Deitando Raízes #12

Os assim chamados Brummer formaram um outro tipo de colonos que se fixaram na Linha Berghan entre 1852 e 1854. Alguns deles permaneceram em Bom Jardim. Em Dois Irmãos encontramos um certo Schröder (protestante) e, nas proximidades de Bom Jardim Michaelsen, Bilke, F. Jäger e Wiesmann. Este último atuou como médico em Nova Petrópolis. Antes de passarmos a narrar as experiências individuais, tanto dos acima nomeados, quanto de outros moradores de Bom Jardim, que foram envolvidos pela guerra com a Argentina, queremos relatar  brevemente o andamento da guerra contra Rosas. Rosas que se impôs como ditador em Buenos Aires, tentou conquistar a soberania sobe o Estado Oriental. O Brasil entendeu que não podia permitir tal coisa e em 1850 declarou guerra a Buenos Aires, a qual terminou com a derrota de Rosas em 1852. A Câmara autorizara o Governo Imperial a contratar um contingente de 6.000 estrangeiros para integrá-los na campanha. Com este objetivo o antigo ministro da guerra Rego Barros, na condição de comissário, viajou para a Alemanha. Na primavera de 1851, arregimentou cerca de 2.000 homens das tropas desmobilizadas de Schleswig-Holstein, Viajaram para o Brasil sob o comando (29) do tenente coronel von der Heyde. Só poucos tomaram parte na campanha propriamente dita. Prestaram relevantes serviços na guerra pois estavam armados com a carabina de agulha recém inventada. Sem participar da guerra a maioria dos Brummer permaneceu em Montividéu, de onde se deslocaram para o Rio Grande do Sul. Dedicaram-se aqui às mais diversas atividades: Carl von Koseritz como funcionário para a colônia, redator e político, Carl Jansen como tipógrafo. Além dessas tropas estrangeiras, foram convocados para a guerra também nativos, mas só solteiros. Um certo Rocha  com uma fazenda no Carioca, mandou um certo Machado de São José do Hortêncio, para a colônia Bom Jardim, na condição de oficial recrutador. Este por sua vez dispunha de subalternos que percorriam as picadas em busca de rapazes em idade de servir no exército. Jacob Jung estava construindo um moinho para farinha e óleo na Picada Café, na outra margem do Cadeia, onde uma estrada leva ao vale da Joaneta. Tabalhavam com ele Michel Calsing e, como pedreiros, os irmãos Weiler e Philipp  Roth do Morro dos Bugres. Os recrutadores procuravam Friedrich Arndt, irmão adotivo de Jacob Jung e, provavelmente um paulista que estava alojado na casa de Jung. Alertados a tempo refugiaram-se na Picada 48. Quando depois um contingente da polícia recrutadora, achando que surpreenderia os procurados no moinho, como que numa ratoeira, ficaram muito furiosos, ao perceberem que tinham feito a  viagem em vão. Como desforra amarraram os inocentes e os arrastaram por um trecho para, em seguida libertá-los, depois de maltratá-los com golpes de sabre.
Um Brummer de nome Albert Boruzewski   que de maneira alguma tinha a má fama e os maus costumes dos seus companheiros, estabeleceu-se como aplicado cordoeiro em Bom Jardim. Nascera no dia 28 de março de 1826 na fortaleza de Thorn onde recebeu uma boa formação escolar  e, mais tarde, aprendeu o ofício de cordoeiro. Na ocasião em que se formava a legião alemã de von der Heyde em Hamburgo, ele se encontrava em Altona como oficial cordoeiro. Certo dia apareceu um jovem na oficina. "Meu Deus, Julius, como vieste até aqui!", exclamou admirado. Julius era o último dos filhos do velho mestre em Thorn. "Venho de Baden" respondeu e pretendo viajar como voluntário para o Brasil." "Mas Julius, o que dirá teu pai e tua mãe. Talvez nunca mais te vejam e ficarão tristes e acabrunhados quando não tiverem mais notícias de ti." Julius era o predileto da mãe e íntimo amigo do aprendiz de cordoeiro Boruszewski. "Não, não lhes podes causar este desgosto. Vamos primeiro escrever-lhes para obter a sua permissão." "Não é necessário," disse Julius, "ninguém me impedirá, mas escreve se quiseres."Boruszewski assim o fez. Depois de três ou quatro dias veia a resposta, dirigida a Boruszewski na qual lhe era pedido que tentasse tudo para reter Julius. Mas Julius ficou firme no seu propósito. Boruszewski lembrou-se então de um primeiro tenente de Radszewski, também nascido em Thorn e conhecia bem o pai de Julius. Também eles se apresentou, porque como outros oficiais, havia ficado em Schleswig-Holstein contra a vontade do governo prussiano, para lutar pela sua independência e por isso não podia contar com promoção. Em lugar de apoiar os esforços de Boruszewski, respondeu com a provocação: "Que nada, vem e acompanha-me também. Neste momento também Boruszewski  tomou a decisão de fazer parte da expedição, com a intenção de fazer às vezes de pai para Julius. O outro motivo foi um desentendimento com  o irmão mais velho. Na partilha dos bens esse  beneficiara-se vergonhosamente, em prejuízo dos outros irmãos. (30) Em vez dos 1.700  rublos eles receberam apenas 260. Para Boruszewski expulso desta maneira da terra natal, era indiferente aonde iria tentar a sorte. Assinou então contrato com a Legião Alemã.
