Nacionalização e ação policial no Estado Novo - Relatório I da Polícia #1

Entre os anos de 1938 e 1945, os órgãos da polícia do Rio Grande do Sul, produziram uma série de documentos, pelos quais procuraram  comprovar o avanço do nazismo entre as populações de descendência alemã no Estado. Entre estes documentos destacam-se dois relatórios elaborados pela Chefatura da  Polícia, sob o comando do major Aurélio Py, ambos publicados em 1942. Analisando esses documentos, sete décadas depois da sua publicação, fica a impressão de que seu autor estava convicto de que os imigrantes alemães e seus descendentes no sul do Brasil, sem exceção, formavam um poderoso enclave nacional-socialista nessa região. Por essa razão, as autoridades resolveram desencadear um programa agressivo de nacionalização, com o objetivo de neutralizar os agentes da propaganda do nazismo e, ao mesmo tempo, extirpar suas bases de operação. Proibiam  o uso da língua alemã, proscreveram os veículos de comunicação em língua estrangeira: jornais, almanaques, livros, livros de reza, revistas, periódicos e qualquer outro tipo de impresso. Fecharam escolas e associações, vigiaram os cultos religiosos e chegavam a desrespeitar a privacidade das famílias, par flagrar as pessoas falando alemão na intimidade da família. Para que o cumprimento dos respetivos decretos fosse cumprido à risca entrou em campo todo um aparato policial que se valia de todos os métodos e meios, até a prisão e a tortura para intimidar as pessoas.
As circunstâncias explicam, sem dúvida, os temores das autoridades e explicam também, até certo ponto os exageros cometidos pois, no ano da publicação dos Relatórios, a Segunda Guerra Mundial estava no auge. Em agosto daquele ano o Brasil declarou guerra à Alemanha. Os dois Relatórios confirmam o que muitos outros documentos registraram sobre a Campanha de Nacionalização.
Primeiro. A presença nazista no Estado era uma realidade e como tal motivo de preocupação das autoridades e sua obrigação de lidar com ela com os instrumentos legais disponíveis.
Segundo. As células nacional-socialistas localizavam-se nos centros urbanos de algum significado. Seus endereços e o nome dos dirigentes eram conhecidos pelas autoridades policiais.
Terceiro. No mínimo 80% dos assim chamados alemães das comunidades coloniais, estavam fora do alcance direto pois, não tinham acesso a jornais, muito menos ao noticiário do rádio, privilégio de meia dúzia que possuíam um “rádio galena” e fones de ouvido, de curto alcance e qualidade péssima. Somava-se a isso a pouca ou nenhuma noção do que poderia ser o nacional-socialismo. Havia outra razão que impedia os colonos e a maioria dos moradores das cidades, de aderir a ele. Sua natureza anticristã e antirreligiosa repugnava a mentalidade cristã da absoluta maioria.
A análise aprofundada do conteúdo do Relatório I, vai em anexo. Aqui oferecemos apenas os títulos dos diversos capítulos, seguidos de  conclusões formuladas a partir da análise. São 17 capítulos  que se estendem por 200 paginas. 1. O mundo sob a cruz suástica; -  2.  Aspeto geral da colonização do Rio Grande do Sul;  -  3. Primórdios da infiltração nazista;  -  4. A tática da penetração;   -   5. A organização do NSDAP No Rio Grande do Sul;  -  6. Alas do Partido Nacional-Socialista;  -  7. Combate efetuado pela polícia do Rio Grande do Sul;  -  8. O Partido Nacional-Socialista nos demais estados do País;  -  9. A “Schwarze Front” (Frente Negra);  -  10. Conclusão;  -  11. O nazismo em Santa Cruz;  -  12. O Colégio Sinodal em São Leopoldo;  -  13. O NSDAP em São Paulo;  -  14. As atividades alemãs no Rio Grande do Sul e Santa Catarina vistas pelo “Times” de Londres;  -  15. Caratas e conferências do círculo de colaboradores teuto-brasileiros;  -  16. Memoranda apresentados à Chefia de Polícia;  -  Documentos e traduções.
A leitura e a análise das partes e do conjunto do Relatório I, leva a uma série de conclusões. Entre elas  fixo-me em duas que parecem de fundamental importância para reduzi-lo à sua verdadeira dimensão como libelo acusatório.
Primeiro. Todas as evidência levam à conclusão de que o perigo nazista realmente existiu. Os agentes e as agências de propaganda eram conhecidos pelas autoridades pelo setor das relações com outros países e pela polícia e as sedes de irradiação da propaganda com os seus endereços registrados.

Segundo. Dos 27 documentos arrolados como provas no final do Relatório I, somente 4 são posteriores ao 10 de novembro de 1937, data da implantação do Estado Novo. 23, portanto, datam de um período em que não havia restrições legais para o funcionamento da propaganda de alemães ou brasileiros em favor da Alemanha no Brasil. Mais. É um fato historicamente sabido de que altas autoridades civis e militares não faziam segredo das suas simpatias para com o nacional-socialismo e demais fascismos vigentes na Europa na época. Terceiro. Merece  registro o fato de que, já em 1931, o jornal em língua alemã, “Deutsches Volksblatt” publicado em Porto Alegre, chamara a atenção para o caráter nocivo do nacional-socialismo, fato  que valeu a proibição de sua circulação na Alemanha. Mais ainda, em 1935 e 1936, o diretor do jornal que acabamos de citar, dr. Franz Metzler, promoveu um concurso de monografias com a finalidade de debater em alto nível e esclarecer uma série conceitos básicos para entender a dinâmica da inserção dos imigrantes alemães no todo da nacionalidade brasileira. Paralelamente o dr. Metzler ministro palestras e publicou matérias em seu  jornal, esclarecendo ao público o que significava ser teuto-brasileiro e que essa condição nada tinha a ver com uma adesão ao ideário nacional socialista. A defesa do seu ponto de vista rendeu-lhe confrontos diretos com os grupos nacional-socialistas de São Paulo e Santa Catarina. Essas fontes foram recolhidas e traduzidas pelo autor dessas linhas para futuras postagens neste Blog.

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