Identidade Étnica e Pátia - I Dr. Franz Metzler.

Reproduzimos hoje a primeira parte do discurso pronunciada em Santa Cruz no dia 16 de setembro, pelo nosso diretor de edição e redação, o Sr. Dr. Franz Metzler. O Sr. Dr. Metzler observa que falou livremente tendo em mãos um esquema com as palavras-chave. Com a presente publicação não se trata, portanto, de uma reprodução literal do seu discurso, mas da redação posterior aqui impressa. Algumas seqüências do tema tratado foram reproduzidas e impressas tal e qual como foram pronunciadas no discurso. Isto vale principalmente para o caso de uma eventual tradução para a língua do País, daquelas partes, que se relacionam com ameaça à nossa identidade étnica por parte do nativismo brasileiro. Tendo sempre em vista essa possibilidade, foi necessário desenvolver um pouco mais, sempre dentro das naturais limitações, certos pensamentos, que para a um público teuto-brasileiro requerem apenas uma insinuação. De resto o presente texto reproduz com auenticidade (fidelidade), o que o Sr. Dr. Metzler disse e queria ter dito no seu discurso. Isto deve ser expressamente declarado e entendido com toda a clareza, a fim de neutralizar diante mão o argumento daqueles que se agarram a palavras ditas de passagem. O Sr. Dr. Metzler esclarece que responde todo e inteiramente pelo seu discurso assim como o pronunciou e deixou por escrito. Posto isto pensamos ter prevenido as distorções que possam ter ocorrido no caminho de Santa Cruz para  Porto Alegre.

Identidade étnica e Pátria em discussão.

Muito estimados ouvintes
Senhoras e senhores

Antes de mais nada quero saudá-los e agradeço por terem atendido em tão grande número ao meu convite. Quando há um ano tive o prazer de proferir uma conferência aqui em Santa Cruz, fui obrigado a contentar-me com um público muito menor. Na ocasião o tempo me foi desfavorável, a publicidade provavelmente insuficiente e talvez não houvesse  interesse por uma conferência sobre o tema "A aplicação de uma teoria social", que me fosse permitido contar com um público maior. Entretanto se passou um ano inteiro. Neste lapso de tempo muita coisa se modificou. De qualquer forma olho hoje para um salão lotado, o que me rende uma satisfação toda especial  e me faz devedor de gratidão a todos que afluíram para ouvir a minha conferência sobre "Identidade étnica e Pátria".

Um depoimento
Antes de entrar no meu tema "Identidade étnica e Pátria", quero  apresentar-me. Meu nome, quem e  o que eu sou é do conhecimento dos senhores que atenderam ao meu chamamento. Este conhecimento superficial e aparente, porém, que posso por, talvez não seja suficiente, que a seu ver me legitimar para tratar do tema proposto. Por isso quero, antes de mais nada, deixar-lhes um depoimento.

Eu sou brasileiro. Declaro-me filho da minha pátria a quem amo com todo o calor do meu coração e com toda a força da minha personalidade. - não menos do que qualquer outro  deve amar a sua e para a quem a pátria é sagrada.
Na medida em faço a min há profissão de fé pela minha pátria, faço-a também pelo povo que comigo vive na mesma pátria e comigo lhe dedica o mesmo grande amor.
Além disso faço a minha confissão de fé em favor da identidade étnica alemã, em favor da maneira alemã de ser e agir. Procedo de uma família visceralmente alemã. Quis o destino que eu  passasse grande parte da minha vida na Alemanha. Freqüentei escolas alemãs e depois preparei-me  para a minha profissão em universidades alemãs. Durante a minha longa permanência na Alemanha, período que em parte coincidiu com os  difíceis anos da guerra, aprendi a amar o povo alemão do qual procedo e também a paisagem da Alemanha. Assim como para inumeráveis imigrantes o Brasil se tornou a segunda pátria, assim a Alemanha e em especial a bela Suábia, transformaram-se para mim numa segunda pátria, e não gostaria de ignorá-la na minha  vivência íntima. Meu amor e a minha admiração pelo povo alemão não sofreu nenhum dano durante os difíceis anos que se abateram sobre a Alemanha com o infeliz desfecho da guerra. E este amor persiste ainda hoje, embora  não consiga aplaudir tudo que acontece na atualidade alemã e de outra parte, eu próprio na condição de teuto-brasileiro,  não compreenda o novo homem alemão engendrado pelo nacional-socialismo.
Todos conhecem a afirmação: "Permanecemos fiéis à nossa identidade étnica alemã, porque através dela servimos melhor à nossa pátria o Brasil". Escutámo-la em qualquer discurso festivo ou de declaração de princípios da parte teutobrasileira. Também eu  subscrevo sem restrições que pretendemos levar ao pleno desdobramento nossas características de personalidade, mantendo-nos fiéis à identidade alemã e desta maneira sermos membros úteis da sociedade e como brasileiros integrantes positivos da comunidade nacional. Percebo, porém, na formulação concisa da frase posta em discussão, uma restrição na conclusão sobre a própria afirmação, como se não nos importássemos pelo cultivo e preservação da identidade étnica alemã, no caso de a pátria assumisse uma atitude de indiferença em relação a ela. Não aceito a validade dessa restrição. Sou muito mais de opinião que, sob determinados aspectos, a identidade étnica não necessita de uma justificativa invocando  um valor superior a ela e conseqüentemente perseguida por nós em razão dela mesma. Entendo naturalmente como uma grande sorte que a nossa fidelidade para com a identidade étnica herdada se insere sem contradição naquilo que se relaciona com a nossa pátria.

