Nos
primeiros cinquenta primeiros anos da imigração alemã no sul do Brasil, o
pessoal docente das escolas que se iam fundando no rastro da multiplicação numérica das comunidades,
deixava, sem dúvida, muito a desejar em termos de habilitação profissional. A
estes mestres da primeira fase, entretanto, deve-se creditar, em grande parte
pelo menos, a façanha de terem salvo do naufrágio cultural e religioso os
imigrantes e a primeira e segunda geração aqui nascida. A grande maioria
trabalhou no anonimato com dedicação ao trabalho quase sempre ingrato, o amor à
vocação e o total comprometimento com a educação.
Com
a multiplicação das escolas e a consolidação da colonização as exigências em
relação à escola e à educação foram-se diversificando e, principalmente,
pedindo um nível cada vez mais melhor. As circunstâncias já não se contentavam
com a improvisação. De outra parte, a demanda, a médio prazo, não tinha como
ser suprida por professores formados em escolas normais na Alemanha. Já no
remoto ano de 1850 surgiu em Porto Alegre a Associação do Ensino Católico até
1878 sob a responsabilidade dos
professores Volkmer e Clemens Wallau. A intenção original que motivou o Pe.
Wilhelm Feldhaus, ao fundar o Colégio Nossa Senhora da Conceição em São
Leopoldo, fora uma instituição para formar sacerdotes e professores nativos: um Seminário para formação do clero e um
Seminário para a formação de professores. Tanto a Associação do Ensino
Católico, quanto o Colégio Conceição, foram a semente da qual brotaria a
monumental obra educadora do Sul do Brasil no final do éculo XIX e primeira
metade do século XX. Entre as realizações mais vistosas e mais importantes
consta a formação de professores para as escolas comunitárias que teve o seu
ponto alto com Escola Normal Católica, criada em 1923. Os evangélicos já
dispunham da sua desde o começo do século XX.
Criada
em Estrela a Escola Normal foi posta em funcionamento, em começos de 1924, em
Arroio do Meio, para ser transferida para Hamburgo Velho e fechada em 1938 em
consequência da Campanha de Nacionalização. A propriedade pertencente à
Sociedade União Popular foi adquirida pelo Estado que nela instalou a Escola
Técnica Alberto Pasqualini.
Os
estatutos então aprovados definem a finalidade da Escola: “§1. Na data de hoje,
os professores catholicos da associação ‘Deutschr Katholischer Lehrerverein in
Rio Grande do Sul’, inscripta no registro das associações a 24 de maio de
1909,fundam, com prévia aprovação da
Exma. Cúria Metropolitna de Porto Alegre, uma Escola Normal Catholica
(KatholischeLehrerbildungs-Anstalt), destinada a formar professores catholicos,
principalmente para a população de origem germânica nas zonas rurais”. Como se
pode ver, a fundação12 foi decidida em Estrela em 1909, mas começou
efetivamente a funcionar somente em 1924.
Na
postagem anterior já foi traçado o perfil do professor comunitário. Aqui
procuramos mostrar como pelo currículo praticado na Escola Normal, os
candidatos a professor eram preparados para exercer a função nas respectivas
comunidades. Para começar a formação previa 4 anos de duração. Resumindo num
quadro temos:
Disciplina C. Adiantado C. Médio C.
Inferior Estágio
Horas
semanais
Religião,
incluindo 2 4 4 4
Bíblia
e H. Da Igreja
História
da pedagogia e
Metodologia 3 1 - -
Psicologia pedagógica 3 1 - -
Alemão 4 4 5 5
Português 5 5 5 5
Matemática
e cálculo 3 3 4 5
História
da Alemanha e do
Brasil 2 2 2 2
História
Natural 2 2 2 -
Geografia
geral e do Brasil 2 2 2 2
Desenho
e Caligrafia 1 1 2 2
Contabilidade 2 2 - -
Música
(canto, violino, harmônio) 2 2 2 2
Educação
física 2 2 2 2
Submetendo
o conteúdo do currículo e as respectivas disciplinas com suas cargas horárias a
uma análise um pouco mais atenta, encontramos aí em potencial o perfil do futuro professor
colonial. A sua função imediata consistia em alfabetizar as crianças e ensinar
os conteúdos de que necessitavam no quotidiano da vida. Neste particular,
portanto, suas obrigações relacionavam-se com aquilo que normalmente se pensava
constituir a função da escola, isto é, municiar os alunos com as ferramentas mais
indispensáveis para obter sucesso na vida. As disciplinas imediatamente
comprometidas que esse objetivo eram a língua alemã, a língua portuguesa, a
matemática e o cálculo. Na época em questão – década de 1930 - o alemão continuava sendo a língua do
ensino, a língua da comunicação normal em família, nas relações dentro e fora
da comunidade. Em alemão se rezava e se cantava. Os livros disponíveis, os
jornais, os almanaques, os livros de reza, eram em alemão e como tal o veículo
transmissor por excelência dos valores da tradição cultural, tanto profana
quanto religiosa. O Português destaca-se no currículo como a disciplina com
maior carga horaria semanal. Cinco horas para cada um dos quatro níveis de
formação do professor. Naquele momento histórico o aprendizado do português
significava para os colonos de origem
alemã uma exigência prática, como ponte que lhes permitia a participação
efetiva como cidadãos na vida nacional. Vai nesta direção a advertência do
prof. Strecker dirigida à assembleia da Associação dos professores: “Mesmo que
aqui no Brasil não exista uma lei que obrigue o aprendizado da língua do País, desde cedo, é, contudo, de uma
evidência tal que não se deveria perder uma palavra sequer a espeito. Aqui no
Brasil se encontra a pátria de nossos filhos; aqui no Brasil irão viver,
trabalhar e morrer. E sem entender a língua da terra? Como irão se defender no
trato com as autoridades, em juízo, no serviço militar sem o domínio da língua
do Pais. Centenas e mais centenas de
relacionamentos os põem em contato, no relacionamento diário e no comércio com
pessoas que só falam o Português. Caso não queiram sucumbir na luta pela vida,
eles têm que saber Português e devem saber bem o Português. Todas essas
necessidades são de tal ordem que não existe uma única escola alemã que não
considere o Português como uma das suas metas mais importantes”.
(Lehrerzeitung, 1934, nº 7, p. 2)
O
currículo de formação do professor deve ser entendido também a partir do fato
de a escola comunitária ter sido uma instituição de uma classe só. O mesmo
professor ensinava todas as matérias e em todos os níveis. Sua formação
teórica e treino o habilitavam para
cumprir com êxito essa missão, nada fácil. Nesta perspectiva entende-se o
tirocínio em todas as disciplinas o currículo da Escola Normal. Sua formação
previa também as funções que lhe cabiam fora da sala de aula: de fabriqueiro,
sacristão, regente do coral na igreja e em festividades profanas, substituto do
padre em situações de emergência, conselheiro, árbitro em disputas entre
colonos, etc., etc.
(Uma
análise mais aprofundada da formação do professor pode ser encontrada na
bibliografia indicada acima)
Foto
da Escola Normal de Hamburgo Velho
Corpo docente de 1938