Deitando Raízes #13

 A vida de soldado agradava muito pouco ao nosso jovem Julius. Sempre de novo decidia desertar, mas Boruszewski o desaconselhava com insistência. Finalmente concretizou a decisão. A ocasião foi esta. Muitos desertores abandonaram a mochila e parte das armas. Era preciso transportá-los de uma margem para a outra do La Plata. Para esta tarefa foi destacado, entre outros o nosso Julius, acometido de novo com um acesso de deserção. Em vão o amigo tentou demovê-lo, argumentando que de qualquer forma seriam em breve dispensados. Julius desertou em companhia de outros. De saída foram acolhidos por alemães na cidadezinha de Florida e, finalmente, dirigiram-se para Buenos Aires. Boruszewski nunca mias teve notícias dele. E, de fato, não demorou para que muitos fossem dispensados quando estavam em Rio Pardo e dispersaram-se pela Província. A permanência de Boruszewski por mais tempo deve-se a um fato ocorrido em Rio Pardo. Quando certo dia servia de ordenança para o comandante da cidade, ouviu de um camarada meklenburguense; "Hoje à noite teremos novidades! A segunda companhia pretende livrar-se  do Samuel porque ele apropriou-se do soldo e mandou prender os capitães que o revelaram aos soldados." E, de fato, ao anoitecer a segunda companhia aproximou-se marchando, para queixar-se do Samuel. O empenho conjunto dos oficiais junto ao comandante conseguiu acalmar o pessoal, com a promessa de uma rigorosa investigação. Boruszewski que pretendia inteirar-se dos fatos, deitou-se de bruços no chão na margem do rio, achando que não fora percebido. Mas foi notado pelo tenente Acker  que andava por aí em roupa civil. Obrigado a ira até Porto Alegre na companhia de mais 12 homens como testemunhas teve que esperar mais 11 semanas. Morou no quartel onde tomava as refeições. Durante o dia estava liberado para ganhar alguma coisa na cidade. Cansados da longa espera  as testemunhas convocadas começaram a pensar em desertar. Boruszewski procurou em vão convencê-los a terem  um pouco mais de paciência, porque de qualquer maneira não demoraria para serem dispensados. Por fim também ele se rendeu à tentação. Aconteceu assim: Um velho mestre cordoeiro que se hospedara  no hotel que Boruszewski costumava freqüentar  informou-se se não conheciam algum aprendiz de cordoeiro. O hoteleiro informou que sim, um integrante do batalhão de alemães. Conversamos e sua oferta subiu-me na cabeça. Parti e, sem demora, estava em São Leopoldo, onde fui trabalhar com o velho Würdig, sogro do Panitz. Como me sentia meio inseguro, fui ter com o velho coronel Hildebrand e contei-lhe a minha história. Falou-me amigavelmente: "Vocês todos foram dispensados."
Trabalhei durante três meses com o velho mestre cordoeiro, desde a manhã cedo até tarde da noite, por seis mil réis, um autêntico salário de fome. É compreensível que não conseguisse adquirir grande coisa e andava por aí  como um maltrapilho. Escutei dos vizinhos que o mestre teria dito que o aprendiz não podia deixar de trabalhar para ele, apesar da pouca remuneração, porque não havia outra cordoaria na região. A contragosto decidi largar o posto e procurar outra ocupação. Envergonhei-me bastante por assumir a verdade perante outros aprendizes e recorri a uma  mentira para desculpar a minha lamentável situação entre jornaleiros que ganhavam o dobro do meu salário. Fui até Bom Jardim aconselhar-me com um velho conhecido, Carl Tunorowski, cocheiro de Jacob Müller e procurar trabalho. Infelizmente não encontrei nada e  vi-me forçado a voltar ao velho mestre que então me pagou oito mil réis por mês.