A tropa, dividida em três contingentes: um batalhão de infantaria e seis companhias, uma divisão de artilharia e pioneiros, no total 2.000 homens, estava sob o comando do tenente coronel von der Heide, um antigo oficial prussiano. Samuel Lemmertz era major do batalhão de infantaria.  Distinguira-se pela valentia na guerra russo-turca, mas adquirira também uma boa dose de rudeza. Era conhecido simplesmente como Samuel. (32) As tropas alemãs desembarcaram na sua maioria no Rio de Janeiro onde, em seguida, começaram as deserções, que tomaram proporções ainda maiores durante a campanha. Os alemães foram encaminhados a Rio Pardo, via Rio Grande. De lá seguiram para Pelotas e por água até Jaguarão. Em marchas penosas continuaram pelo Uruguai até a Colônia do Sacramento, em frente a Buenos Aires, na outra margem do Rio da Prata. Como conta Boruszewski permaneceram aí durante algumas semanas, período em que morreram 18 0u 19 de  desinteria. O hospital militar estava instalado num velho convento e, também eu, me vi forçado a internar-me durante duas semanas porque fui acometido pelo mesmo mal. Perguntaria se esta doença foi a minha sorte ou a minha desgraça? Um comando de 70 homens sob as ordens de um capitão e dois tenentes, recebeu ordens de avançar e tomar parte no combate. Até agora só marchávamos para frente, sem entrar em contato com o inimigo. Afirmava-se constantemente que o inimigo andava por perto, mas quando avançávamos, não havia ninguém. Apresentou-se finalmente a ocasião para entrarmos no fogo. Mas só 70 homens deveriam ter esta felicidade. Coincidia com o número exato de carabinas equipadas com agulhas em poder do nosso contingente. Por permissão do major sargento  também eu deveria estar entre os escolhidos e, durante dois dias treinei tiro ao alvo com a carabina de agulha. Adoeci e com isto a minha fama de guerreiro estava terminada. Os 70 homens entraram em combate que durou apenas duas horas. Nenhum deles morreu e só três foram feridos. Os nossos pioneiros, distribuídos entre os batalhões brasileiros, também tomaram parte no combate. Não sei dizer quantos tombaram. Provavelmente foram poucos, pois a guerra terminou em seguida. Os episódios mais relevantes estão num canto de soldados, composto por Bilke, também de Thorn e, mais tarde, professor evangélico na Picada dos Portugueses. Das trinta estrofes conservo na memória  algumas estrofes que retratam a nossa (33) vida no acampamento e os nossos deslocamentos. As estradas encontravam-se m situação especialmente crítica e os desperdícios eram grandes. O tratamento também não correspondia ao que os alemães tinham direito de reclamar conforme o contrato, principalmente da parte dos comandantes alemães. Um episódio ilustra mais do que palavras, o que éramos obrigados a suportar.
