Educação do corpo e identidade étnica - Turnen – ginástica – esporte – exercícios físicos

A organização da comunidade típica formada pelos imigrantes alemães e seus descendentes, não dispensava os instrumentos mínimos para garantir uma formação profana e religiosa básica, preservar a identidade étnica e promover o progresso econômico e a promoção humana. Não podiam faltar a igreja, a escola, o cemitério, a casa de comércio, o salão comunitário, os diversos artesanatos. Os pressupostos mínimos para se poder falar numa comunidade foram, tanto para católicos, quando para protestantes, a igreja, a escola e o cemitério.  Temos aqui a explicação para a prática da religião fazendo parte do quotidiano das pessoas e o número de analfabetos muito baixos.
As  décadas de 1850 e 1860 podem ser consideradas como marco referencial para a consolidação da imigração alemã no sul do Brasil. No interior floresciam centenas de comunidades e na capital do Estado e nas florescentes cidades do interior, comerciantes, artesãos, profissionais liberais, professores, religiosos e outros, organizaram as comunidades urbanas. Também estas tiveram uma grande preocupação pela preservação  da identidade. Serviam-se da vida associativa como instrumento para perpetuar a sua maneira de ser alemã. Em meio a exuberante vida associativa, ao lado do canto, teatro, música, e formas de lazer diversas, multiplicaram-se as instituições destinadas aos exercícios corporais, ao “Turnen”, à ginástica, aos exercícios físicos, enfim, à educação e disciplinamento do corpo.
Foi a serviço dessa trajetória que os imigrantes e seus descendentes recorreram  à educação do corpo. De um lado havia o empenho em preservar, de alguma forma, a herança cultural. De outra patê havia também a consciência clara de que não havia como não encontrar caminhos para uma inserção cada vez mais efetiva na nacionalidade brasileira. A questão de fundo resumia-se nesta questão resumia-se em à serviço da nacionalidade em construção o potencial contido na tradição cultural dos imigrantes. Nesta questão os teuto-brasileiros costumavam agir o seguinte raciocínio: A pessoa que renega sua tradição e com ela a identidade, não passa de um mercenário, dum aventureiro, que vende seus préstimos àquele que lhe o preço mais algo. Como tal nunca será um cidadão confiável. A fidelidade e a preservação da tradição constituem-se, portanto, num pressuposto para o patriotismo. Os fatos não deixam dúvidas sobre o acerto dessa visão histórico-antropológica dos imigrantes e seus descendentes.
Na obra comemorativa do primeiro centenário da imigração alemã, enumeram-se 324 associações, mais de 300 só no Rio Grande do Sul. São sociedades, de canto, grupos de teatro, orquestras, associações de fotógrafos, associações destinadas ao lazer, associações para fins múltiplos e até clubes de fumantes. O que mais cai em vista é alta porcentagem de clubes e associações que se destinavam, de alguma maneira, a exercícios corporais. São 150 num total de 352. São diversas as modalidades de esporte: andar a cavalo, bolão, tiro ao alvo e outras. Mas sobressaem especialmente associações, clubes e sociedades de ginastas (Turnvereine e Turnklubs). Os mais importantes e o mais vistosos entre eles foi a “Federação dos Ginastas” (Turnerbund) e A Sociedade de Ginástica de Porto Alegre (SOGIPA) . A obra comemorativa citada resumiu a importância dessas sociedades e clubes:
“Não é possível fazer justiça à Federação dos Ginastas no âmbito dos breves dados sobre a vida associativa alemã no Rio Grande do Sul. Seria necessário escrever uma extensa monografia, mesmo que fosse apenas par dar uma noção do que essa Associação realizou para o aprimoramento corporal e moral da juventude teuto-brasileira de Porto Alegre especialmente na condução exemplar do Presidente J. Aloys Friederichs. A atuaçãoo da Federação  de Ginastas é um hino de louvor ao idealismo alemão, à coerência e à persistência na perseguição de objetivos que se julgam os acertados. Apoiada  pelas simpatias e pelo apoio de praticamente toda a germanidade da capital, a Federação pode er considerada  a Associação profana  popular e mais profundamente ancorada em extensas camadas, comprovado pelo elevado número de associados”.
O “Turnerbund” – a “Federação dos Ginastas”, foi a referencia da educação do caráter, da maneira de ser euto-brasileiro. Neste sentido destacamos entre outras as seguintes:
Primeiro. O “ Turnen” a Educação física, o aprimoramento físico por meio de diversos exercícios, persegui um objetivo  bem mais elevado e abrangente do que um corpo sadio. Tem objetivo maior a disciplina, a coerência, a persistência na perseguição daquilo que é eticamente correto.   -   Segundo:  Friedrich Ludwig Jahn, pai da educação do corpo, definiu o que se entende por “Turnen” ou exercitar o corpo. A saúde corporal harmoniosa, “mens sana in corpore sano”, é requisito fundamental para a edificação de  uma nação. Alcança-se este objetivo por meio de um esforço sistemático, contínuo e persistente, na busca de uma educação abrangente, de uma aprendizado sólido, de um esforço ininterrupto, não se envolver com gente efeminada e não deixar-se desencaminhar por nenhuma  tentação e não entregar-se a diversões nocivas à virtude.   -   Terceiro. A educação do corpo ao  lado dos demais recursos  da educação  é colocada a serviço da formação moral como finalidade maior, por sua vez, pressuposto para solidez de uma nação.   -   Quarto. “Turnen”, gin´stica, exercícios corporais em todas as modalidades possíveis, perseguem uma compreensão holística da pessoa, isto é, a disciplina corporal, a postura ética e moral sólida e coerente, devem ser como fundamento sólido e duradouro para o Estado e a Nação.
