A vida de soldado
agradava muito pouco ao nosso jovem Julius. Sempre de novo decidia desertar,
mas Boruszewski o desaconselhava com insistência. Finalmente concretizou a
decisão. A ocasião foi esta. Muitos desertores abandonaram a mochila e parte
das armas. Era preciso transportá-los de uma margem para a outra do La Plata.
Para esta tarefa foi destacado, entre outros o nosso Julius, acometido de novo
com um acesso de deserção. Em vão o amigo tentou demovê-lo, argumentando que de
qualquer forma seriam em breve dispensados. Julius desertou em companhia de
outros. De saída foram acolhidos por alemães na cidadezinha de Florida e,
finalmente, dirigiram-se para Buenos Aires. Boruszewski nunca mias teve
notícias dele. E, de fato, não demorou para que muitos fossem dispensados
quando estavam em Rio Pardo e dispersaram-se pela Província. A permanência de
Boruszewski por mais tempo deve-se a um fato ocorrido em Rio Pardo. Quando
certo dia servia de ordenança para o comandante da cidade, ouviu de um camarada
meklenburguense; "Hoje à noite teremos novidades! A segunda companhia
pretende livrar-se do Samuel porque ele
apropriou-se do soldo e mandou prender os capitães que o revelaram aos
soldados." E, de fato, ao anoitecer a segunda companhia aproximou-se
marchando, para queixar-se do Samuel. O empenho conjunto dos oficiais junto ao
comandante conseguiu acalmar o pessoal, com a promessa de uma rigorosa
investigação. Boruszewski que pretendia inteirar-se dos fatos, deitou-se de
bruços no chão na margem do rio, achando que não fora percebido. Mas foi notado
pelo tenente Acker que andava por aí em
roupa civil. Obrigado a ira até Porto Alegre na companhia de mais 12 homens
como testemunhas teve que esperar mais 11 semanas. Morou no quartel onde tomava
as refeições. Durante o dia estava liberado para ganhar alguma coisa na cidade.
Cansados da longa espera as testemunhas
convocadas começaram a pensar em desertar. Boruszewski procurou em vão
convencê-los a terem um pouco mais de
paciência, porque de qualquer maneira não demoraria para serem dispensados. Por
fim também ele se rendeu à tentação. Aconteceu assim: Um velho mestre cordoeiro
que se hospedara no hotel que
Boruszewski costumava freqüentar informou-se
se não conheciam algum aprendiz de cordoeiro. O hoteleiro informou que sim, um
integrante do batalhão de alemães. Conversamos e sua oferta subiu-me na cabeça.
Parti e, sem demora, estava em São Leopoldo, onde fui trabalhar com o velho
Würdig, sogro do Panitz. Como me sentia meio inseguro, fui ter com o velho
coronel Hildebrand e contei-lhe a minha história. Falou-me amigavelmente:
"Vocês todos foram dispensados."
Trabalhei
durante três meses com o velho mestre cordoeiro, desde a manhã cedo até tarde
da noite, por seis mil réis, um autêntico salário de fome. É compreensível que
não conseguisse adquirir grande coisa e andava por aí como um maltrapilho. Escutei dos vizinhos que
o mestre teria dito que o aprendiz não podia deixar de trabalhar para ele,
apesar da pouca remuneração, porque não havia outra cordoaria na região. A contragosto
decidi largar o posto e procurar outra ocupação. Envergonhei-me bastante por
assumir a verdade perante outros aprendizes e recorri a uma mentira para desculpar a minha lamentável
situação entre jornaleiros que ganhavam o dobro do meu salário. Fui até Bom
Jardim aconselhar-me com um velho conhecido, Carl Tunorowski, cocheiro de Jacob
Müller e procurar trabalho. Infelizmente não encontrei nada e vi-me forçado a voltar ao velho mestre que
então me pagou oito mil réis por mês.
Passados
mais três meses não quis mais ficar sob hipótese nenhuma. De novo pus-me a
caminho para Bom Jardim e apeei na casa de Jacob Müller. Na janta perguntou
quem eu era e donde vinha. O senhor da casa admirou-se por eu me ter decidido a
ir embora, pois o velho cordoeiro me tinha elogiado muito, como sendo um
excelente operário e como quem tinha condições de progredir. É óbvio que tinha
condições de progredir, mas acontece que não pensou no meu progresso. Faz pouco
tempo processei 12 arrobas de linho que ele pretendia queimar como
imprestáveis, o que lhe rendeu 24 mil réis. Jacob Müller ouviu com atenção a
minha história. Na manhã seguinte falou-me: "Fica aqui ainda hoje."
