Deitando Raizes #40

Uma menção toda especial (166) merecem aqueles colonos que se distinguiram pela sua vida de fé e piedade. A nossa Crônica tem a obrigação de depositar sobre suas sepulturas, a coroa sempre verde do reconhecimento e da gratidão. Como é bela, por ex., a manifestação do velho Peter Dilli, ao receber os santos sacramentos. Disse com naturalidade ao padre que o assistia: "Sim, apenas depois da chegada dos jesuítas aprendemos a valorizar e a venerar de verdade a Mãe de Deus. Antes deles sabíamos pouco de Maria e pouco A amamos”. Uma breve lembrança merece também Mathias Jung, falecido em 18 de agosto de 1882 com 65 anos. No começo trabalhou como marinheiro numa embarcação que navegava de São Leopoldo até o mercado em Porto Alegre. Paralelo tocava um pequeno comércio com ovos, manteiga, galinhas, etc. Quando chegava à meia noite em São Leopoldo, não perdia tempo e punha-se a pé a caminho até o Bohnental. Mais Tarde tornou-se professor. Embora ele próprio mal soubesse escrever, contudo deu conta do recado porque era um homem comprometido e consciente de suas obrigações. Apesar de várias vezes despedido, voltava sempre de novo ao posto de professor, algumas vezes porque não havia nenhum outro disponível e outras porque gostava de prestar serviços aos compatriotas, apesar do pouco reconhecimento. Lecionou tanto no Bohnental quanto no Schneiderstal. Para este último local dirigia-se a cavalo, tanto no frio do inverno quanto no sol escaldante do verão, apesar dos seus 60 anos. Era um homem íntegro e sempre pronto para qualquer sacrifício. Dirigia-se todos os domingos a Dois Irmãos ou São Leopoldo para assistir à missa. Do seu matrimônio com Elisa Lauermann nasceram nove filhos, seis homens e três mulheres. Dois já faleceram e uma das filhas, Catarina, tornou-se a primeira religiosa de Bom Jardim como franciscana de nome Bonaventura. O velho Jung Mattes merece ser considerado como modelo de atitude filial para com a sua mãe.
Georg Gehring foi durante muito tempo um dos homens mais influentes. Natural da Suábia era ferreiro de profissão. Seu caráter como cidadão e como católico era sólido como o ferro. No começo morou com o velho Berg, seu sogro, na descida do Lehmberg, no local onde agora reside Adolf  Schallenberger. É sabido que o velho Berg era cego no fim da vida. Mas era tão bem tratado pelo genro que respondeu ao Pe. Steinhart que o perguntou como ia "Oh, somos  bem felizes. Levanto às quatro da manhã e rezo o terço. Depois deito de novo e me levanto com os outros, tomo café e fumo o meu cachimbo." Georg Gehring mostrava um espírito de católico autêntico. Venerou e amou os sacerdotes durante a vida e, em sua presença, portava-se como uma criança, apesar dos cabelos brancos. Quando certa ocasião o irmão leigo que auxiliava os padres, de nome Pius, foi chamado por uns dias a São Leopoldo, o Pe. Steinhart observou ao bom homem, que ficara sem cozinheiro. Ora. respondeu, ou posso fazer de auxiliar de cozinha. E de fato o fez, o que não foi tão fácil  já que isto o obrigava a uma cavalgada diária de uma hora. Vê-se que não lhe faltava boa vontade.
Certa ocasião naufragou a sua arte de cozinhar. Às nove horas da noite o feijão ainda não amolecera. O velho Fingerhannes correu-lhe em socorro e o prato de feijão não tardou em ficar pronto e às 10 horas encerraram o dia com um bom café. Anna Ostien, nascida Lauermann, uma vizinha, contou o seguinte: Nos últimos anos não encontrei o velho senhor senão rezando, ajoelhado no chão. "Vovô", disse-lhe ela certa vez, "reza também um pouco por mim." "Sim, Anna," respondeu. (167) "Rezo por todos no mundo."
Durante muito tempo exerceu a função de fabriqueiro e honrou o posto com sua ação enérgica.
Sempre se mostrou bom para com os parentes. Anna Ostien dizia dele que se percebia a sua alegria cada vez que os via. Já que a primeira mulher do filho Georg andava muito adoentada, não só cuidou dela  como também encarregou-se dos serviços de toda a casa. Antes de falecer foi obrigado a ficar deitado. Os dedos dos pés foram literalmente apodrecendo. Apesar disto o Pe. Eultgen, de santa memória, encontrava-o  cheio de paciência e com o terço na mão, toda a vez que o visitava. Foi um autêntico católico, não  só de nome, como também de ação, que encontrava na oração o melhor bálsamo para o sofrimento.