Em companhia com um outro camarada eu tinha encontrado um bom cantinho no navio. Ele, porém, agradava a um suboficial de nome Lange e a um alferes de nome Mayer, oriundo de Bremen (este último foi mais tarde professor em Hamburgo Velho) e procuraram desalojar-nos. Mas nós insistimos no nosso direito. Esta atitude não passaria sem castigo da parte de Lange. Por um bom tempo não podia fazer nada contra mim por ele pertencer a uma outra companhia, a terceira, até que um dia se apresentou a ocasião e ele a aproveitou fartamente. Com a intenção de obter a benevolência dos seus superiores brasileiros, o major Samuel ofereceu os soldados alemães para limpar o local no acampamento destinado para dormir. Destacava regularmente 18 homens para esta finalidade, selecionados das diversas companhias. Acontece que esta ordem nem sempre foi cumprida. Os sargentos mandavam aqueles que no dia do pagamento do soldo não lhes lavavam a garganta com cachaça, mas utilizavam o dinheiro para adquirir pimenta, sal, cebolas e outras utilidades para a vida do acampamento. Aconteceu então que as mesmas pessoas foram destacadas quatro ou cinco vezes seguidas, para executar este trabalho sujo. Revoltados combinaram que na próxima vez  recusariam o trabalho. Mas quando veio novamente a ordem ninguém se atreveu a  contestar. Apenas Boruszewski armou-se de coragem e foi direto ao major Samuel. Este gritou imediatamente: "Tambores, o toque do sargento!" Os sargentos apresentaram-se e sobre suas cabeças desabou uma tormenta para valer. Por não se ter queixado como manda o regulamento, foi castigado com duas vezes quatro mais vinte horas de cadeia. No local da detenção o oficial do dia era casualmente o suboficial Lang. Ao deparar-se com seu rival do tempo do navio, aproveitou a ocasião para descarregar o seu humor. Perguntou ao suboficial de guarda que também se chamava Lang: " Quanto tempo de detenção tem este homem?" A resposta foi: "Duas vezes vinte e quatro horas." "Sim, leves ou pesadas?" Nem o preso nem o suboficial o sabia. "Bem, vou informar-me para já", disse o suboficial do dia e saiu. Depois de alguns minutos voltou com a decisão: "Detenção severa." Foi algo terrível. Significava ficar quatro horas amarrado a uma careta com os braços e os pés esticados como um crucificado. Veio com o efeito de um raio sobre B0ruszewski, que disse que não suportaria um castigo como aquele. Além de tudo era Natal. Para consolá-lo 12 ou 14 dos seus conterrâneos o procuraram, levando bebida, cachaça, vinho forte. Mas ele estava pouco afim. A agitação e a bebida mergulharam-no numa disposição sombria, fazendo-o declarar ao oficial  encarregado da guarda: "Prefiro meter uma bala na cabeça a submeter-me a um castigo destes." Mas o bom anjo o protegeu e fez com que não praticasse um ato que o cobriria de vergonha e condenaria sua alma irremediavelmente à maldição. "Acalme-se", respondeu o suboficial, eu conheço desde Schleswig-Holstein esse covarde do oficial do dia. "Escute, mando dois homens levá-lo até a carreta. Fique lá. Quando passa a ronda levante por uns momentos os braços e os pés contra a caixa, para parecer que estás amarrado." "De acordo", foi a resposta. "E se o oficial do dia vier para examinar?" "A este respeito não te preocupes nem um pouco, ele não virá." Essa demonstração de amizade me fez bem e decidi acatar a sugestão. Na hora combinada levaram-me até a carreta e, sem demora, ouvi a guarda gritando: "Alto, quem está aí?" Veio a resposta: "O oficial da ronda."  E, em voz baixa: "Senha e contra senha". Como é do conhecimento dos soldados veteranos, com a aproximação de alguém, a guarda no campo tem o dever de perguntar com a baioneta calada ou a arma engatilhada: "Quem está aí?" O oficial que inspecionava o posto respondeu em voz baixa: "O oficial da ronda." Na mesma posição, a baioneta apontada para o peito do que se aproximava, pronta para a estocada, a sentinela perguntou em voz um pouco mais baixa: "Senha", pelo que o oficial da ronda respondeu com voz abafada. Com voz ainda mais baixa perguntou a sentinela: "Contra senha", que deveria ser dada por um outro, para que não fosse imediatamente varado o peito com a baioneta. Tratando-se de simples soldado a sentinela diz: "Pode passar." Tratando-se do oficial da ronda presta a saudação  