Chegados que estamos a essa
altura da vida a natureza e os objetos das reflexões diminuem gradativamente em
número mas, em compensação, aqueles que subsistem ganham em importância
existencial. Aos vinte anos olhávamos em nossa volta e percebíamos o mundo como
um cenário feito de múltiplas possibilidades para planejarmos os rumos da nossa
existência, realizarmos os nossos sonhos e concretizarmos os nossos ideais. A
imaturidade e a falta de experiência cobraram às vezes um preço alto. Não
poucos sonhos mostraram-se quimeras fugazes, outros tantos utopias impossíveis.
Opções para o rumo da vida que pareciam definitivas, mostraram-se equivocadas
no decorrer dos anos. Para não sucumbir
nessas situações foi preciso recorrer a correções de rota que, aparentemente,
poderiam parecer rupturas pela raiz do passado. Objetivamente falando, porém,
não passaram de escolhas ousadas para não sacrificar a linha mestra da
coerência que tínhamos traçado para a vida. E assim nos empenhamos na
compreensão da vida e das vivências pessoais, dos relacionamentos humanos,
da atividade acadêmica, da procura de
soluções para as perguntas de fundo da existência, da busca de respostas
satisfatórias pelo sentido e pelo lugar que no universo cabe à natureza, ao
homem e a Deus. Alinham-se também nessa lógica situações limites como o senhor
as passou no mês de janeiro e julho, e de modo especial, em setembro de 2008.
Se corretamente entendidas e avaliadas, essas eventualidades que nos
surpreenderam na nossa caminhada ao longo
dos anos, tinham o poder de depurar, selecionar, descartar, dar valor ao que é verdadeiro e,
desta forma fazer converter a nossa “Geschenkte Zeit” no coroamento prazeroso
de muitos sonhos e numa lição proveitosa para os que continuam privando
conosco.
E para não ficar apenas em
afirmações genéricas, vagas talvez,
tentarei aprofundar um pouco a linha de reflexão esboçada. Parece-me que a
grande mestra que é a vida nos propõe
três lições a serem aprendidas. A primeira. Nenhuma proposta teórica e
metodológica por si só contem potencial suficiente para dar uma resposta final
às questões realmente de fundo como são a origem e o sentido do universo, da
natureza, do homem, e em meio a isso o lugar ou não lugar para Deus. A segunda.
Além das abordagens convencionais pelo lado científico ou filosófico, duas
outras aproximações não podem ser ignoradas: o conhecimento que nos é oferecido
pela percepção, difusa, de alguma forma de natureza instintiva, intuitiva, tão
importante na orientação da conduta do quotidiano das pessoas. A esses níveis do conhecimento é preciso acrescentar,
sob o protesto e a ira do racionalismo científico, o conhecimento teológico. A
terceira não passa de uma conseqüência lógica das duas anteriores. Ninguém é dono da verdade, melhor talvez,
ninguém descobriu a Verdade, nem o cientista com suas teorias, métodos e
técnicas mais sofisticadas, nem o filósofo com seus mergulhos nos meandros da
natureza das coisas e dos fatos, nem o homem comum com a sua ciência intuitiva
quase instintiva, nem o teólogo por mais certeza e convicção que lhe garante a
fé. Mais do que nunca é verdadeiro o dito: Doctrina multiplex – Veritas una –
As doutrinas são muitas – a Verdade é una, uma só ou, como diria Nicolau de
Cusa: Ex partibus omnibus ellucet totum – Pelas partes vislumbra-se o Todo, ou
ainda a Verdade é o Todo e só o Todo é a Verdade.
