Reflexão do Pe. Rick sobre a imigração alemã


As mudanças ocasionadas entre os imigrantes alemães devido às circunstâncias peculiares  no Sul do Brasil, foram magistralmente caracterizadas pelo Pe. Rick, um dos mais argutos lideres da colonização na primeira metade do século vinte.
 
O relativo isolamento do Hunsrück pelo ano de 1824, caracterizou também a primeira colônia alemã no rio Caí e Sinos. Não existiam nem caminhos, nem estradas. Na época nem na Europa se conhecia o telégrafo nem telefone. Apenas havia disponível um tal ou qual serviço postal. A mata estendia-se para o interior aparentemente ao infinito, despovoada à exceção das aldeias de alguns índios selvagens. Pode-se deduzir, portanto, que os alemães povoadores da mata não foram influenciados por qualquer outra circunstância.

O clima era radicalmente diferente daquele das suas terras de origem. Subtropical, vizinhando-se por exemplo daquele da Lombardia. Excluindo os três meses  de verão muito quentes, é ameno, assemelhando-se às condições reinantes no mês de junho da Euroa, com  a diferença que ocorrem muito mais dias ensolarados. A luz e o sol conferem cores vivas às flores e aos homens uma jovialidade que conduzem a uma tal ou qual superficialidade.

Para atender às necessidades corporais havia tudo em abundancia uma vez superadas as dificuldades dos primeiros anos. No novo lar, portanto, havia  grandes diferenças  em relação ao antigo. Sem dúvida foi necessário um trabalho duro também aqui, até mais do que no Hunsrück. Eram, porém, recompensados  com alimentos de boa qualidade, coisa de que não raro se sentia faltava nas terras de origem.

O atendimento às  exigências  do espírito e da alma contudo era precário. A escolaridade resumia-se  no começo  ao mínimo. Faltavam simplesmente professores  formados ou  os poucos formados não suportavam  indefinidamente as condições  miseráveis. Assim, devido à primeira das circunstâncias, o nível de instrução das crianças na escola mostrava-se em extremo precário. Encontravam.se, entretanto, entre os adultos, pessoa com escolaridade suficiente capaz de oferecer às crianças a instrução elementar mais indispensável. Durante 40 anos  não sés contou com sacerdotes que falassem a língua dos imigrantes.

Exigiam-se muitos dias de viagem  para receber os sacramentos do batismo e do matrimônio. É verdade que se realizavam regularmente devoções nas quais se liam os sermões dos manuscritos do Goffine. Em certas ocasiões celebrava-se até u  culto solene. Nessas ocasiões o fabriqueiro realizava  as cerimônias no altar. Omitiam-se, como é óbvio, os atos  privativos de um sacerdote. Para essa primeira geração de imigrantes, porém, não havia  nem confissões, nem  missa, nem comunhão. A partir de 1866 chegaram então sacerdotes alemães. Com eles foi salva tanto a formação como a religiosidade. Hoje florescem paróquias nos locais dos antigos assentamentos, colégios de irmãos e irmãs.

Frente a essa constatação notam-se as seguintes mudanças em relação àquelas da terra de origem:  Para os alemães o transplante para o interior da floresta significou, apos alguns anos, uma melhora nas condições  físicas  de vida. As condições  culturais e espirituais, porém, foram muito piores e por um longo tempo. O revigoramento físico é demonstrado pela idade avançada alcançada por muitos alemães natos, embora não houvesse médicos naquela época. As populações aqui nascidas acreditam inclusive numa espécie de lei da natureza, responsável pela longevidade maior do europeu imigrado, do que a dos brasileiros de origem européia aqui nascidos. Os primeiros europeus alcançaram idades entre 70 e 90 anos e os seus descendentes de 60 a 70. É evidente e indiscutível que a primeira e a segun da geração produziu homens excepcionalmente vigorosos. Hoje a quarta  e a quinta geração mostra um teuto-brasileiro mais  franzino e menos robusto. Todavia não faltam hoje – sob o aspecto corporal – representantes legítimos  do vigor alemão. O habitante primitivo, o guarani, ostentava uma estatura pequena e uma corpo franzino. A evolução parece indicar que o teuto-brasileiro irá, neste sentido, aproximar-se dele. A superabundância  de alimentos conduz a uma alimentação exagerada. Talvez se deva ao comer demais, de modo especial o constante consumo de carne, o inegável declínio da robustez física. Será que para tal não contribui também a alimentação irregular das crianças, associada ao consumo precoce de carne?. Observei muitas vezes crianças não desmamadas servir-se de uma coxa de galinha cozida.