militar convencional. De fato o oficial do dia passou sem observar o preso, que se encontrava na postura combinada. De qualquer forma o tratamento durante a guerra deixou muito a desejar. Carlos Tenorowitsch, um homem talentoso, que estudara teologia no seminário, e desistira antes da ordenação, por achar que não tinha vocação, estivera a serviço da Áustria. Como primeiro sargento fugiu com o dinheiro do soldo da companhia e, por seis meses, escondera-se no roupeiro de um parente. Aproveitou o isolamento involuntário para ler muitos livros e evitar o tédio. Era um homem com formação e durante a guerra foi solicitado como intérprete em negociações com os castelhanos, por causa dos seus  conhecimentos de latim. Como se sabe fala-se espanhol no Uruguai e na Argentina. Tinha paixão pela leitura e procurava os livros onde quer que estivessem. Encontrou certa feita e pediu emprestado um livro do livreiro  Lorberg. O tenente Wedelstädt que também teria gostado de ler o livro, soube do caso. Perguntou ao Tonorowitsch (pelo pseudônimo Elsner), conhecido dos hóspedes da antiga venda  de Jacob Müller em Bom Jardim. "O senhor leu o livro?" Não senhor, tenente, não o terminei ainda, mas logo que estiver pronto, levo-o para  o senhor." O tenente levou a mal esta falta de colaboração. Não demorou para se apresentar uma ocasião para fazê-lo sentir. Com a marcha os pés de Tenorowitsch estavam feridos, ao ponto de não conseguir acompanhar os demais. O tenente gritou-lhe a ordem: "Homem, marchar em formação!" Ao mostrar que os pés feridos o impediam, o tenente desferiu-lhe um golpe de sabre na cabeça. Ele caiu e foi preciso levá-lo até o hospital da cidadezinha de Santa Lúcia. O mesmo oficial praticou um outro ato de valentia por ocasião da marcha para o campo da batalha, com seu "nariz de cachaça" que adquirira na escola de cadetes de Potsdam. O batalhão estava pronto  para a marcha e apenas aguardava ordem para pôr-se em movimento, quando o vizinho da fileira do lado permitiu-se um gracejo. "Senhor, cala a boca!", berrou Wedelstäsdt  para o soldado. "Mas, senhor,  tenente, estou apenas contando uma piada berlinense." "Senhor, cala a boca!", (35) foi a resposta, acompanhada por um golpe de sabre que  derrubou o atingido. No mesmo momento ouviu-se o comando: "Marchar!" e o batalhão pôs-se em movimento. Não ficamos sabendo o que aconteceu com o infeliz alemão. As  brutalidades foram possíveis embora, segundo o contrato, o batalhão estivesse sujeito  ao regulamento e comando prussiano. Don Fernando, odiado pelos alemães, fez-se culpado de outros maus tratos com um soldado. Um soldado com os pés em ferida acomodara-se numa carroça com soldados e mulheres de soldados. Ao vê-lo o general ordenou-lhe que descesse imediatamente. O soldado que não entendia o português, apontou para os pés sem dizer uma palavra. Don Fernando furioso repetiu a ordem e como o cumprimento demorasse um pouco, desferiu-lhe um golpe de chicote na cabeça. O alemão viu-se obrigado a abandonar a carreta e arrastar-se até o acampamento. Logo que o tenente coronel von der Heyd soube do fato, dirigiu-se ao general recusando-lhe submissão colocando o sabre a seus pés. Com o tenente coronel todos os outros oficiais alemães mais antigos  despediram-se porque se sentiram ofendidos com o tratamento dispensado ao soldado. Marcharam a pé de Montevidéo até Rio Pardo. E que marcha naquelas condições lamentáveis. A maioria já não dispunha de calçados, apesar de os sapatos serem enviados em caixas. Foram desviados para outros destinos e serviram para fazer negócios. Muitos confeccionavam sandálias para de alguma maneira proteger os pés. Cortavam solas utilizando couro cru de boi com que eram feitos os sacos  em que se transportava a erva mate. Faziam furos nas bordas e prendiam o sapato rudimentar, com barbantes nos pés. Mas era um quebra galho miserável. O couro cru castigava de tal maneira os pés que, depois de dois dias de marcha, as pessoas não conseguiam mais andar. Certo dia o general Caxias organizou uma parada. Borusewski, um soldado asseado e robusto não podia faltar e, como estava de sentinela, foi rendido por um sujeito desleixado. Isto não lhe valeu nada. Não tinha botas nem sapatos, além de desajeitado, característica que tinha em comum com muitos outros.