Quando se trata de explicar a
natureza dos fatos e acontecimentos que dizem respeito ao homem e a tudo que o
rodeia e envolve, estamos habituados a considerar apenas duas aproximações
válidas: a abordagem pelo lado da Ciências Naturais e ou pelo lado das Ciências
do Espírito. Acontece, porém, que se formos rastrear as veredas percorridas
pelo conhecimento desde que estamos de
posse de dados confiáveis, uma coisa parece certa. A partir do momento em que,
em alguma data remota e em algum lugar não conhecido da terra, faiscou pela
primeira vez a centelha da inteligência reflexa e o homem se fez homem, a pergunta pelo quando, o como e o
porque da sua própria existência e do universo que o rodeava, fez parte das
suas preocupações. Os fatos e fenômenos que acompanhavam a concepção, a
gestação, o nascimento, o crescimento, o declínio e a morte da vida individual,
colocaram o homem de então frente a incógnitas que pediam explicações. O mesmo se pode afirmar das
realidades que o rodeavam: os ciclos do ano, as fases da lua, a trajetória
quotidiana do sol, a floresta misteriosa, a majestade das montanhas, o
firmamento coberto de estrelas, os assustadores fenômenos da natureza como
erupções de vulcões, a fúria das tempestades. Tudo isso reclamava explicações,
sugeria razões de ser, sentidos e significados. E quais foram os instrumentos
de que os pastores nômades, os agricultores, os caçadores, o pescadores e os
coletores do neolítico dispunham. Não muito mais do que uma percepção
intuitiva, com muita coisa próxima ao instinto, estimulando a capacidade
reflexiva, alimentando a curiosidade e a procura de explicações. Foi em meio a
esse panorama caracterizado por uma sobrevivência amparada num misto de
estímulos instintivos, mas municiando também os potenciais do seu raciocínio
reflexo, que o homem foi consolidando as bases do conhecimento. E conhecer não
significa apenas ter certezas
matemáticas, demonstrações em laboratórios de análises químicas,
observações microscópicas, testes em estações experimentais ou observações com telescópicos orbitando no espaço. O
conhecimento também não se limita aos resultados e às conclusões da lógica
racional. O verdadeiro conhecimento é muito mais complexo. Ele busca como
sempre buscou a sua legitimidade na satisfação da curiosidade, no atendimento
às necessidades, na resposta aos questionamentos e na contribuição que é capaz
de dar para a realização existencial do homem.
A premissa de que o conhecimento
é fruto da busca do homem por caminhos que o levam a decifrar-se a si mesmo e
ao mundo em que vive, faz concluir que
qualquer resposta neste sentido, é fruto de algum tipo de conhecimento.
Tentemos identificar e caracterizar o que parecem ter sido e são ainda os
diversos níveis do conhecimento.
O homem é um animal racional.
Essa velha definição que nos foi passada quando arriscamos as primeiras
incursões nos meandros das incógnitas da nossa espécie, continua ainda hoje
sendo de grande utilidade para entendê-la. Na gênese, compreensão e evolução do conhecimento o “animal” e o
“racional” no homem ocupam importância igual.
Pela lógica da evolução, porém,
nos estágios mais próximos ao “animal” componentes não “racionais”, não
“científicos”, determinam a natureza aparente
do conhecimento. Nem poderia ser de outra forma. Em primeiro lugar as
realidades das quais procedem os estímulos e fornecem os elementos, a matéria
prima para a construção do conhecimento, encontram-se no entorno ambiental em
que o homem vive. Em segundo lugar a apropriação dessa “matéria prima” acontece
via sentidos e no primeiro momento elaborada pela percepção instintiva peculiar dos receptores. A nível animal a
possibilidade de conhecer esgota-se nesse patamar. Por isso mesmo na se pode
falar em conhecimento no verdadeiro sentido da palavra quando se analisa o
comportamento de espécies animais. Em se tratando, porém, do homem, entra de
imediato em ação a reflexão. A relação interativa do homem com o meio não se
esgota em respostas instintivas, padronizadas para
todos os indivíduos de uma espécie como reações que não ultrapassam o nível dos
reflexos condicionados.