Conclui-se de tudo isso que, apesar das circunstâncias inteiramente diversas, os teuto-brasileiros não se diferenciavam essencialmente dos alemães  do reino, até 1870. A própria língua continuou sendo o dialeto do Hunsrück misturado com meia dúzia de palavras brasileiras. A maioria prefere ainda hoje esse dialeto ao alemão erudito. Há alguns anos quando cavalgava  por um caminho estreito na mata virgem de uma colônia nova, veio ao meu encontro um carro de bois, sem dar espaço para passar. O carroceiro só me notou no último momento. Desculpe padre eu acabei de pegar o “Brummbär” no correio e naop me contive e ataquei  a leitura (Brummbär é um tablóide humorístico no dialeto do Hunsrück).

A primeira geração de alemães morreu. Os modernos meios de comunicação ocasionaram o contato com todo o mundo circundante. Nas escolas do governo e também nas escolas particulares, alemães de melhor nível começaram a insistir no aprendizado da língua do país. A participação política penetrou  nas colônias e o serviço militar obrigatório tornou-se universal. Todas essas influências  induziram uma variação pela qual os teuto-brasileiros se diferenciaram dos alemães das terras de origem Os teuto-brasileiros distinguem-se ainda hoje pela religiosidade, pela operosidade, pela parcimônia, pelo espírito caseiro, pela preocupação com a escola e igreja e pelo senso quase fanático pela ordem. É possível distinguir os assentamentos alemães  dos demais, pelas linhas retas em que costuma derrubar o mato, pelas cercas bem alinhadas, pela casa aconchegante, pelos jardins e pomares e pelas roças limpas e sem inço. Essa herança preciosa  perdura até hoje. Entrementes os teuto-brasileiros livraram-se de alguns defeitos. Os primeiros imigrantes, por exemplo, eram chegados ao consumo da cachaça. Até os anos oitenta há registros de  queixas neste sentido nos livros de tombo das igrejas. De então para cá despareceram. Os teuto-brasileiros de hoje representam o povo mis sóbrio que eu conheço. O bêbado  passou a ser uma aparição rara, enquanto entre os italianos, ainda hoje é muito freqüente. O teuto-brasleiro de hoje oferece a cuia ao visitante. A cuia é um porongo pequeno oco e seco. Enchido com erva (ilex paraguaiensis) – popularmente  chamado de mate. Sobre ela se despeja água quente. Introduz-se uma cânula de metal, que na extremidade munida com alargamento com orifícios ena extremidade superior com um bocal. Um por um os participantes esvaziam a cuia.  Novamente cheia passa para  o seguinte. Desta maneira a cuia faz a roda como se fosse um cachimbo da paz. Os imigrantes do Hunsrück  perderam a característica de brigões. O egoísmo alemão e a desunião perduram até hoje, mas são superáveis com muito mais facilidade, poque o teuto-brasileiro de hoje é menos teimoso. Os antigos aceitavam uma palavra dura mas honesta, os jovens já não. Neste cso eles se retraem e fica difícil reconquistá-los. São assustados, quietos e impressionáveis. A rudeza sem destruir a elegância na maneira de ser dos antigos, cedeu lugar a uma aproximação da índole mais suave do brasileiro. Os antigos educavam os filhos com rigor. Essa situação mudou. O relacionamento com os filhos assumiu ua linha fortemente temperada pelo coração e pelos sentimentos. De outra parte as crianças são menos rebeldes do que os meninos tipicamente alemães. Sob este aspecto ao menos o teuto-brasileiro de hoje afasta-se, de forma menos desejável, da maneira de ser dos pioneiros.   Palavra empenhada por um alemão  já não se caracteriza pela mesma pela mesma solidez de antigamente. Os primeiros imigrantes sobreviviam no meio da mata sem qualquer garantia legal. No relacionamento das pessoas e nos negócios o que importava era a palavra empenhada. Tornou-se uma máxima o dito: “Eu não devoro a minha própria palavra”. Hoje, não raro acontece que “se devora” a palavra juntamente com o documento.