E entre as famílias que sofreram prejuízos especialmente grandes, encontram os Lauermann, os Ostien e os Fröhlich. Estes últimos moravam no Campo, um quarto de hora distante da atual moradia de Karl Mattje. Antes da Revolução possuíam 180 vacas matrizes. Conforme Johann de Johann Ostien, um excelente capim cobria na época o campo, tão alto que um cavaleiro sumia nele. O campo cobria-se de manchas pretas de tanto gado, gordo e lustro como que escovado. Os animais só permaneciam no pasto durante o dia. À noite eram recolhidos para dentro do curral circular onde se procedia a ordenha. A ordenha não era tarefa fácil tendo em vista que os animais selvagens tinham que ser manietados.
No começo eram presos num poste de madeira de maneira que não conseguiam mover-se, até que finalmente se rendiam ao destino. As vacas leiteiras chegavam por vezes a 40, resultando em muitos baldes de leite. Do leite fazia-se manteiga e queijo, normalmente comprado e comercializado pelo velho Bahm  de Hamburgo Velho. O velho homem da manteiga foi mais tarde fulminado  por um raio. Os preços da época: uma boa vaca de criação era vendida nas picadas por sete Thalers, doze porções de queijo e uma libra de manteiga valiam uma pataca. Raras vezes vendiam-se animais para o abate, pois, na época quase só aparecia carne de porco na mesa e, mesmo esta, raramente. Johannes Ostjen lembra-se de uma única vez do abate de um animal. Nossa alimentação consistia em feijão preto e batata inglesa e nosso café num caldo preto de cevada com farinha de mandioca, servido em pequenas cabaças. O patriarca da família Ostjen foi Johann Ostjen casado com Elisabeth Hub. Tornou-se benemérito dos colonos pelo fato de os levar de carroça de São Leopoldo até a mata virgem, o que lhe rendeu uma grave enfermidade da qual acabou falecendo. Teve quatro filhos: Elisabeth, mãe de Georg Mattje, Peter, Catharina, mulher do falecido Peter Dilli e Johann casado com Anna Lauermann. Depois da morte de Johannes Ostjen  a viuva casou-se com Johannes Fröhlich.
Desse casamento nasceram dois filhos, Georg e Friedrich. A sua cabana coberta de palha erguia-se no caminho de Novo Hamburgo a São Leopoldo, Portão Dois Irmãos e Bom Jardim. O caminho leva a São Leopoldo e desemboca na atual estrada onde, numa casa vermelha, mora um certo Gerber. Na direção de Bom Jardim passava-se pela casa de Joãosinho Lourenço. Numa certa tarde passaram por aí os Farrapos a caminho da ocupação de São Leopoldo. Levavam um lote de gado, numa carreta uma canoa para atravessar o rio dos Sinos, faixas amarelas nos chapéus e mal vestidos. Uma boa parte deles tinha trapos amarrados na cintura. Também as mulheres montavam em cavalos e empunhavam lanças, (168) que terminavam em três pontas, as laterais com ganchos e a do meio reta, certamente uma arma temível num entrevero à mão.
Os Farrapos  vinham com a esperança de levar São Leopoldo de roldão. Levaram uma tremenda decepção. À meia noite passaram de novo por nós, dispersos deixando tudo para trás. Teriam até preferido entregar as crianças. Quando apareciam em grande número comportavam-se com decência. Os oficiais cuidavam para que seus homens não molestassem os colonos. Em contrapartida oferecíamos água e um oficial chegou a enxotar a golpes de sabre um retardatário. Os Caramurus tinham o mesmo comportamento.