No caso do homem entram em ação
simultaneamente os estímulos de natureza instintiva e o processamento pela
capacidade reflexiva. Na medida em que entra em contato com as oportunidades,
os desafios e as incógnitas que
encontra, a inteligência reflexa entra em ação. A construção do conhecimento
começa. Nesse processo em que o
instintivo e o intuitivo se aliam ao racional para possibilitar o
conhecimento, não se pode ignorar que o primeiro fornece o “o qualitativo”, o
“substantivo” de que as coisas vêm acompanhadas, ou o valor em si das coisas,
ou a própria natureza das coisas. À qualidade de que as coisas vêm revestidas
pela própria natureza, soma-se a qualidade que o homem atribui a elas. E é
exatamente essa “qualidade atribuída” que contribui de maneira decisiva na
construção do conhecimento. E como as “qualidades atribuídas” diferem de
indivíduo para indivíduo e de cultura para cultura, os perfis do conhecimento,
são tantos quantos os sistemas construídos. Como exemplo universalmente
conhecido pode servir a água. Fazem
parte das suas qualidades naturais os estados físicos que assume em níveis de
temperaturas diferentes, sua importância na manutenção de qualquer tipo de
vida, sua composição química e outras mais, independentemente da sua destinação
concreta pelo homem. Mas devido exatamente à sua importância para a vida o
homem, nas diversas época e nas mais diversas situações culturais, somou às
qualidades naturais, qualidades atribuídas. A água de uma fonte brotando das
entranhas da terra rejuvenesce, garante vida longa; a água benta nos rituais
litúrgicos purifica, apaga pecados, cura enfermidades. Todos esses elementos e
muitos mais entram na formação do corpo dos conhecimentos que o homem elaborou
nas mais diversas circunstâncias temporais e espaciais. Em termos as mesmas
observações são válidas para o fogo, a luz, as estrelas, o sol, os cometas,
florestas, montanhas, vulcões, animais e plantas. Tanto o qualitativo como o
quantitativo não podem ser ignorados quando se pretende acompanhar a gênese do
conhecimento e compreender a sua razão de ser, seja ele profano ou religioso.
O “qualitativo” inerente ou
atribuído às realidades que compõem o cenário em que o homem vive a sua
história, porém, representam apenas uma
face da mesma moeda que é o conhecimento. Não resta dúvida de que essa
perspectiva predomina e é determinante na fase que poderíamos chamar de
“infantil” na historia do conhecimento. Carente ainda das indispensáveis
observações, experimentações, métodos e equipamentos adequados, o homem
valeu-se dos recursos de que a natureza o dotara: a observação, a comparação, a
análise, a seleção, a experimentação, estimulando a curiosidade e a imaginação,
a capacidade de intuir e atribuir significados, e assim, dar forma e coerência
aos corpos do conhecimento, equivocadamente desqualificados como “primitivos”.
Na medida, porém, em que o homem mergulhava nos meandros da natureza em sua
volta e se dava conta da incógnita complexa que ele próprio era, crescia o desejo
de entender o “como” tudo funcionava, e dessa forma, minorar a insegurança
perante tantas incógnitas, e ao mesmo tempo, assumir o comando do seu destino.
Ora esse passo significou uma reviravolta de proporções difíceis de
dimensionar. De dependente do entorno em quase tudo o homem passa equipar-se
com métodos e meios que o habilitaram progressivamente entender, prever e
controlar a situação. A partir daí o
componente “quantitativo” assume importância cada vez maior na construção do
conhecimento, até chegar o momento em que o racionalismo científico
desqualifica tudo o que não é quantitativamente aferível, como “não
conhecimento”, como “não científico”. Os únicos caminhos para se chegar a um
conhecimento que merece esse nome são a filosofia de um lado e a ciência
empírica do outro. Mas a exigência dos filósofos reclamando para si e seus
métodos a condição de únicos capazes de produzir um conhecimento digno desse
nome e, de outro lado, os cientistas reivindicando o mesmo para si e seus
métodos, deu no que deu. Uma disputa inútil, prejudicial, e em não poucas
casos, irracional. A prejudicada foi a produção do conhecimento, acompanhado de
um séqüito de efeitos maléficos, tanto para a Filosofia quanto para a Ciência.
Não é aqui o momento para entrarmos mais a fundo no detalhamento da situação
criada por esse estado de coisas.
Mas para que as reflexões acima
conduzidas a nível abstrato tornem a questão da produção do conhecimento mais
palpável, permito-me recorrer a um exemplo que é tão antigo quanto a própria
história do homem. A popularidade da Astrologia nunca perdeu o seu interesse.