A atitude em relação à terra de origem é morna  entre os que nasceram aqui. A Alemanha situa-se num distante próximo ao lendário. O homem  comum  é incapaz de imaginar com exatidão o que seja essa terra. Não está em condições de entender a sua realidade política.  Não é de se admirar já que ele também não se preocupa muito com o que acontecer aqui no país. É um bom brasileiro. Trabalha com aplicação, paga regularmente os impostos, apresenta-se  para o serviço militar, vota num candidato, mesmo que não saiba que tipo de personalidade ele é. Se perguntado, em quem votaste?, a resposta pode ser esta: “votei num certo bichão”.

Foram postos em andamento mecanismos  associativos com a finalidade de promover os próprios interesses. Acham-se em fase de concretização e, em certos csos, em pleno funcionamento, A Sociedade União Popular, A Liga, As Caixas, novas Colonizações e cooperativas. Reunir os alemães  para um empreendimento com requer, entretanto, um trabalho enorme. Neste particular não se percebe nenhuma mudança em relação aos antigos  imigrantes.

A grande maioria dos alemães são colonos. Contudo nos últimos anos a fundação e o desenvolvimento  de centros urbanos, número considerável deles encaminhou-se  para o comércio e a indústria. Devido às famílias numerosas – dez filhos parece ser a media – foi preciso, de tempos em tempos, instalar novas colônias mais para o interior, iniciativas a cargo do governo ou de companhias particulares. As colonizações patrocinadas pelo governo são inter-étnicas e inter-confessionais, por isso mesmo menos procuradas, enquanto as de iniciativa privada são assentamentos homogêneos. Elementos saídos das antigas colônias  nos anos setenta, ocuparam Lajeado, Estrela, Santa Cruz e Venâncio Aires. No começo do século seguiram Sobradinho, Selbach, Serro Azul, Santa Rosa e Ijuí. Desta forma os alemães haviam-se aproximado do rio Uruguai. Naquela mesma época os protestantes fundaram Neu Würtenberg. A colonização por alemães católicos transpôs e 1925 o rio Uruguai, entrando no estado de Santa Catarina e aproximando-se da fronteira com a Argentina. Um pouoc antes, povoadores protestantes vindos da Alemanha tinham-se estabelecido em Porto Feliz, mais o norte. A Sociedade União Popular fundou a colônia católica  ainda em fase de implantação. Porto Novo sede paroquial é o centro dela.  Também no futuro os colonos alemães avançarão com certeza cada vez mais sobre a mata virgem. Os membros das famílias matem uma coesão até comovente. Os pais acompanham os filhos quando casam e se dirigem para as colônias novas. Nas colônias antigas a terra é muito cara. Torna-se assim impossível os pais adquirir aí terras para todos os filhos. Nas colônias novas conseguem adquirir terra o bastante para todos os filhos, com o dinheiro economizado, alem de sobrar ainda uma boa soma. Enquanto existir tanta mata virgem  no interior é preciso saudar como bem vindo esse tipo de ocupação pois, é a válvula de escape que impede que as colônias antigas se enfraqueçam.


This entry was posted on sábado, 18 de abril de 2015. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.