Respondi-lhe: "Preguiçar vai contra a minha natureza. Como posso comer
aqui sem trabalhar. Deixe-me pelo menos rachar lenha." No segundo dia
apareceram o Finger Hannes, o Fröhlich e o velho capitâo Dillenburg. Müller
conversou com eles no quarto do lado. O dono da casa não falou nada a respeito,
apenas pediu que ficasse também no dia seguinte. Na manhã seguinte não me
agüentei mais. Perguntei se ele tinha um plano a meu respeito. Respondeu
afirmativamente e continuou: "Por acaso não gostarias de tocar um negócio
próprio?" Sem dúvida é o meu sonho desde criança. Mas como
realizá-lo?" "Veja, outras pessoas podem ajudá-lo. Afinal quanto
precisas? Bastam 500 mil réis?" Meus olhos encheram-se de água. Eu sabia
que os soldados não gozavam de boa fama e a maioria deles não passava de uns
suínos. Vários dentre eles casaram com viúvas e, depois de espoliá-las e espancá-las,
as abandonaram. (38) E agora, inesperadamente, o bom homem me fez uma oferta
tão maravilhosa. Respondi emocionado: "Acredito que não preciso de
tanto." "Então toma mais 50 mil réis e a coisa vai melhorar ainda.
Ofereceu-me um quarto na sua casa, onde o linho era cardado e pagava uma
pataca para mim e meu auxiliar. Instalei
uma mesa de fiar comprida e bem acabada, como não havia igual em toda a picada.
A devolução da metade do dinheiro podia ser feita com produtos. E assim, de uma hora para a
outra, a minha situação estava resolvida, respondeu Boruszewski. Daí para
frente trabalhou com afinco e ganhou um
belo dinheiro. Infelizmente as coisas não correram bem para os benfeitores. Ele
próprio se deu bem e por isso teve
acesso a uma das melhores famílias. Casou com uma das filhas do velho Georg
Gehring. Desta união nasceram 14 filhos. Destes vivem ainda seis mulheres e
três homens. Abastecia-se de linho procedente principalmente da Feliz, onde
todos os colonos o cultivavam. Processava 200 arrobas por ano e comercializava tudo nas picadas, no
Portão, em São Leopoldo e Porto Alegre. É digno de nota para as condições de
saúde, o que Boruszewski nos relata do seu antigo local de moradia. Morava onde
agora reside seu filho Georg. Seus filhos andavam sempre magros e adoentados.
Chegou ao ponto de planejar deixar Bom Jardim e mudar-se para a região de
Montenegro, onde pretendia comprar várias colônias no valor de cinco a seis mil
réis. Mas a mulher não cansava em repetir: "Só existe uma picada Berghan."
Em vista disto comprou a colônia que atualmente lhe pertence. Mas, seguindo o
conselho do velho Gehring, conservou para si a antiga terra do outro lado e,
veja só. Passado menos de um ano as crianças estavam sadias. É estranho que
seus netos gozam da melhor saúde no mesmo local onde seus filhos adoeceram. Dos
camaradas de Boruszewski do tempo da guerra Carl Tonorowitsch morreu de febre
amarela no Rio. Era um homem empreendedor mas excessivamente precipitado. Dez
onças significavam para ele o mesmo
que dez vinténs. Não agüentava uma única
noite com elas no bolso. Certa feita apareceu em Bom Jardim com quatro onças
que seu patrão lhe dera. Mandou servir cerveja da marca Christiania até não
sobrar mais nada e seu velho amigo emprestou-lhe dinheiro para a volta na outra
manhã. Junto com os soldados vieram também mulheres de suboficiais que juntaram
um bom dinheiro durante a campanha. Veio também um mecklenburgense que não
sabia nem ler nem escrever. Primeiro andou por aí com uma garrafão de cachaça
que ele vendia a varejo. Mais tarde
carregava algumas pipas na carroça. Ajuntou muito dinheiro, mas exibiu-se
demais com suas onças que carregava permanentemente junto ao corpo. Sumiu de
vez provavelmente morto por um carreteiro para roubá-lo. Ao mesmo tipo de gente
pertencia um certo Michaelsen da cidade de
Hamburgo. As mulatas e as mulheres negras que acompanhavam as tropas, garantiam grande variação na vida
da campanha e dos acampamentos. Certa vez
observei uma negra montada num
cavalo com seus três filhos. E como os acomodou? Muito simples. Passou uma lona
em volta do pescoço e dos quadris. Nela os pequenos descansavam como numa rede de dormir, um na frente sobre
o peito e dois nas costas. A algazarra e a lentidão na movimentação das tropas,
foi a característica dos exércitos sul
americanos.