Mesmo todo o progresso da pesquisa científica e os resultados espetaculares no
campo da física, química, biologia, biogenética, etc. não a ofuscaram. Pelo
contrário. Sua cotação vem crescendo principalmente nas camadas populares e o
seu prestígio entre pessoas cultuas e muito cultas está em alta. O termômetro
são os horóscopos em veículos de comunicação destinados a todos os públicos. A Astrologia constitui-se
num dos exemplos mais emblemáticos de como o ponto de partida, a raiz, a base
do conhecimento alimenta-se na síntese na qual entram elementos dados pela
natureza, no caso os astros, necessidades materiais a serem atendidas,
incógnitas a serem desvendadas, desafios existenciais a serem vencidos. Tudo
entregue à capacidade reflexiva do homem termina por consolidar o corpo de
conhecimentos da Astrologia. Como se pode concluir trata-se de um conhecimento
que tem como preocupação central o elemento “qualitativo” na avaliação dos
astros. A própria origem etimológica do termo já sinaliza para esse sentido.
“Astron” - astro e “Logos” – essência, natureza, qualidade.
Como o homem, entretanto, além de
dotado de instinto, de tendências naturais, de percepções, intuições,
emoções, sonhos e desejos, é portador
também de uma inteligência reflexa, a síntese do corpo de conhecimentos que vai
elaborando, conta com o concurso decisivo desse componente. Mais. A razão e a
lógica insistem cada vez mais em obter resposta para o “como” , o “quanto” e o
quando” e assim não deixar lacuna para a compreensão do todo que envolve o
universo cósmico. À compreensão do “que” e o “para que”, elementos
qualitativos, é preciso somar o “quantitativo” –“ o quando, o como e o quanto”,
objeto da Astronomia – termo composto pelas palavras “Astron” e “Nomos” –
número e por extensão, medida, massa ...
A lógica que preside o esforço do
homem em tomar conhecimento, entender o que ocorre em seu derredor e de alguma
forma prever e escolher caminhos e assim consolidar uma parceria com ele, com a
finalidade de garantir a sobrevivência e a
realização existencial, nada mais é do que a via pela qual se consolida
o conhecimento. Conhecimento no rigoroso sentido do conceito, portanto, só é
possível quando se realiza uma explicação compreensiva, com o concurso de todas
as formas de aproximação, limitadas ao potencial de seus instrumentos teóricos e
metodológicos.
Colocada a questão nessa
perspectiva, quanto mais se recua na história, tanto menos “científico” e tanto
menos “racional” se mostra o
conhecimento. Isso não significa, porém, que sua eficácia tenha sido menos
importante e menos determinante na função do que lhe cabia na vida individual e
coletiva. Aliás a importância do conhecimento que com certo desprezo, com ar de
superioridade e até com certa complacência, não poucos rotulam de
“pré-científico”, é muito maior do que parece ou se quer admitir. Basta
percorrer qualquer um dos corpos de conhecimento consolidados durante milênios
pelas culturas do oriente, com destaque para a chinesa, japonesa, indu, coreana
e outras mais. Mesmo Ernst Bloch, um dos mais proeminentes pensadores
ocidentais do século XIX, despertou para a idéia-motriz que impulsionou e
norteou todo o seu pensamento, nos romances de aventura de Karl May,
descrevendo os índios dos Estados Unidos. Aquela paisagem intocada de pradarias
sem fim, povoadas por índios caçando búfalos em total liberdade, lhe forneceu o
conceito-chave de todo o seu pensamento: “Heimat” – “querência”, cuja
realização só é possível onde reina a liberdade e a harmonia. E deixando de
lado o racionalismo científico, o rigor da lógica aristotélico-tomista e a
doutrina teológica do Deus Criador, Bloch colocou “a matéria animada” orientada
para um objetivo final por ele denominado de “Ideal do Bem”. Chegado ao término do processo evolutivo “o
bem como tal” está realizado. Paul Heinz Koesters resumiu assim o pensamento de
Bloch:
No momento
em que a matéria tiver concluído o processo da evolução ao nível em que se
encontra de momento, o “bem como tal” estará concretizado. O cosmos, o nosso
mundo, os animais e os homens, todos
feitos de matéria, ao final do processo estarão reconciliados. Reinará então a
situação para a qual tudo - as pedras
como o homem, as estrelas como as moscas na parede – convergem (sehnen sich)
consciente ou inconscientemente: a Harmonia. Neste momento finalmente o cosmos
inteiro tornou-se Heimat - Querência. [1]
Essa abertura para uma cosmovisão
que percebe a unidade nas partes, o todo na diversidade, a verdade na multiplicidade
das doutrinas, bate de frente na contra-mão com a pós-modernidade. Para ela o
que interessa são as partes. Nos laboratórios dos cientistas, nos gabinetes dos
analistas da sociedade e da economia, nas redações dos meios de comunicação,
nos discursos e manifestações dos
políticos e administradores, nas preocupações dos governantes, não há
lugar para o Todo e a Verdade. O que
decide são os fatos do momento, as ocorrências da hora, a oportunidade senão o
puro oportunismo. Não há nenhuma, ou no máximo, pouca preocupação em buscar as
raízes históricas, o significado mais profundo dos acontecimentos. O que
importa é o impacto do momento, o barulho, o estardalhaço, a dissonância. A
preocupação por paradigmas, balizas norteadoras e princípios que presidem as
ações dos indivíduos e das coletividades, senão ignorados acham-se em cotação
baixa.