Assim eu me posiciono como brasileiro em relação à identidade germânica, um brasileiro que ama a sua pátria e se entregou inteiramente a ela, que, com ambos os pés, se posiciona firme e responsavelmente na comunidade nacional, que encontra na pátria o seu ele de união.

A Teoria da Sociedade em Quadros

Quando há um ano falei neste mesmo lugar senti a necessidade de, antes de mais nada, elaborar as bases teóricas que explicam o aparecimento do teuto-brasileirismo. Não sei se na ocasião me desincumbi a contento da tarefa. Meus amigos foram em todo caso sinceros o bastante para dizer-me com  mais ou menos enfeites que meu discurso fora demasiadamente "teórico", em outras palavras, cansativo. Eu poderia ter "previsto" este resultado, pois, constitui-se sempre uma empreitada temerária querer tratar, resumindo no espaço de uma conferência, um tema que normalmente deveria ser desenvolvido numa série de preleções. Talvez também deveria ter me lembrado que meus ouvintes  estavam mais interessados em apreciações e conclusões práticas do que em teoria. Apesar disto não foi possível decidir-me por deixar de lado a teoria, porque estou convencido que os "julgamentos mais perfeitos" de fatos temporal e espacialmente descontextualizados, só é possível com o pressuposto de uma teoria bem fundamentada e que garantem a relação lógica interna dos juízos (julgamentos) isolados. 
Da mesma forma sinto-me tentado também hoje a apresentar-lhes como iponto de partida  uma teoria da sociedade. Talvez me seja permitido fazê-lo sem entediá-los (aborrecê-los), ao oferecer a teoria ilustrada com exemplos (comparações), capazes de tornar palpável a relação do teuto-brasileirismo em sua relação  com identidade étnica e pátria.

Tomo emprestado o primeiro exemplo de um teuto-brasileiro,  que  há dois anos, fora destacado para representar no seu discurso o teutobrasileirismo, no encontro tradicional de Pentecostes da germanidade de São Paulo  na sua posição de   alinhamento sem futuro. O discurso (proferido pelo Dr. Busch de Blumenau, apresentado como teuto-brasileiro de terceira geração), colheu um ruidoso aplauso da platéia. Alguns jornais em língua alemã do País o reproduziram e em Porto Alegre houve até alguém que tinha dinheiro sobrando para mandar imprimí-lo e distribuí-lo em milhares de exemplares. Também a mim foi entregue um volante destes acompanhado da observação anônima, que eu tomasse como exemplo o iluminado teuto-brasileiro de terceira geração, Dr. Busch de Blumenau. No discurso apresentou como ponto central a metáfora que neste momento lhes apresento com a intenção de corrigi-la. Imaginemos um pomar com muitas e boas árvores frutíferas. Bem perto do limite ergue-se uma macieira, cujos ramos estendem-se para dentro do jardim do vizinho. No tempo dos frutos maduros um deles caiu no chão estranho e das sementes que foram cobertas pela terra, nasceu uma nova macieira e perfeita. Cresceu e, depois de alguns anos, ela própria produziu seus frutos.

Patético o orador paulistano perguntou então os seus ouvintes. Que frutos julgam que a nova árvore irá carregar? Maçãs ou pêras? Ele próprio se dá a resposta à pergunta banal: Obivamente maçãs!  -  para acrescentar a conclusão que nós teuto-brasileiros como descendentes dos imigrantes vindos da Alemanha, jamais poderemos ser outra coisa do que alemães e somente alemães, assim como a macieira em pomar "estranho", o rebento da grande macieira "mãe", só é capaz de produzir macãs e somente maçãs.

A figura da macieira até que não  é má, mas a pergunta a partir dela formulada por seu autor e a conclusão tirada   é tão simplória que é de se admirar dos aplausos que o orador colheu da parte do seu público, pela fulminante descoberta, que uma macieira não produz pêras.

