneceram por sete semanas. Durante este período aconteceu o ato de bravura de um soldado alemão. Como um sujeito ágil escalou certo dia o rochedo. Quando o major soube do fato, encarregou o soldado de levar a bandeira brasileira até o topo, ordem que o arrojado camarada cumpriu com êxito. Na volta o major, no íntimo satisfeito com a ousadia,  em vez de louvá-lo avisou que se aventurasse mais uma vez a fazer o perigoso caminho, mandaria aplicar-lhe quatrocentas na retaguarda. A viagem da capital até o Rio Grande do Sul levou cinco dias, menos bem sucedidos do que os passados no mar. (174) Deitaram Âncoras em frente ao porto de Rio Grande, mas uma tempestade levou-os de volta ao mar. Duas semanas erraram pelo mar, sem saber exatamente onde estavam. Avistaram então um navio a quem pediram socorro e do qual souberam que este partira de Rio Grande há apenas três horas. Navegaram para lá  e às 11 horas avistaram a cidade na sua frente. O prático do porto fez sinal para não entrarmos, mas o capitão numa investida decidiu passar.
De repente fez-se sentir um solavanco e o capitão comandou: “A plenas velas.” Mas o piloto a bordo transmitiu outra ordem: “Todas as velas fora.” O vento era forte e favorável e fez com que o navio passasse pelo banco de areia. Todas as mulheres gritaram de satisfação. No cais marinheiros franceses e ingleses estavam de prontidão para, em caso de necessidade socorrer o navio, mas não foi  preciso. No mesmo dia a viagem seguiu para Porto Alegre, onde desembarcamos sem problemas depois de mais dois dias de viagem.  Os imigrantes demoraram-se aí por mais dois dias. Seguiram depois pelo Rio dos Sinos até Sapucaia. Percorreram  a pé a distância até São Leopoldo, onde chegaram em abril de 1829.
São Leopoldo já não se parecia com o que era alguns anos antes. No lugar de um estreita trilha passando pelas moitas de bambu, havia agora uma vila com nove ou dez casas. Não tinham paredes de pedra e eram, antes de mais nada, varandas, o que já representava alguma coisa. Um delas pertencia aos Koch e na outra morava o padre Antônio, muito simpático aos alemães. Daqui os imigrantes seguiram calmamente em busca da mata virgem.
A família Fröhlich morou primeiro com o velho Berg no Portão, onde outras quatro famílias encontraram acolhida. Depois de algum tempo neste local construíram uma cabana junto a Petzinger, onde plantaram milho e feijão. Durante este período receberam ainda subsídios, mas só por um ano e não por dois como tinha sido prometido, uma pataca para os adultos e meia para as crianças com menos de 12 anos. Logo de saída fora-lhes destinada a colônia de número 1 da Picada 48. Mas foi preciso primeiro derrubar o mato e construir instalações de maneira que a família se viu obrigada a ficar um ano e quatro meses com H. Müller, padrasto de Ph. Brenner.  Enquanto o pai e os filhos Mathias, Johann e Georg trabalhavam no mato, coube ao nosso Fritz cuidar da arrecadação das provisões. No momento em que os pioneiros da mata virgem sentiram  necessidade de carne abatiam a tiro, sem mais nem menos, um boi selvagem, enquanto um cupinzeiro abandonado servia de forno para cinco ou seis assados. Os trabalhadores no mato voltavam a cada duas semanas pra casa, para descansar um pouco junto às famílias.