O alerta contra essa opção
generalizada para o comportamento das massas, vem sendo dado exatamente por
representantes de áreas científicas nas quais os métodos e instrumentos de
investigação avançaram mais em especialização. Por enquanto trata-se de vozes
isoladas. Mas o que autoriza a esperança de uma reversão do quadro acima
descrito, é a autoridade desses cientistas. Um deles é nada menos do que
Francis Collins, diretor do Projeto
Genoma, responsável pelo mapeamento do código genético do homem. O próprio
titulo da sua obra, “A Linguagem de Deus”, sinaliza para o rompimento dos paradigmas e dogmas intocáveis do
racionalismo científico. A certa altura das suas reflexões o dr. Collins nos
deixa um parágrafo que convida a pensar, a refletir e a meditar:
Ironicamente,
outro motivo importante para a visibilidade da posição do Bio-logos [2]
é justamente a harmonia que esta cria entre as facões beligerantes. Como sociedade,
não parecemos atraídos pela harmonia, mas pelo conflito. Em parte, a culpa é
dos meios de comunicação; entretanto, eles apenas atendem aos desejos do
público. Por meio dos telejornais, você provavelmente fica sabendo de colisões
envolvendo inúmeros carros, furacões destrutivos, crimes violentos, divórcios
conturbados de celebridades e, sim, debates ásperos entre professores sobre
ensinar a teoria da evolução. Provavelmente você não ouvirá nada a respeito de
reuniões de grupos da vizinhança de credos diferentes para tentar resolver os
problemas da comunidade, nem sobre a transformação de Anthony Flew, que por
toda a vida foi ateu e passou a acreditar em Deus, e com certeza nada sobre a
evolução teísta ou sobre o arco-íris duplo avistado esta tarde sobre a cidade.
Adoramos conflito e discórdia, e, quanto mais cruel, melhor. No meio acadêmico,
música e arte produzidas com seriedade por seus membros parecem festejar sua
dificuldade de ser ouvidas e apreciadas. A harmonia é chata. [3]
E os noticiários confirmam cada vez mais a
preocupação do dr. Collins. Enquanto redijo essas linhas uma fatia predominante
dos noticiários de todos os meios de comunicação do País, volta-se para o
julgamento do casal Nardoni, acusado de ter asfixiado e jogada a filha do sexto
andar de um prédio em São Paulo. A movimentação da policia, o translado dos
acusados da prisão para o recinto do julgamento, o aparato do tribunal, o frenesi das rádios e canais de televisão,
as manchetes de primeira página dos jornais, o acotovelar-se dos curiosos, as
opiniões emocionadas e emocionais, beirando à histeria dos entrevistados nas
ruas, as fisionomias de apocalipse de alguns apresentadores de telejornais,
envolve o caso num cenário no qual um
misto de sadismo, masoquismo e prazer mórbido comandam a cacofonia. Na mesma
direção e no mesmo nível de clima foi anunciado um acidente provocado, pelo que
se presume, por duas camionetas praticando racha numa das rodovias mais
movimentadas do Rio Grande do Sul. Uma delas perdeu o controle e o radialista
escolhendo os termos foi descrevendo: “o motorista perdeu o controle do
veículo, atravessou o canteiro central da rodovia, derrubou todas as placas de
sinalização que encontrou pela frente e despedaçou um carro que vinha na
direção contrária, matndo as três pessoas que estavam nele, a si próprio e o
seu caroneiro. Na seqüência das notícias do começo do dia constam ainda mortes
por assassinato, assaltos, etc. etc. Nenhuma notícia que fosse capaz de munir
as pessoas com um pensamento positivo para enfrentar a rotina do novo dia. E ai
daquele que se atreve a lembrar aos comunicadores que já estaria na hora de
baixar um pouco o volume das trombetas que saciam a curiosidade do povo avesso
à harmonia, ao sossego ao lado humano da sociedade. A resposta vem pronta e
cortante: “é o público que assim o exige”. Temos que concordar com o dr.