Permitam-me que eu pergunte: A quem pertence a macieira que lançou suas raízes em terra estanha, ao ponto de este chão lhe permitir alimento, crescimento e desenvolvimento? A quem pertencem os frutos? Deixem que eu responda: árvores e frutos pertencem ao pomar  vizinho, sobre isto não resta dúvida. Se a jovem macieira significa a imigração alemã e o pomar  estranho o Brasil, a metáfora faz concluir que nós, como descendentes dos imigrantes alemães somos da mesma natureza (espécie) que o foram os nossos antepassados. O orador paulistano, porém, apontou incorretamente que nós teuto-brasileiros pertencemos total e inteiramente ao Brasil como nossa pátria. 

A forma como nos situamos dentro do povo brasileiro fica claro numa outra metáfora.
Quero comparar o povo brasileiro com um parque muito bem cuidado. Nele há trilhas, caminhos, prados e muitas árvores de tudo que espécie isoladas ou em grupos inseridas no todo.

É óbvio que o parque como um todo será tanto mais belo e tanto mais completo, quanto mais perfeita for cada árvore na sua evolução individual. Um pinheiro que se ergue esbelto contra o céu será um ornamento para o parque, não menos do que a copa de um grupo de palmeiras agitadas pelo sussurro do vento ou açoitadas pela tempestade. Plantas estropiadas, sejam elas palmeiras ou pinheiros desfiguram o belo parque.

O jardineiro cuidadoso procurará levar todas as espécies ao melhor desenvolvimento possível tendo em vista o todo. Seria um louco caso tentasse enxertar copas de palmeiras em troncos de pinheiro. Destruirá ambas em detrimento do seu parque.

Entendam por essa metáfora a maneira de ser alemã como simbolizada pelo pinheiro e a maneira de ser da maioria luso-brasileira da população pelas palmeiras, conclui-se que o parque como um todo simboliza o povo brasileiro. Este  tira o maior proveito quando não se tenta modificar artificialmente a riqueza e a diversidade de suas vertentes étnicas, mas se permite que desdobrem plenamente suas identidades. Trata-se da mesma conclusão que está expressa na frase: "Nós preservamos a identidade alemã e entendemos que assim estamos em condições de servir melhor a nossa pátria o Brasil. Se nos decidíssemos hoje de uma hora para outra a  enxertar o nosso estilo de vida alemão, a nossa maneira  de ser e de agir na maneira de ser que os nossos concidadãos herdaram de seus antepassados lusitanos e desenvolveram segundo a sua índole, aniquilaríamos a nossa natureza, sem que uma outra possa surgir, degradando-a ao nível de uma caricatura.

São metáforas, honrados ouvintes, comparações, que, como qualquer comparação são capengas. Aquele que quiser penetrar ao fundo nas implicações sociológicas, será obrigado a se haver com a teoria nada obscura mas esclarecedora da teoria sociológica da  sociedade, por nós banida da conferência  desta noite. Os quadros contudo ilustram de alguma forma a discussão sobre a identidade teuto-brasileira e sua relação para com  identidade étnica e pátria.

Nativismo e nacionalismo alemão.
O trágico em nós consiste em que muitas vezes a nossa maneira de ser não é compreendida e equivocamente interpretada oferecendo assim as armas para sermos atacados. Investidas deste gênero partem de dois lados, ou da parte da  nossa identidade étnica  ou da nossa nacionalidade. Em meio a maioria teuto-brasileira da população alguns acreditam que devem mostrar descontentamento  em relação a nós, pois intepretam nossos grupos étnicos como corpos estranhos. Não é possível concordar com um grupo que se diz personificar  a "identidade étnica alemã) (de acordo com um sentido restritivo recente do pensamento, com o qual , em última análise, nada temos a ver, porque dele não fazemos parte, por procedermos de uma identidade étnica de uma época anrterior). Queremos e devemos afirmar diante desta posição enquanto deixamos claro o que somos, e, se necessaário, assumir a defesa da nossa maneira de ser eagir.

Contra o Nativismo
Os antepassados de nossos concidadãos (Voksgenosse) luso-brasileiros tomaram posso do País 300 anos antes dos nossos antepassados. Eles já haviam conquistado a independência em relação à terra-mãe (Mutterland), na data em que, a convite do Imperdor do Brasil, empreenderam pela primeira vez a viagem para cá. Aqui encontraram um povo que de braços abertos os recebeu para, como  parceiros e pioneiros, descobrir e desenvolver o País. Desembarcaram num país em que os imigrantes anteriores já tinham dado forma e desenvolvido o modelo (paradigma) de vida pública e o portugês se consolidara como língua oficial.