Nesse período a família Fröhlich formou, por assim dizer, um conceito sobre a vida e a movimentação da estância imperial. Jorge Strich, avô da família do mesmo nome que morava na Entrada, era o capataz imperial. Os colonos compravam dele o gado de que precisavam, normalmente por um preço muito barato. Aqui familiarizam-se com os rodeios. Aos gritos os peões reuniam todo o gado, duas vezes por semana no lugar do rodeio,  enquanto os cães localizam as reses dispersas pelo mato. Uma vez reunidos os animais, ninguém mais os dispersava, porque nesta ocasião costumavam receber o sal de que precisavam.  Animal por animal era examinado e, se necessário, marcado, ou então “mercurado”, isto é, os animais feridos por picadas de moscas ou com bicheiras, eram untados com pomada de mercúrio. Tratava-se de um espetáculo todo peculiar e, por isso mesmo, prendia a atenção daquele que o presenciava pela primeira vez. Para começar o animal selvagem era dominado por meio do laço duplo. Este estava preso na barrigueira do cavalo. O cavalo demonstrava orgulho em colaborar. Uma vez  laçado o animal, os cavalos corriam em direções opostas, de maneira que o animal ficava imobilizado como numa torquês pelos laços retesados. Se era para castrar  era derrubado no chão, feita a operação a ferida era costurada, o animal solto que corria furioso e urrando pelo descampado. Quando era o caso de passar pomada no animal, era manietado da maneira mais cômoda e feita a operação era solto, uma operação que em geral acontecia sem muito alvoroço. Se era para ser abatido (e este destino caberia mais cedo ou mais tarde à maioria), o laço era preso nos chifres, excelentes ganchos feitos pela própria natureza, e levado por um cavalo até o local do abate. Para não oferecer resistência desnecessária, cortavam-se os tendões das patas traseiras do boi e, mugindo de dor como se pressentisse  o seu triste destino, era arrastado até o matadouro. No caso de a fazenda trabalhar com uma charqueada, um corredor em funil levava até o matadouro. O curral ainda hoje é identificado pelo capim alto que aí cresce.
Acompanhemos agora os irmãos Fröhlich do campo até a colônia de número 1. Uma assim chamada ponte de macaco, um simples tronco deitado sobre o curso da água, permitia  passagem do Feitoria. Ao instalar aí o seu lar os Fröhlich tiveram que se prevenir contra os bugres e os negros fugitivos, que tinham destruído quatro cabanas perto do local da futura casa de Tatsch. Os negros foram capturados e confiados a Franz Papin, encarregado de transportá-los até São Leopoldo.
O improvisado soldado da polícia permitira-se infelizmente na ocasião um trago além da medida. Os negros valeram-se da circunstância em proveito próprio. Desarmaram o vigia e, quando este se defendeu, aplicaram-lhe um par de  robustas bofetadas. O bom Papin achou isso demais e com toda a força chamou por socorro e os colonos não tardaram em acudir. Os negros ofereceram uma feroz resistência com a carabina do policial. Um dos atacantes acabou morto com um tiro. P. Lehreiner  levou uma carga de chumbo no peito. Depois os negros fugiram. Após esse episódio a família Fröhlich  pôde fixar-se tranqüilamente. Jacob Kunzler, patriarca da conhecida família, era o vizinho no número 2. O circunstâncias peculiares o número 3 parou nas mãos de um certo Robinson. Nicolaus von Myhlen trocou sua colônia por uma moça. Mas não se pense em comércio humano. O episódio se deu de forma semelhante como sucedeu com o patriarca Jacó, que serviu sete anos  a Laban, para merecer a amável Raquel, mas no final foi obrigado a aceitar Sara de olhos encovados. Dissemos de maneira semelhante, porque as coisas se deram de fato de outra forma. Nicolaus von Myhlen queria à força uma mulher, como não havia nenhuma além das filhas dos colonos, o velho veterano soldado ofereceu sua colônia em troca da mão da filha de Robinson. Certamente não foi um mau negócio. Os Fröhlich construíram  primeiro sua moradia perto do arroio. Foi uma opção sensata pois, tinham a água para cozinhar e beber por perto, como Arndt, Christen, Franz e Jacob Dillenburg, os outros vizinhos. Mais tarde transferiram a casa mais para o alto, onde era saudável e mais fresco. Mas não precipitemos os acontecimentos e fiquemos no primeiro palco, onde os Fröhlich moraram desde 1830 e se dedicaram com empenho às suas ocupações. (176) Eclodiu então a Guerra dos Farrapos. Nos primeiros meses, por assim dizer, não se notou nada nas colônias. Os alemães queriam tranqüilidade e somente quando se notaram perturbações, foi posto um vigia no número 1, no Lehmberg, perto do velho Bauermann. Até este foi recolhido quando tudo permaneceu calmo na colônia. Mas não demorou muito e apareceu na mata virgem Carlos Sales e o Menino Diabo. Roubaram tudo, levaram o gado e várias mulheres, entre elas a de Mombach. Obviamente as pessoas pegaram então em armas. Os Farrapos avançaram até  Walachai e pilharam a casa de Mombach o qual de então em diante tornou-se seu inimigo irreconciliável. Neste meio tempo o povo da Picada 48 vivia sem ser molestado, chegando a ele apenas boatos confusos.