Costumávamos ter medo de pequenos bandos que se comportavam mais como salteadores do que como soldados. Na verdade os Farrapos nos molestavam mais do que os imperiais pois, nas proximidades encontrava-se o "Beco dos Farrapos", onde praticamente todos eram aliados dos Farrapos: Einsfeld, Neupinger, Frank, Stein, Bach, Wermann, Eberling. Um vigia ficava sempre de plantão numa elevação perto de Bom Jardim, visitada ora pelos Farrapos, ora pelos Caramurus. Das nossas moradias pudemos observar às vezes as escaramuças que aconteciam entre as facções inimigas. De todas as nossas posses sobrou apenas uma vaca e mesmo esta nos foi finalmente tirada. Certa vez a mãe e as crianças fomos obrigados a fugir. O pai refugiou-se  na Picada 48, na casa dd Franz Meng. Johann Ostjen dirigia-se seguido até lá para levar notícias da família. Fazia-o ora a pé, ora a cavalo que era deixado num esconderijo. Certa ocasião viveu uma história estranha. Corria voz que, no caminho perto do vale fundo entre Simonis e Lenk, andava um fantasma. Era noite. Ao aproximar-se do vale profundo escutou um rosnar. "Vamos, tordilho," falou. Chamou o cachorro branco e avançou em direção ao fantasma. Viu então que o rosnar não vinha de um fantasma, mas de  um velho bonjardinense bêbado. Desde então o herói da ocasião não sentiu mais medo de fantasmas.
Acontecimentos igualmente pesados abateram-se sobre a família Lauermann. Desde 1827 suas benfeitorias encontravam-se no lote19, primeiro perto do caminho, depois perto do arroio e, finalmente no alto onde se encontram hoje. As instalações eram bem do estilo das casas dos colonos alemães. Sala, quartos e celeiro debaixo do mesmo telhado, ligados entre si por uma passagem central. Os Lauermann sofriam, de vez em quando, incursões da parte dos imperiais de Dois Irmãos. Merece menção especial a façanha de Mombach, chefe dos Caramurus, que derrubou com o sabre toda a louça da prateleira, deixando por muito tempo as marcas visíveis. Numa outra ocasião dirigiu a fúria contra os cobertores de pena, cuja fronhas lhe agradaram. Pendurou-as num prego, abriu-as e espalhou as penas. Para inutilizá-los jogou-os num barril de nata utilizado para bater manteiga. O velho Lauermann era alfaiate natural de Waderer na Lorena, anexada à Prússia em 1815. Servira durante sete anos nas tropas de Napoleão contra os ingleses e, em 1826, emigrou para o Brasil. Durante três meses ficou acampado no campo, perto da moradia do velho Bug. Em 1828 casou pela segunda vez, sua mulher e filhos faleceram em Pelotas - quando com outros viúvos veio mais um contingente de  imigrantes acompanhados com moças casadoiras, a bordo do navio Olbers. Aos domingos buscava no Portão, onde morava Luiz Bedemacher,  laranjas por oito vinténs o saco, em companhia dos demais colonos e os negros libertos Xavier e Marisma . O pessoal de Dois Irmãos e Bom Jardim encontravam-se nas cancelas do Portão. (169) Já naqueles primeiros tempos todos se empenhavam em plantar laranjeiras e sonhavam com uma que produzisse frutas do tamanho de um barril de farinha, como costumava dizer Johannes Ostjen. Naquele tempo Bom Jardim assistia às vezes a um espetáculo divertido. Por ocasião em que os colonos de São José do Hortêncio buscava subsídios em São Leopoldo, passavam por Bom Jardim na ida com cara séria e na volta alegres, não só, como se dizia, pela dinheiro embolsado. De maneira alguma se pensava em algo errado. Os Lauermann perderam tudo na Revolução. As plantações foram devastadas e dentro de casa encontravam-se apenas alguns porongos e uma faca do comprimento de um dedo. Das roupas sobraram no fim só aquelas que vestiam. Anna Lauermann contava o seguinte do aperto em viviam: Carne não conhecíamos e quando ia para a escola levava um pedaço de pão seco.
"Papai",  disse ela certo dia. "Serei obrigada a comer sempre pão seco?" O pai respondeu: "Mergulha-o no rio e não estará mais seco." Mathias, o irmão de Anna casou em 1844 com Rosina Mossmannn. Levou o primeiro filho para batizá-lo em São Leopoldo quando já cotava com oito meses. O vigário estava doente e impedido de batizar. Lauermann voltou depois de quatro semanas e a criança foi batizada. O vigário disse: "Voltem mais tarde para que eu registre a criança, agora não tenho tempo." Mas o Lauermann deixou estar como estava. Desta vez ele não tinha tempo. No ano de 1845 houve uma grande seca e as pessoas vinham em grande número até a cruz da missão para pedir chuva. O mencionado Lauermann trabalhava também como marinheiro no barco de Tiefenthäler e, como outros, fazia a pé o longo caminho até São Leopoldo. Ganhava duas patacas por dia, incluída a viagem de casa até  "Passo."