Nossos antepassados inseriram-se com lealdade neste contexto objetivo e jamais lhes veio à mente mudar alguma coisa nele. Ocupando o seu posto de vanguarda avançaram na dura luta pela existência, conscientes que o que estava em causa era a conquista à mata da querência e da pátria para os seus filhos. De resto viviam e agiam à sua maneira sem serem contestados. Buscaram a força no apoio mútuo ao construírem a sociedade, pra realizando  a grande obra de povoamento alemão nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e esporadicamente em outros estados da União Brasileira. Tomados de espanto e de admiração encontramo-nos hoje frente a esta obra, a não ser  que não nos tenhamos habituado criminosamente a menosprezar o próprio passado.

Do esforço comum, da necessidade comum e dos sucessos comuns emergiu uma sociedade nativa,  (bodenständig), que exibe em larga escala as marcas de sua origem. Como uma planta brasileira, porém, apresenta também as características - oriundas de um contato mais do solto nas décadas anteriores - do contato com elementos oriundos do segmento majoritário da população e em parte de formações  locais novas.

A mais evidente as marcas que apontam para a origem é o uso da língua materna. É ela que está em primeiro lugar sob mira dos representantes brasileiros adeptos da teoria pela qual nos estigmatizam como "corpo estranho". Eles gostariam de proibir-nos imediatamente a língua alemã. É preciso conceder honestamente que ela deve ser considerada como língua estrangeira. Os "nativistas" acreditam que a língua estrangeira estranha não combina com a índole brasileira. Trata-se de um equívoco fatal, como o prova o exemplo do povo suíço.

A língua não vem a ser decisiva para a índole nacional de um segmento do povo. Os alemães e franceses suíços são igualmente integrantes da confederação. Porque então os brasileiros de fala alemã, que paralelamente e de acordo com as possibilidades a seu alcance esforçam-se  por aprender a língua do País, devam ser considerados como brasileiros menos confiáveis e de segunda categoria? Conforme teoria nossa, que serve como argumento contra o nativismo, no fato de permanecemos fiéis à nossa língua materna, aos usos e costumes de nossos antepassados, somos capazes de sermos fiéis à pátria como o somos em relação a nossa maneira de ser. Os melhores e mais nobres dos nossos conterrâneos luso-brasileiros constataram essa relação ao avaliarem a trajetória do jovem povo brasileiro. Imbuídos de um espírito patriótico bem entendido não se chocam  com o fato de cultivarmos a cultura e a tradição de nossos antepassados a fim de colocá-lo à disposição da pátria como o melhor que possuímos. Com certeza nos culpariam e nos menosprezariam no caso de trairmos a nossa índole.

Estas são para nós questões importantes  que brasileiros ilustrados e verdadeiramente grandes entendem e, sobre as quais, no passado,  não esclarecemos suficientemente os nossos compatrícios de língua portuguesa. É preciso, entretanto, deixar clara a questão em legítima defesa da nossa herança e da nossa identidade. Esse esclarecimento necessário acontece, quem sabe, no plano de uma dura batalha defensiva em favor da auto afirmação da nossa maneira de ser no contexto do todo do povo brasileiro e contra  o nativismo que na sua raiz mais profunda não passa de um anti-brasileirismo. Trata-se de uma batalha da qual não nos é possível furtar caso não nos quisermos degradar ao nível de personalidades esquizofrênicos em prejuízo nosso e da pátria.

Não nos é possível deter um processo orgânico de ajuste  que já vem ocorrendo hoje  na periferia e até seria insensato querer interferir. Mas é da nossa obrigação exigir que se respeite a natureza que rege também a formação das sociedades e que opera com períodos de longa duração. Não sabemos se depois de centenas de anos ainda haverá quem fale alemão no Brasil. Apesar da resposta negativa que a intuição nos sugere em relação a essa suposição, porém, não nos é permitido colocarmo-nos à disposição de tentativas perigosas de promover uma assimilação étnica precipitada. Queremos ser à nossa maneira o que somos e queremos também que os nossos filhos sejam como nós somos assim como nós somos como foram os nossos pais.


No caso de se desencadear uma batalha pela identidade étnica, uma batalha que se anuncia no horizonte para um futuro não distante, nas ameaçadoras leis "nacionalistas", não "nacionais" (pois nacional é somente aquilo que é útil à nação), sobre a imigração e a escola, iremos combatê-la movidos por um impulso íntimo. Estaremos, porém, somente então em em condições de combatê-la com êxito se a convicção da nossa brasilidade for capaz de enfrentar ao que der e vier. (Obviamente não se supõe aqui uma batalha com o emprego de meios de força, mas uma luta que se trava no terreno constitucional que assegura a liberdade pessoal e se vale dos meios que a nossa legislação coloca nas mãos do cidadão para evitar prejuízos à liberdade).

This entry was posted on sexta-feira, 27 de março de 2015. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.