Certa noite Frtiz Fröhlich, que estava alojado num paiol, disse para os irmãos: "Tenho um pressentimento. Os Farrapos estão vindo." "Também tu virás." Disseram para aclamá-lo ou talvez para rir dele. Na verdade tudo estivera calmo até aquele momento. O velho pai Fröhlich estava de cama doente. "Precisas ir conosco", insistiram. "Encilha o cavalo." Não restou nada ao velho senhor do que fazer a vontade dos revolucionários. Levantou-se e aprontou o cavalo, mas foi afastando o cavalo da porta e, no momento em que o farrapo Finger Hannes aprontava um palheiro e o acendeu, saltou na sela e saiu a galope. Atravessou o rio e a toda a pressa foi até a Walachei encontrar-se com Mombach. Com essa notícia todos os irmãos seguiram o pai. Alguns dias mais tarde também a mãe foi até o Mombach, que reunia os imperiais em sua volta. As duas facções estavam de prontidão. Os Caramurus mandaram uma intimação aos cidadãos de Dois Irmãos; "Quem não está conosco, está contra nós." Mas antes que a maior parte tivesse tempo para decidir-se, apareceu no dia seguinte o Menino Diabo com  seus homens.
Cônscio do seu poder mandou uma intimação para Mombach e seus seguidores para que se apresentassem até às oito horas do dia seguinte, caso contrário os atacaria. Mombach mandou de imediato a contra intimação, que os Farrapos se apresentassem às sete horas. E, de fato, Mombach e seus homens encontraram-se no local às sete horas e a batalha começou. Menino Diabo foi expulso de Dois Irmãos e perseguido até Novo Hamburgo.
Apesar de tudo o chefe farrapo alardeava que, até à noite armaria o acampamento no local donde saíra de manhã. Neste meio tempo Fritz Fröhlich voltou a Dois Irmãos. Encontrou Manoel Bento, outro comandante dos imperiais, perto de Sperb, no morro Lambert.
Fritz Fröhlich conto a Manoel Bento como Mombach enxotara os Farrapos até Novo Hamburgo. Manoel Bento foi imediatamente ao encontros dos companheiros de luta. Encontrou-se com eles na Schwabenschneis, pois, estava no caminho de volta. Estava bem disposto e quando Peter Schreiner disse: "Quero buscar uma pipa de cachaça na casa de Jäger em Novo Hamburgo, seus companheiros fizeram a proposta um tanto estranha. Voltaram a Novo Hamburgo e com disposição renovada, cantaram a conhecida canção do soldado: "Um vida livre nós levamos." Ao chegarem no Buraco do Kressner toparam inesperadamente com os Farrapos. Manoel Bento gritou: "Menino Diabo está lá." Aconteceu então uma grande escaramuça. Dos Caramurus caíram Schreiner e Berlitz. O Menino Diabo levou quatro balas na perna e apesar disto gritou: "Avança patriota. Avança cavalaria." (177) Mas os Farrapos fugiram em direção ao campo.
Menino Diabo ferido caiu do cavalo e foi capturado pelos Caramurus. Retiraram-se devagar com o prisioneiro. Mallman  carregou o famigerado farrapo nas costas, a fim de conservá-lo vivo para enfrentar um terrível julgamento. Quando, porém, viu o amigo Schreiner no chão, jogou com um gesto de desprezo o Menino Diabo para o lado e, com cuidado carregou  o ferido Schreiner, mas este morreu ainda naquela noite. Um alemão carregou o Menino Diabo na sua frente  no cavalo, enquanto dizia que o sujeito deveria voltar ao lugar donde viera. Johann Fröhlich, irmão de Fritz, vigiava-o caminhando ao lado. De tempos em tempos aplicava-lhe uma coronhada  no flanco, repetindo constantemente a pergunta: "Porque mataste o Morschel?"