Passados mais três meses não quis mais ficar sob hipótese nenhuma. De novo pus-me a caminho para Bom Jardim e apeei na casa de Jacob Müller. Na janta perguntou quem eu era e donde vinha. O senhor da casa admirou-se por eu me ter decidido a ir embora, pois o velho cordoeiro me tinha elogiado muito, como sendo um excelente operário e como quem tinha condições de progredir. É óbvio que tinha condições de progredir, mas acontece que não pensou no meu progresso. Faz pouco tempo processei 12 arrobas de linho que ele pretendia queimar como imprestáveis, o que lhe rendeu 24 mil réis. Jacob Müller ouviu com atenção a minha história. Na manhã seguinte falou-me: "Fica aqui ainda hoje." Respondi-lhe: "Preguiçar vai contra a minha natureza. Como posso comer aqui sem trabalhar. Deixe-me pelo menos rachar lenha." No segundo dia apareceram o Finger Hannes, o Fröhlich e o velho capitâo Dillenburg. Müller conversou com eles no quarto do lado. O dono da casa não falou nada a respeito, apenas pediu que ficasse também no dia seguinte. Na manhã seguinte não me agüentei mais. Perguntei se ele tinha um plano a meu respeito. Respondeu afirmativamente e continuou: "Por acaso não gostarias de tocar um negócio próprio?" Sem dúvida é o meu sonho desde criança. Mas como realizá-lo?" "Veja, outras pessoas podem ajudá-lo. Afinal quanto precisas? Bastam 500 mil réis?" Meus olhos encheram-se de água. Eu sabia que os soldados não gozavam de boa fama e a maioria deles não passava de uns suínos. Vários dentre eles casaram com viúvas e, depois de espoliá-las e espancá-las, as abandonaram. (38) E agora, inesperadamente, o bom homem me fez uma oferta tão maravilhosa. Respondi emocionado: "Acredito que não preciso de tanto." "Então toma mais 50 mil réis e a coisa vai melhorar ainda. Ofereceu-me um quarto na sua casa, onde o linho era cardado e pagava uma pataca  para mim e meu auxiliar. Instalei uma mesa de fiar comprida e bem acabada, como não havia igual em toda a picada. A devolução da metade do dinheiro podia ser feita  com produtos. E assim, de uma hora para a outra, a minha situação estava resolvida, respondeu Boruszewski. Daí para frente trabalhou com afinco e ganhou  um belo dinheiro. Infelizmente as coisas não correram bem para os benfeitores. Ele próprio se deu bem  e por isso teve acesso a uma das melhores famílias. Casou com uma das filhas do velho Georg Gehring. Desta união nasceram 14 filhos. Destes vivem ainda seis mulheres e três homens. Abastecia-se de linho procedente principalmente da Feliz, onde todos os colonos o cultivavam. Processava 200 arrobas  por ano e comercializava tudo nas picadas, no Portão, em São Leopoldo e Porto Alegre. É digno de nota para as condições de saúde, o que Boruszewski nos relata do seu antigo local de moradia. Morava onde agora reside seu filho Georg. Seus filhos andavam sempre magros e adoentados. Chegou ao ponto de planejar deixar Bom Jardim e mudar-se para a região de Montenegro, onde pretendia comprar várias colônias no valor de cinco a seis mil réis. Mas a mulher não cansava em repetir: "Só existe uma picada Berghan." Em vista disto comprou a colônia que atualmente lhe pertence. Mas, seguindo o conselho do velho Gehring, conservou para si a antiga terra do outro lado e, veja só. Passado menos de um ano as crianças estavam sadias. É estranho que seus netos gozam da melhor saúde no mesmo local onde seus filhos adoeceram. Dos camaradas de Boruszewski do tempo da guerra Carl Tonorowitsch morreu de febre amarela no Rio. Era um homem empreendedor mas excessivamente precipitado. Dez onças  significavam para ele o mesmo que  dez vinténs. Não agüentava uma única noite com elas no bolso. Certa feita apareceu em Bom Jardim com quatro onças que seu patrão lhe dera. Mandou servir cerveja da marca Christiania até não sobrar mais nada e seu velho amigo emprestou-lhe dinheiro para a volta na outra manhã. Junto com os soldados vieram também mulheres de suboficiais que juntaram um bom dinheiro durante a campanha. Veio também um mecklenburgense que não sabia nem ler nem escrever. Primeiro andou por aí com uma garrafão de cachaça que ele vendia  a varejo. Mais tarde carregava algumas pipas na carroça. Ajuntou muito dinheiro, mas exibiu-se demais com suas onças que carregava permanentemente junto ao corpo. Sumiu de vez provavelmente morto por um carreteiro para roubá-lo. Ao mesmo tipo de gente pertencia um certo Michaelsen da cidade de  Hamburgo. As mulatas e as mulheres negras que acompanhavam  as tropas, garantiam grande variação na vida da campanha e dos acampamentos. Certa vez  observei  uma negra montada num cavalo com seus três filhos. E como os acomodou? Muito simples. Passou uma lona em volta do pescoço e dos quadris. Nela os pequenos descansavam  como numa rede de dormir, um na frente sobre o peito e dois nas costas. A algazarra e a lentidão na movimentação das tropas, foi a característica dos exércitos sul  americanos. 

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