O criativo Samuel soube como  ajudar-se. Mandou que o batalhão se formasse em três fileiras, os descalços na do meio. Mas não era tão fácil enganar Caxias. Seus olhos fixaram continuamente o chão onde se movimentavam os descalços. O artifício falhara. Apesar de tudo Samuel gozava de boa aceitação junto a Caxias, porque em certa ocasião o presenteara com um magnífico sabre turco, recebendo em troca um cavalo como Borozewski jamais vira outro mais belo. A situação das fardas não estava muito melhor que os calçados. Nem falar em corte adequado. Não raro tinham dobras tão grandes que era possível esconder nelas um pão de campanha. E as cores! No dia em que as tropas entraram em Rio Pardo depois da guerra, a farda do nosso conterrâneo, reluzia em quatro cores: azul claro e escuro e amarelo claro e escuro. Ele notou que as senhoras nas janelas riam aos vê-los, mas isto lhes importou muito pouco. Não os conheciam e afinal, a administração do exército  fornecera a farda. Por ocasião da compra em Hamburgo era até vistosa na sua única cor. Como acontece ainda hoje nos fornecimentos para o exército, os judeus tingiram com uma única cor as fardas confeccionadas com quatro tipos de pano. A tintura não resistiu à chuva e ao  sol dos trópicos.


Relacionado com a farda aconteceu também o seguinte episódio. Na ocasião em que o batalhão teve que realizar uma parada dos esfarrapados diante do general Caldon, um inglês, o bom Samuel  surpreendeu-se com a aparência do Boroszewski. "Meu filho, que farda estás vestindo, és o primeiro que vai receber uma nova", disse em tom paternal. Acontece que o filho espera até hoje para recebê-la. Não é de se admirar pois o pano destinado aos filhos de Samuel foi vendido aos fardos em Monevidéo. O que aconteceu com os sapatos e as fardas, deu-se (36) também com os outros fornecimentos como café, açúcar, etc. Antes que as encomendas chegassem até os soldados, muita coisa já passara para as mãos de outros sobrando muito pouco. Por gado e carne providenciava-se regularmente, mas de vez em quando o fornecimento não chegava a tempo ou falhava de todo. O seguinte exemplo serve como ilustração. Certa ocasião Boroszewski, por causa dos pés machucados, foi autorizado pelo tenente a marchar na retaguarda. Ele percebeu alguma coisa esverdeada ao lado da estrada. Aproximou-se, virou-a com  o pé e constatou que se tratava de um pedaço de carne meio estragada. Mesmo que a aparência não fosse apetitosa, pensou que ainda poderia servir e a levou até o acampamento. Chegado lá ouviu dizer que o gado não chegara. Alegrou-se por ter salvo o pedaço de carne esverdeada. Desceu até o arroio, lavou-a como a mulher lava uma peça de roupa. Adiantou, mas não muito. Pensou consigo: com o auxílio do fogo, pimenta e sal é possível que resulte alguma coisa. Acendeu o fogo e sobre ele colocou a carne. O verde diminuiu um pouco. Enquanto se ocupava com a carne aproximou-se  o tenente Wedelstädt e o interrompeu.  "O que é isto?, Borusewzewski, ninguém no acampamento tem um fogo como o senhor e, além disto, parece que está assando." Deitou-se no capim aí perto e, negligentemente fustigava os colmos com o sabre, enquanto de tempos em tempos, lançava um olhar furtivo em direção à carne. Boruszewski arriscou a pergunta: " Quem sabe o senhor tenente aceita ser meu convidado?" "Evidente", foi a resposta. "É para isto que estou aqui." Pronta a carne os dois a saborearam com apetite. O soldado não conteve o riso e o tenente perguntou: "Então, o que há?" "Sabe," respondeu aquele; "O fato de nós dois termos neste momento algo para comer, devemos ao senhor tenente." "Como?" foi a pergunta. Contei-lhe como  conseguira a carne e como a preparara. Rimos à vontade e teríamos comido mais se tivéssemos tido mais. A caracterização do batalhão alemão  acima, deixa claro para qualquer um, que a nossa situação não era das melhores. O nosso humor estava muito baixo e não poucas vezes, nós camaradas reunidos, tentávamos consolar-nos mutuamente. Para outros a paciência terminou e patrulhas inteiras de 12 ou 16 homens desertaram, como já tinha acontecido no Rio de Janeiro. A maioria se deu bem na fuga. Mas quando os fugitivos caíam nas mãos dos piquetes de sentinelas, aguardava-os uma vida bem mais dura. Recebiam apenas a metade dos suprimentos  e metade da ração e eram obrigados a acampar no relento, fora das barracas, mesmo na pior das intempéries.

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