Collins: “A harmonia é chata!”
Outra autoridade reconhecida como
um dos biólogos mundialmente mais respeitados é o dr. Edward Wilson, há cinco
décadas professor e pesquisador na universidade de Harvard. Em 1978 ele
publicou o livro On Human Nature (Cambridge Harvard Univesity Press, 1978).
Nele faz uma observação que o dr. Collins classificou com “palavra forte” [4].
Wilson, citado por Collins escreveu naquela obra:
A arma
decisiva apreciada pelo naturalismo científico virá com sua capacidade de
explicar a religião tradicional, sua competição entre lideres, como um fenômeno
totalmente material. Não é provável que a Teologia sobreviva como uma
disciplina intelectual independente. [5]
Em 2006 Wilson publicou um novo
livro com o titulo “The Creation – An appeal to save live on Earth”. Essa obra revela uma radical
mudança de posição no seu autor. O livro em forma de carta foi dirigido para um
pastor evangélico, convidando-o para um esforço em comum entre a ciência e a
teologia a fim de salvar a vida no
planeta terra. Não se notam mais vestígios das “palavras fortes” da obra de
trinta anos atrás. Pelo contrário o ilustre professor e pesquisador de Harvard
faz um convite, melhor talvez, um apelo a um pastor, para de mãos dadas,
Ciência, Religião e Teologia, resolverem
as intrincadas questões que envolvem o binômio Homem-Natureza. Rendeu-se,
portanto, à evidência de que as abordagens unilaterais não bastam para entender
e consequentemente para enfrentar com sucesso as grandes questões que dizem
respeito à relação do Homem e a Natureza. Eis o resumo de sua posição e o apelo
à colaboração:
O que
devemos fazer? Esquecer as diferenças, digo eu. Encontramo-nos no terreno
comum. Isso talvez não seja tão difícil com parece à primeira vista. Pensando
bem, nossas diferenças metafísicas tem um efeito notavelmente pequeno sobre a
conduta da sua vida e da minha. Minha suposição é de que somos ambos pessoas
éticas, patrióticas e altruístas mais ou menos no mesmo grau. Somos produtos de
uma civilização que surgiu não só da religião como igualmente do Iluminismo
fundamentado na ciência. De boa vontade nós dois serviríamos no mesmo júri,
lutaríamos nas mesmas guerras, tentaríamos, com a mesma intensidade,
santificar a vida humana, compartilhamos
o amor pela Criação. [6]
Essa mesma convicção de que está
na hora e deixar de lado as reivindicações dos donos da verdade, tanto do lado
das ciências do espírito como das ciências naturais, é partilhada por muitos
outros cientistas. Eles fundaram até uma associação, “American Scientific
Affiliation”.