Chegados em Dois Irmãos levaram o prisioneiro para a casa do velho Strehl, sogro de Acher. A mulher de bom coração mandou que  deitassem o ferido numa cama. Mas quando Mombach e Kronbauer souberam, amarraram um laço no Menino Diabo, arrastaram-no por debaixo das laranjeiras até  o local do suplício. Juca da Silva que caíra nas mãos do Menino Diabo e por ele fora terrivelmente torturado com pontaços de sabre, satisfez a vingança no indefeso. Conta-se que agarrou o bigode e o arrancou com os pelos e a pele. Outros contam que o capitão Manoel Francisco, aplicou-lhe golpes de facão. O prisioneiro ao se defender com as mãos, retalhou os dedos. Muitos outros contribuíram com o espetáculo de terror. Mombach que já não agüentava ver os tormentos, desferiu-lhe o golpe de misericórdia, golpeando-o de cima ara baixo com uma faca no pescoço, cortando-lhe a carótida. Ainda esperneando foi jogado na cova. Com isto a terrível sentença estava executada. Três dias mais tarde apresentou-se um farrapo alemão de nome Wersch  e, como se conta, desenterrou o cadáver, levou-o e contou duzentos pontaços  no corpo. Mais tarde, quando o capitão Francisco tornou a passar, e o tal do Wersch tomado de medo, gritou para o oficial imperial que, o que fizera era do conhecimento de todos: "Sou também caramuru como vocês." Tentou pular a cerca para encontrar-se com o capitão Francisco. Enquanto subia ouviu-se um disparo e Wersch caiu morto. "É a recompensa por ter contado  os golpes" e afastou-s friamente. Depois da morte do Menino Diabo os Caramurus ocuparam um ponto na Schwabenschneis. Mas ameaçados de todos os lados, retiraram-se para um lugar mais seguro no Morro Reuter. De momento não lhes  interessava o confronto com os Farrapos, porque se sentiam fracos. Combinaram que só em caso de necessidade arriscariam entrar em combate. A senha combinada para começar a luta seriam dois tiros um seguido do outro. De fato três dias depois da morte do Menino Diabo apareceram os Farrapos. Entraram em Dois Irmãos com 300 homens e já estavam acampados, sem que os Caramurus o soubessem. Aconteceu então que foram disparados por coincidência  dois tiros. Dois imperiais haviam decidido verificar como estavam suas casas, quando um bicho atravessou o caminho e os dois dispararam. Com este sinal de alarme os Caramurus irromperam do mato e, sem o esperar, tropeçaram nos Farrapos também assustados. Diante da superioridade numérica Bento Manoel procurou proteção no mato e evitou o combate. "Pois", dizia ele, "não temos um único homem sobrando." Um francês de nome Cade, que se encontrava no meio dos imperiais, irritou-se com o sopro do corneteiro inimigo. Falou num alemão maltratado: "Se a corneta não silencia carrego a carabina e mato o corneteiro." De fato disparou  e ao que parece  matou o corneteiro, pois, a corneta silenciou. Os Farrapos passaram pelo Morro Reuter e foram até a Walachei (178) onde roubaram 80 cavalos gordos e se retiraram. Os Caramurus não lamentaram muito o prejuízo, pelo que disse Bento Manoel: "É preferível perder todos os cavalos a perder um único homem."
Durante algum tempo reinou calma. Foi então que Peter Renner correu até a Picada 48, com a notícia: os Farrapos voltaram. Sem perder tempo Fritz Fröhlich entrou  dentro de casa, pegou duas pistolas que estavam sobre a mesa, correu para o mato, 40 braças afastado da casa. De lá observou como os Farrapos cercaram a casa. "Onde estão os rapazes?" perguntaram os invasores. "Não sei onde estão," gritou a mãe. Neste meio tempo Friedrich pôs-se a caminho de Dois Irmãos. A notícia do novo ataque dos Farrapos espalhou-se como o vento e os imperiais reuniram-se de novo. Decididos foram ao encontro do inimigo e, durante a noite passaram por um valo, utilizando uma lanterna para iluminar o caminho. Na chegada os imperiais mataram um farrapo, mas logo se retiraram. Os Farrapos avançaram então sobre Dois Irmãos. Carregavam bandeiras brancas e levavam como prisioneiro o imperial Kalsinger. Primeiro Kalsinger ficou preso na cadeia perto do Passo. Depois foi forçado a acompanhar não poucas incursões. Em certa ocasião forçaram-no