Enquanto escrevíamos a crônica ficamos não poucas vezes em dúvida, se não era um exagero incorporar no livro o retrato individual das numerosas famílias. Mas uma avaliação isenta confirmou-nos no propósito de não nos deveríamos desviar do caminho começado. As nossas razões foram as seguintes. Todos gostam de ouvir as histórias de vida de outros. Ao encontrarmos numa viagem uma pessoa totalmente desconhecida, depois de estabelecer alguma familiaridade, a primeira coisa que acontece é a narração das peripécias de ambos os lados. De outra parte seria uma lástima se os pioneiros da colonização alemã no país caíssem em total desconhecimento. Por fim o leitor perceberá em cada pessoa  individualmente a maravilhosa condução da Providência Divina. Desta maneira sentir-se-á estimulado a confiar nela em situações adversas.
Continuemos pois, com decisão a série dos retratos de vida. É compreensível que reservemos uma atenção e um tratamento especial para as famílias que se distinguiram pela sua vida cristã.
Peripécias na vida da família Pohren.
No livrinho de reza de Vincentius Pohren que ele escreveu com as próprias mãos e deu o título "Livrinho de Mirtes", encontramos como anexos, os principais  acontecimentos da sua vida. Consta aí: "No ano de 1806, na idade de 32 anos, oito dias depois do dia de São Vicente (portanto em janeiro), casou-se com Catarina Klein, que na ocasião contava com apenas 16 anos. Deste casamento nasceram 10 filhos até 1826, quatro meninos e seis meninas. Johannes viu a luz do mundo  no dia de Santa Bárbara de 1810, às sete horas da tarde, Margaretha a mãe dos irmãos Dilli em 16 de maio, às 11 horas da noite.
Vincentius, o patriarca da família Pohren no Brasil gozava de uma boa situação na Alemanha, como se pode deduzir até as minúcias do seu livro de registro de despesas, levado com assiduidade. Produzia mudas de árvores e era dono de dois grandes pomares, ocupados com macieiras e pereiras, que ele enxertava e vendia. Na página 25 do mencionado livrinho, encontramos o seguinte registro: no primeiro pomar cresciam 88 macieiras enxertadas, 273 pereiras enxertadas, 335 árvores silvestres, sem contar as menores. Para o segundo pomar os registros indicam: 308 macieiras, todas enxertadas, 745 pés silvestres e 98 pereiras. Na página  três estão os registros das mudas vendidas. Para o ano de são 15; 1820 são 37, 1821 são 36 e 1822 são 126, etc. Os últimos renderam 45 Thalers. Os registro continuam nesta linha até 1827. Na primeira página consta que Pohren comprou uma casa por 240 Thalers. No mesmo ano construiu um celeiro, pagando 26 ao pedreiro e ao carpinteiro 14 Thalers.
O motivo da emigração para o pai de sete filhos homens foi a prestação do serviço militar na Prússia. Encontramo-no assim em 1828 empenhado em vender a propriedade. Na página 75 anotou: As contas das entradas coma venda dos meus bens: 15% de 1190 Thalers foram deduzidos porque o pagamento foi à vista, importando em 180 Th., sobrando 1010 Th. Acresceram 375 da casa, 95 da pastagem, elevando a soma total a 1480 Th. Deduzidas as dívidas sobraram 1080 Th. Com este dinheiro começou a viagem. Na página 76 estão assinalados os custos da viagem. A viagem oceânica importou em 72 Th. por pessoa. Os seis passageiros custaram 432 Th. A viagem pelo Mosela e o Reno custou 15 Th. e a carga 2, 5 Th. O transporte terrestre de Wesel até Bremen importou em 20 Th., elevando do total das despesas para 477 Th.
Para começar estavam reservadas duas provações para o nosso Vincenz. Passou 18 semanas no mar com a família. Neste meio tempo perdeu a mulher e três dos seus filhos. A mulher contraiu escorbuto provavelmente por causa da alimentação sem variação. Acresceu a grande escassez de água potável distribuída na coberta superior do navio. Quando a enferma se arrastou até em cima para beber, uma menina bebia de uma vasilha. Ela deveria receber também a sua porção quando o nosso Pohren a viu desfalecer. Não conseguiu mais beber e sem sentidos  foi levada para baixo e naquele dia ficou sem água. Dos filhos do Vincentius só vive mais um e mora em São Sebastião do Caí. 

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