Quando se fala em educação do corpo como pré-condição holística  e harmônica do caráter e do espírito, lembramo-nos logo da figura de Friedrich Ludwig Jahn e do seu sistema, proposto como instrumento pedagógico a serviço da nação alemã. Entretanto foram elaborados  outros sistemas ou filosofias de vida, destinados a alcançar objetivos específicos. Entre outros, destacam-se “Meu Sistema” de J. P. Müller na Europa e o “Dayly  Dozen” e Walter Camp, na América, e a proposta do jesuíta norte-americano William Lockington.
O sistema de Lockington exibe claramente a marca inaciana. Clareza nos objetivos, liberdade de escolha dos meios, enquanto lícitos, persistência e perseverança no uso dos meios, são as maracas do herói de Pamplona. É exatamente esteo espírito que perpassa o sistema. O manual que orienta a prática do sistema de Lockington começa  com a observação. “Aquele que é capaz de executar os exercícios com certa facilidade e elegância, dá prova irrefutável de que se trata de uma pessoa igualmente bem formada e sadia. Os aparelhos são dispensáveis. Requer-se vontade e um espírito equilibrado. Onde há vontade abres-e um caminho. Não é tarefa para autômatos.  Importa em primeiro lugar o objetivo depois a estética. (Lockington-Küble, 1925, p. 17-18)
Tonl Sander  em sua obra observou: “Foi nesta concepção que Jahn já condenara os exercícios programados. Eram-lhe tão pouco conhecidos como também para Guts-Muths. Aqueles que criaram  a educação do corpo na Alemanha e lhe formularam os fundamentos, basearam a sua doutrina tendo como pressuposto o cenário da natureza como primeiro e principal aparelho de ginástica. Somente  a orientação (Spiess), que sistematizou a arte de exercitar o corpo, julgava que o corpo pudesse ser educado por meio de exercícios programados. Foi nesta concepção que Jahn já condenara os exercícios programados. Aqueles que criaram  a educação do corpo na Alemanha e lhe formularam os fundamentos, basearam a sua doutrina tendo como pressuposto o cenário da natureza como primeiro e principal aparelho de ginástica. Somente a orientação posterior (Spies), sistematizou a arte  de exercitar o corpo. Julgavam que constam o corpo poderia ser educado por meio de exercícios programados livres. Como fazendo parte dos exercícios sem alma constam: abrir as pernas, rodear, flexionar, alongar, etc., alienados de todo e qualquer objetivo dotado de sentido. Não passavam de movimentações sem vida e não exercícios em função de um todo integrado. A orientação de Spiess foi a responsável pelo fato de, durante, durante um século, a ginástica, o “Turnen” em escolas e sociedades fosse sufocado por exercícios áridos, sem vida e artificiais”.
 O exercício do corpo acompanhado de sua educação significa a educação do homem como um todo, , pois corpo e alma formam  uma só realidade e um não é capaz de realizar qualquer coisa, sem a colaboração do outro. Conclui-se dai que:
Primeiro -  Os exercícios do corpo, (Turnen, ginástica, exercícios físicos ...), forma um conceito amplo que compreende todo e qualquer tipo de exercícios e movimentos que evolvem o corpo. Tanto faz se são exercícios em aparelhos, um trivial caminhar  pela natureza, uma respiração profunda, a participação num acampamento de escoteiros, de uma natação, de andar de bicicleta, e outros muitos. O importante não é o que se faz, onde acontece, que aparelhos utilizados numa academia. Tudo deve acontecer num clima de espontaneidade, não emio ao uma rotina neurotizante, na qualos exercícios em si, a estética, a competição, o número de quilômetros percorridos, a altura e a distância do salto, a resistência ou velocidade, são colocados como objetivo maior.
Segundo  -  Os autores mencionados condenam o recurso à educação do corpo  e aos respectivos exercícios, com ou sem aparelhos, com a finalidade única de adestrar o físico da pessoa, ignorando  ou até negando as implicações existenciais entre o corpo e o espírito. Para eles a linha de Spiess, responsável pela tecnificação exagerada, pela supervalorização  do desempenho muscular nos exercícios, pela programação matemática dos exercícios, pelo exibicionismo que acompanham não poucas competições, pelo sentido político emprestado a muitas delas, quando métodos e exercícios levam o corpo até os limites extremos de suas potencialidades físicas, pondo em risco a própria integridade e, pior ainda, quando se lança mão de artificialismos químicos que forçam os ossos e músculos a dar resultados que o seu potencial natural não é capaz de render. Trata-se de uma concepção diametralmente oposta aos grandes teóricos da ginástica, do “Turnen”, como Friedrich Jahn, Guts Muths, Lockington-Küble, Tonl Sander e outros.

Terceiro  -  A educação do corpo não pode estacionar no nível dos mais diversos métodos e exercícios. Eles devem obrigatoriamente servir a um ideal superior, isto é, a formação do caráter, o desenvolvimento de uma personalidade harmoniosa, a serviço da  identidade étnica, como foi proposto e praticado em muitas sociedades, associações e instituições de ensino no sul do Brasil, na  linha de Lockington.

Aloys Friederichs - Presidente da Federação dos Ginastas, atual SOGIPA.

This entry was posted on sexta-feira, 26 de setembro de 2014. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.