a atravessar o rio com água no pescoço, tocando clarineta. Mais tarde foi encontrado morto no campo. Foi reconhecido pelas botas de salto alto que costumava calçar. Mas voltemos aos Farrapos em Dois Irmãos, que não experimentaram surpresas agradáveis. "Como sairemos daqui?" ouviam-se os vencedores falando, ao perceberem que estavam cercados. Retiraram-se nas caladas da noite, deixando para trás cavalos, arreios, etc. Os arreios foram devolvidos três dias depois pela intermediação do inspetor Pfeistricker da Picada 48. Conclui-se daí que os confrontos tinham perdido muito de seu ímpeto e estava em andamento uma volta à convivência pacífica. Seguiu-se um intervalo de tranqüilidade quando, certa noite, sem aviso os Farrapos apareceram. Cercaram a casa dos Fröhlich e tiraram o nosso Fritz e seu irmão Peter da cama quente. Precariamente vestidos  com camisa e calça, os irmãos foram levados a Dois Irmãos. Fritz teve só os cotovelos amarrados nas costas, ficando com as mãos livres, enquanto o Peter teve tambem as mãos amarradas. O fato  de Fritz ter as mãos livres permitiu que Peter não demorasse em ficar livre. Depois de marcharem meia hora Fritz livrara Peter das amarras e, num momento oportuno, num salto, Peter entrou no mato.  Embora caísse por cima de um tronco de árvore e uma bala fosse endereçada a ele, conseguiu safar-se com êxito. Faltava libertar Fritz. Isto ele mesmo teve que providenciar e o fez honesta e astutamente como o demonstra o relato. Peter acabara de sumir quando  um farrapo gritou: "Corre atrás dele e assim estamos livres  de ti." Mas Fritz esperto demais  respondeu: "Não o faço," sabendo que lhe mandariam uma bala. Quando mais tarde destacaram um alemão para vigiá-lo começou  a negociar com ele a libertação: "Deixa-me livre e te dou 18 mil réis." Obviamente o Fritz não carregava este dinheiro no bolso, porque os Farrapos se reservavam o privilégio de eles próprios carregar o dinheiro dos adversários. Chegando em Dois Irmãos na casa de Litjahn (agora Märkel), Fròhlich pediu-lhe 12 mil réis emprestado. Como este só tinha seis o bom guarda declarou-se satisfeito com esta soma. Fritz estava pois, livre. Correu até um dos seus amigos que lhe emprestou uma farda e uma espingarda. Duas horas mais tarde nosso herói perfilava-se de novo entre os imperiais e se fez útil como espião. Mais tarde devolveu corretamente  os seis mil réis. Nunca teria acreditado, como dizia, que sua vida e sua liberdade não valessem mais  do que seis miseráveis mil reis.

Apenas uma vez ainda Fröhlich se viu obrigado a fazer o papel de soldado. Marcharam do Portão, passando pelo Carioca e Sapucaia, onde receberam armas, seguindo até Santo Antônio da Patrulha. Lá aproximaram-se dos Farrapos e podiam te-los ao ponto aprisionado caso tivessem tido interesse. Mas na época  os acontecimentos desenrolaram-se como  no tempo dos Maragatos. Fazia-se muito barulho. Marchava-se constantemente de um lugar para o outro, atacava-se com precipitação, ao ponto de, em certa ocasião terem que abandonar o churrasco quase pronto. Não alcançaram o inimigo muito menos o venceram. O mesmo aconteceu na marcha para Santo Antônio. Permitiu-se que os Farrapos marchassem sem empecilho até a Serra e de lá se dirigissem para Rio Pardo, enquanto os colonos encaminharam-se para a Aldéia, onde passaram uma enome fome. Depois de ficarem acampados durante três semanas perto da ponte de pedra, sem feitos e sem honra e as fardas se deteriorando cada vez mais (a alguém de Campo Bom só restava uma perna da calça, o velho Datsch perdeu a paciência. "Vamos embora," foi a decisão. O brigadeiro que temia um levante exigiu a devolução dos sabres. "Se isto é tudo," disseram os homens da mata virgem, "aqui estão," e jogaram os sabres aos seus pés. Friedrich Fröhlich foi também para casa. Escondeu a carabina durante três semanas  no rio. Não quis mais ver o instrumento de morte e não quis saber mais nada de guerra. Mais tarde vendeu o trabuco enferrujado por um mil réis, mas as suas memórias não teria vendido nem por muito dinheiro. 

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