Os gigantescos avanços dos
conhecimentos nos campos da química, física,
astronomia, biogenética e outros,
tornados possíveis por um complexo e sofisticado arsenal de tecnologias de
investigação, vem multiplicando as manifestações de reconhecidas autoridades
científicas, sinalizando para uma convergência no entendimento das questões de
fundo. Pondo de lado uma linguagem feita de conceitos completamente fora do
alcance da compreensão dos especialistas, nota-se um sincero esforço para
tornar as conquistas científicas compreensíveis fora dos laboratórios. Para o
grande público conceitos como Big Bang, fóton, elétron, quark, etc., etc.
localizam-se fora da capacidade de compreensão. Para os cientistas o desvendar
progressivo das incógnitas da natureza, abre o caminho para entender o
comportamento dos fenômenos naturais, a inter-relação entre eles e o papel que
lhes cabe nos níveis superiores de complexificação nos quais se inserem. Passo
a passo a própria ciência e representantes paradigmáticos do seu meio formulam
alternativas de interpretação nada convencionais, melhor talvez, impensáveis há
não muitas décadas atrás. A convicção e o toque de emoção que se percebe nas entrelinhas permite-me mais um testemunho
do dr. Francis Collins:
Apesar de
eu, no fim das contas, passar da ciência física à biologia, essa experiência de
originar equações universais tão simples e belas, que descrevem a realidade do mundo natural, deixou em mim
uma impressão profunda, em especial porque o resultado definitivo tinha um
grande apela estético. Isso levantou a primeira de várias perguntas filosóficas
acerca da natureza do universo físico. Porque a matéria se comportaria dessa
maneira? Citando a frase de Eugene Wigner, qual seria a explicação para a
“inexplicável eficiência da matemática?”
Não seria
nada alem de um feliz acidente ou referencia a alguma intuição profunda na natureza da realidade? Para quem deseja
aceitar a possibilidade dos sobrenatural, seria isso também uma intuição na
mente de Deus? Teriam Einstein, Heisenberg e outros encontrado o divino?
Depois Collins cita ainda “Uma
Breve História do Tempo” de Stephen Hawking, e como observa, “em geral não dado
a contemplações metafísicas”:
Então,
poderíamos todos nós, filósofos, cientistas e pessoas comuns, participar da
discussão sobre a questão de o porque de
nós e o universo existimos. E encontrarmos uma resposta para isso, será o
triunfo definitivo da razão humana – pois, então conheceremos a mente de Deus”.
Seriam essas descrições matemáticas da realidade indicações de alguma
inteligência maior? Seria a matemática junto com o DNA, uma outra linguagem de
Deus? [7]
Interrogações, interrogações e
mais interrogações, perguntas e mais perguntas. E destinam-se a responder a
que? Resumindo, externam a ânsia do homem em saber como surgiu o universo
cósmico e nele o mundo que nos rodeia; como surgiu o homem, o que é o homem,
qual é a sua razão de ser e qual o seu destino; qual é o lugar ou não lugar de
Deus neste cenário de tantas incógnitas. Encontrar enfim a Verdade na
multiplicidade das doutrinas, eis o grande desafio.
[1]
KOESTERS, Paul Heinz. Deutschland deine Denker – Geschichten von Philosophen
und Ideen die unsere Welt bewegen. Verag Gruner+Jahr AG & Co, Hamburg, 4
Auflage, 1981, p. 300
[2] O
próprio dr. Collins explica o que entende por BIOLOGOS. “Minha modesta proposta
é rebatizar a evolução teísta
como Bios pelo Logos, ou simplesmente Biologos. Os acadêmicos reconhecerão o
“bios” como “vida” em grego e “logos” como “palavra” em grego. Para muitos que
acreditam em Deus, “Verbo”, sinônimo de “palavra”, também é sinônimo de “Deus”,
como expresso de maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas
linhas do evangelho de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus”
(João 1.1. Biologos expressa a crença que Deus é a fonte de toda a vida, e a
vida expressa a vontade de Deus”.
[3] COLLINS,
Francis. A linguagem de Deus – um cientista apresenta evidências de que Ele
existe. Trad. de Giorgio Capelli, Editora Gente, 6ª edição, São Paulo 2007, p.
209-210.
[4] COLINS,
Francis. A llinguagem de Deus. Op. Cit. p. 169
[5] WILSON,
E. O. Citado por Francis Collins in A Linguagem e Desu.Op. Cit. p. 169
[6] WILAON,
E. O. A Criação – como salvar a vida na terra. Trad. de Isa Maria Lando,
Copanhia ds letras, São Paulo, p. 188.
[7] COLLINS,
Francis. A Linguagem de Deus. Op. Cit. p. 70